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2. O CIPM, uma associação revolucionária

2.2. Acção do CIPM

2.2.5. Relacionamento do CIPM com a Igreja Católica

2.2.5.2. A ordem episcopal de retirada do pároco da Ribeira Seca

A 5 de Novembro de 1974, D. Francisco Santana, bispo do Funchal, numa carta dirigida ao Pe. José Martins Júnior, decretou que, a partir deste dia, deixava de ser o pároco da Ribeira Seca, “devendo entregar as chaves e os livros respeitantes à mesma

Igreja Paroquial, ficando a paroquialidade entregue ao Senhor Vigário da Vila de Machico, enquanto não determinarmos o contrário”659, tendo esta ordem sido divulgada na comunicação social660.

Ora, um dos motivos alegados pelo bispado para esta decisão, foi, exactamente, a utilização do prédio da Rua do Ribeirinho, n.º 21, em Machico, pelo CIPM, pois o

657 Jornal da Madeira, Funchal, 16 de Novembro de 1974, O ponto de vista do leitor – Machico vila de

progresso mas…, Um machiquense, C. PMCM.

658 Diário de Notícias, Funchal, 20 de Dezembro de 1974, A palavra do leitor – Uma Igreja desordeira,

J.J., C. PMCM.

659 Carta do Bispo do Funchal, dirigida ao Rev. Padre José Martins Júnior, Funchal, 5 de Novembro de

1974, C. A.

660 Diário de Notícias, Funchal, 7 de Novembro de 1974, Comunicados – Paróquia da Ribeira Seca-

Machico, datado de 6 de Novembro de 1974, C. PMCM. e Diário da Madeira, Funchal, 16 de Novembro de 1974, Padre Martins de Machico depõe acerca da sua demissão, após “aliciante” comédia com o homem do momento – o senhor Bispo do Funchal, C. PMCM.

prelado considerou que o mesmo, propriedade da Diocese, fora ocupado ilegalmente. Tomando por base esta interpretação, o bispo afirmou, que, perante si, nessa data e no Paço Episcopal, o Pe. Martins teria dito que “nada tem com o Centro de Informação

Popular nem sabe quem seja sua Direcção e que não foi abusivamente retirar as chaves da casa onde este se encontra instalado”661.

De seguida, o Centro de Informação Popular de Machico tomou posição sobre esta atitude, através de uma carta aberta, na qual condenou a atitude de D. Francisco. Apelidando-o de cobarde, inquisidor e desonesto, o CIP disse que o aludido prelado

“aproveitou a audiência de alguém que se diz colaborador do centro para extorquir, com o requinte da mais refinada inquisição, «confissões» e sigilos que servissem de fruto às suas mórbidas conjecturas.” Para o Centro, este acto era um abuso da

autoridade eclesiástica, visando obrigar um seu súbdito a assinar declarações em nome do CIP para o qual não estava habilitado662. Na sua opinião, o bispo deveria ter solicitado uma reunião com a assembleia geral ou com a direcção do Centro, para

“frente a frente, de homem para homem” abordar este assunto da ocupação do prédio,

até por que, segundo o CIP, Francisco Santana “conhecia muito bem o centro”, sabia dos seus corpos gerentes e até lá tinha feito uma “visita matreira”663. Recordando essa deslocação, o Centro de Informação evocou algumas calúnias proferidas pelo prelado, como a acusação de haver pinturas de foices e martelos nas paredes e lixo no quintal, explicando o CIPM que “só lá viu dois crucifixos (…) e a lixeira (…) já lá estava há

anos acumulada pelo pároco da vila, que usava o quintal para arrecadação e dispensa”664.

Em resposta a este documento do CIP, surgiu um abaixo-assinado, encabeçado pelo pároco da Vila de Machico, Pe. Manuel Severino Andrade, contendo 5.218 subscritores665, apresentando um “povo revoltado com as infâmias com que se

pretendeu enxovalhar o seu bispo (…) testemunhar a sua repulsa por tão inqualificável

661 Carta do Bispo do Funchal, dirigida ao Rev. Padre José Martins Júnior, Funchal, 5 de Novembro de

1974, C. A.

