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CAPÍTULO 2 O ESPIRITISMO NO BRASIL

2.5 O ESPIRITISMO EM DEBATE

2.5.1 Os fatores favoráveis ao Espiritismo

Na segunda metade do século XIX, mais ou menos na mesma época em que Kardec entrava em contato com as mesinhas girantes, pesquisadores, também apenas interessados no fenômeno, chegaram às conclusões parecidas com as conclusões inicias de Kardec. Kardec concluiu que os movimentos, percussões, e levitações das mesas e objetos eram executados

sem o contato dos assistentes ou participantes e, portanto, tinham origem em alguma força desconhecida, natural, e não, sobrenatural. À mesma conclusão chegaram outros estudiosos, como Crookes, Gibier, Zollner, Aksakof, Lombroso. Willian Crookes, por exemplo, através de sua pesquisa no campo da materialização de espíritos, também se convencera de que esses tipos de fenômenos tinham origem na ação dos espíritos.

Essa semelhança entre diversas conclusões fortalecia a proximidade com o trabalho desenvolvido por Kardec, que indo além, identificou uma inteligência no comando do fenômeno. Essa identificação se iniciou com o ―diálogo‖ mantido com as mesas, que através de sinais convencionados davam respostas inteligentes, falavam de coisas que só uma consciência humana poderia falar. O método criado por Kardec para desenvolver seus estudos se baseava em duas premissas principais: a observação sistemática do fenômeno; e, a universalidade dos depoimentos semelhantes. Ou seja, Kardec verificava os detalhes da atuação do médium nas diferentes categorias de manifestações, comparava os processos, sugeria alterações e concluía sobre os melhores processos para se obter o fenômeno. Exemplo disso foi a substituição gradual dos equipamentos de comunicação: das mesinhas por pequenas pranchas de madeiras – as pranchetas; depois, estas por cestinhas de vime ou materiais mais leves; e, em seguida pela ação direta da mão do médium sobre o lápis. ―A cesta nada mais é, praticamente, do que um porta-lápis, um apêndice da mão, um intermediário entre a mão e o lápis. Suprimindo o intermediário e pondo o lápis na mão, temos o mesmo resultado...‖. (KARDEC, 1994, p. 165).

Esse Espiritismo científico inspirou métodos de investigação os mais diversos, variando de acordo com os sensitivos disponíveis e a natureza das manifestações. ―Chama-se ‗Espiritismo científico‘ à escola ligada ou não à teoria de Allan Kardec que, sob a influência, em França, de Denis e, sobretudo Delanne, procura classificar os fenômenos supranormais, explica-los e dar-lhes leis‖. (LANTIER, 1980, p. 127). Contar, medir, ouvir, registrar, pesar e fotografar, foram os verbos correntes no método de investigação. E a natureza dos fenômenos fez aproximar os pesquisadores que, em diversas oportunidades se reuniram para avaliar uma mesma manifestação.

Uma escola que se aproximou bastante dos primeiros tempos do Espiritismo foi a escola magnética. Antecedendo em quase um século as conclusões de Kardec, Mesmer pregava a existência de um fluído especial – fluído magnético ou animal - que em algumas pessoas davam a elas a capacidade de agir sobre a matéria inerte e sobre a matéria orgânica. Kardec foi, pelo menos por algum tempo, defensor das teorias de Mesmer, aonde pode ter feito a sua iniciação nesse território. ―O magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e o

rápido progresso desta última doutrina se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira.‖ (KARDEC, 2004, p. 149). Mesmer emprega de formas diversas essa energia, inclusive na provocação do sonambulismo. Esse mesmo sonambulismo que viria a ser verificado pelo Marques de Puységur, quando, nos ―treinamentos magnéticos‖, em sua propriedade de Busancy, na Champagne, ao aplicar o tratamento em um jovem de 23 anos, pouco dotado mentalmente, o viu cair numa espécie de entorpecimento desconhecido. Nesse estado, para sua surpresa, viu que o jovem assumia uma segunda personalidade, mais vivaz, mais comunicativo, mais inteligente. Na sequencia das aplicações, o jovem passou a indicar ao Marquês os remédios que o poderiam curar, o que efetivamente aconteceu. (LANTIER, 1980, p. 32).

Perseguido pelas hegemonias religiosas, o magnetismo se desenvolveu e ganhou credibilidade pelas personalidades que abraçaram os seus princípios e também, pelos seus resultados terapêuticos. O próprio padre português, José Custodio Faria, o abbé Faria dos franceses, publicou um livro sobre o assunto, De la cause du somneil lucide, ou étude de la nature de l’homme, em 1819, livro que dedicou a seu mestre o Marquês de Puységur. (WANTUIL e THIESEN, 1979).

Outra convergência pacificamente reconhecida é para com a homeopatia. A homeopatia é o método terapêutico criado pelo médico alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1775 – 1843). Por esse método se procurava fazer o paciente tomar contato com pequenas doses de um composto fitoquimioterápico, ao que se atribuía a origem ou o agravamento das doenças. Acredita-se que o contato com porções diluídas desses compostos ativa no corpo humano determinadas defesas naturais que o fazem vencer a doença. Kardec aceitou a relação entre o processo terapêutico da homeopatia e a natureza do perispírito, este como origem de muitos dos males físicos da humanidade. Constata que muitos homeopatas eram espíritas e que havia uma aceitação de princípios entre as duas correntes de pensamento:

Tal é a razão pela qual a homeopatia triunfa numa imensidade de casos em que fracassa a medicina ordinária: mais que esta, ela leva em conta o elemento espiritualista, tão preponderante na economia, o que explica a facilidade com a qual os médicos homeopatas aceitam o Espiritismo e porque a maioria dos médicos espíritas pertence à escola de Hahnemann. (KARDEC, 2006, p. 319).

Kardec, no entanto, advertiu sobre a independência do espírito em relação às patologias do corpo, no sentido que o corpo influencia no espírito apenas dificultando ou facilitando a expressão do seu pensamento e que tanto o magnetismo, como a homeopatia, ao alterar as condições de trabalho dos diversos órgãos e funções do corpo humano, permitem

que a alma usufrua de maior liberdade de comunicação dos seus pensamentos e de maior expressão dos seus sentimentos. A mente doente, afirma Kardec, é que gera as patologias mais graves no corpo, como um grande gestor do equilíbrio dos complexos biológicos É fácil verificar que as semelhanças da doutrina nascente com correntes suas contemporâneas do pensamento não se deu apenas no nível da ciência ou da pesquisa fenomenológica. Correntes de pensamento filosófico também convergiam com a teoria espírita. Por exemplo, o positivismo.

O positivismo foi um movimento filosófico que se desenvolveu na França a partir da primeira metade do século XIX. Tinha por base a negação de tudo o que não podia ser comprovado pela ciência, em oposição ao pensamento místico que sustentava o sobrenatural. ―É, incontestavelmente o positivismo de Augusto Comte que abre o caminho ao Espiritismo e se torna rapidamente uma de suas ramificações.‖ (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 79). O Espiritismo foi concebido, desde o início, como uma religião de base científica. Isso quer dizer que a maneira de se estudar o fenômeno mediúnico se baseava na experimentação e observação. Além disso, o fenômeno mediúnico, não mostrava apenas um lado físico, onde a matéria - mesas, objetos, luzes, instrumentos - se apresentava alterada. No bojo do fenômeno se percebia a manifestação de uma inteligência que, participava não apenas mecanicamente, mas dava opinião sobre qualquer coisa que se perguntasse. E isso não era encarado por Kardec como um fenômeno místico, o que contrariava a teoria positivista, mas como um fenômeno natural, com alguém que escutasse a voz de uma pessoa vindo do outro lado de uma parede. Nada de sobrenatural, tudo natural.

Não procurando o Espiritismo afastar nenhum dos concorrentes na liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, está nas condições do verdadeiro livre pensamento; não admitindo nenhuma teoria que não esteja fundada na observação, ele está, ao mesmo tempo, nas do mais rigoroso positivismo; tem, enfim, sobre seus adversários das duas extremadas opiniões contrárias, a vantagem da tolerância. (KARDEC, 2006, p. 66).

Para Kardec, e para os pesquisadores espíritas era curioso constatar que, o que quer que estivesse do outro lado fornecia informações semelhantes, apesar da comunicação ser realizada em diferentes pontos da Europa e até do mundo, e mesmo simultaneamente. Para os espíritas a similaridade de informações originadas dos depoimentos de muitos espíritos era indício da sua veracidade, e revelava uma unidade de pensamento e até uma unidade de comando. A constatação dessas ocorrências conseguida através da observação e experimentação era para Kardec, ciência, e a sua universalidade, uma garantia de veracidade.

A mentalidade introduzida pelo positivismo de negação de tudo o que não era palpável não atingia o Espiritismo, porque para o Espiritismo tudo o que estudava e afirmava era absolutamente palpável e real. A lei dos três estágios – teológico, metafísico, e positivo – permitia uma identificação da Doutrina Espírita com o terceiro estágio, onde as barreiras do sobrenatural já haveriam de estar vencidas. ―A primeira tarefa da nova ciência seria inserir os fatos sobrenaturais na ordem da natureza e demonstrar que aquilo que se atribuía aos milagres na época de Jesus, às fadas, aos gênios e aos espectros até a época atual pode enfim ser explicado.‖ (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 80).

Não apenas o fenômeno sobrenatural passa a ter explicação, a condição humana passa a ganhar uma explicação, com a teoria da reencarnação e a proposta espírita de releitura da teoria do carma. Diz o Espiritismo: o destino não existe! Vivemos as consequências de atos praticados em outras reencarnações, dos quais podemos nos redimir em experiências sucessivas. No confronto entre o dogma e a ciência, a teoria espírita fica ao lado da ciência. É essa a aproximação entre Espiritismo e positivismo. A mentalidade de ruptura com o dogma, de partir para a pesquisa e estudo de tudo o que afeta a vida humana, sem preconceitos.

A ciência disputa e ameaça o território das Igrejas. A religião não podia mais impor limites e nem manter como verdade aquilo que estava sendo revelado como falso. O céu não era mais uma abóboda cercando a Terra e o universo era um grande desconhecido prestes a ser descoberto. Mas, a teoria positivista esbarra no materialismo por simplesmente negar o que não possa ser explicado pelos seus fundamentos ―naturalistas‖. Não consegue encaixar a alma, o sentimento humano, suas preferências, suas intuições no modelo cientificista. Era preciso ordem e progresso. Era preciso reestruturar os fundamentos da própria sociedade. Mas, o modelo positivista da mudança não conseguiu gerar felicidade. A simples contestação derrubava antigos princípios, mas não apresentava novas ideias eficientes para resolver os problemas da alma.

Pois bem! Nós, espíritas, acabamos de dizer isto aos positivistas: Nós nos tornamos vossos discípulos; adotamos o vosso método e não aceitamos como verdadeiras senão as verdades demonstradas pela análise, pelos sentidos e pela observação. Longe de nos conduzir aos resultados a que chegastes, esses instrumentos de pesquisa nos fizeram descobrir um novo modo de vida e nos trazem a certeza sobre os pontos mais discutidos. (DELANNE, 2006, p. 292).

O pensamento positivista teve, como reconheceu Gabriel Delanne, o mérito de dirigir o pensamento humano para a realidade natural. Imerso em séculos de misticismo e ―religiosismo‖ os canais de aproximação com a ciência se tornaram obstruídos. A ciência,

aquela ciência do século XIX, não tinha como saciar a sede de consolações que a humanidade sofrida, batida pelos conflitos sociais e morais, precisava. O positivismo, então, serviu de base para a revolução que o Espiritismo desejava fazer, ajudando a quebrar a resistência às novas ideias. Funcionou como o método cartesiano: incialmente negar a tudo para depois, racionalmente, recompor o conhecimento. O Espiritismo pode ter-se colocado aí, no ponto exato em que o positivismo quebrou as barreiras para então lançar a sua proposta.