662 Diário de Notícias, Funchal, 9 de Novembro de 1974, Centro de Informação Popular - Carta aberta ao

senhor Bispo do Funchal, C. PMCM. (Anexo E).

663 Diário de Notícias, Funchal, 9 de Novembro de 1974, Centro de Informação Popular - Carta aberta ao

senhor Bispo do Funchal, C. PMCM. (Anexo E).

664 Diário de Notícias, Funchal, 9 de Novembro de 1974, Centro de Informação Popular - Carta aberta ao

senhor Bispo do Funchal, C. PMCM. (Anexo E).

acervo de indignidade e manifestar ao seu bispo total confiança e incondicional apoio”666.

O CIPM contestou esta iniciativa paroquial, considerando-a um “episódio

heroi-cómico”, porquanto

A Igreja fascista em Machico mobilizou as suas forças armadas, filhas de maria, sobrinhas de Padre, crianças para responderem à carta aberta endereçada ao senhor Bispo. E à maneira das antigas cruzadas medievais, lançados os homéricos pregões do alto dos púlpitos, colocaram-se as heroicas bandeirantes à porta das igrejas, sacristias, barracas e barbearias, intimando quem passava com este contra-fé: “Você é cristão? Então assine aqui. Isto é para o nosso Bispo não sair da Madeira…667

Para melhor compreendermos a integração da problemática da sede do CIPM nas motivações da ordem eclesiástica em apreço, é relevante recordar, parcialmente, a conversa ocorrida entre D. Francisco Santana e o Pe. Martins, no Paço Episcopal, no dia 5 de Novembro de 1974, no relato do segundo interveniente, efectuado ao Diário da

Madeira, edição de 16 de Novembro de 1974, em entrevista concedida a Emanuel

Gimes:

Quando lá cheguei, troca de impressões, sim senhor, sobre a catequese e eu fiquei perplexo, e levado à parede, quando o sr. Bispo me lança este desafio: «Martins! Traz-me

já, imediatamente, as chaves do Centro». Então, eu disse: «Sr. Bispo, desculpe, tinha

muito gosto em satisfazer esse desejo, mas não posso. Não tenho nenhuma chave, nem sei a cor dessa chave sequer!...» -- «Martins! Tu tens a chave do Centro. Tu foste roubar a

chave ao padre Andrade». (…) «Mas, Martins! Escuta Martins, e o Centro de Informação Popular de Machico…» -- Senhor Bispo, volto-lhe a dizer que eu venho como

padre da minha paróquia, mais nada. Se o senhor quer uma reunião com o Centro, pois então convoque uma reunião com a sua Assembleia Geral ou com a Direcção. «Ah, mas tu

não és do Centro, Martins?...» -- Sou, sim senhor. Também trabalho com os rapazes do

Centro. Mas isso é um assunto que está fora da ordem de trabalhos de hoje, senhor Bispo, também… -- «Pois, estás a ver, Martins, mas enfim, eu quero as chaves do Centro». «Sr. Bispo, francamente! Eu acho que isso não é ser sério. Não é honestidade. Torno a repetir que venho cá com uma ordem de trabalho e o senhor lança-me cordas aos pés, para eu cair em ratoeiras! Eu acho que isto não é honesto». Ele sai-se logo com a conclusão: «Ah,

Martins! Está-me a chamar desonesto! Vais assinar aqui um papel em como chamaste desonesto ao teu Bispo». E puxa mais um papel e outro papel e vai escrevendo (…) «Martins. Então, desde agora, deixas de ser o pároco da Ribeira Seca». (…) A partir

daquele momento, assistiu-se a um bater de teclas na máquina (…) Finalmente, quando ele acabou, é que eu realmente sube que era a tal Carta que me foi dada, originando o meu afastamento da Ribeira Seca e a qual já foi publicada nos órgãos informativos (…)668

666 Folha de abaixo-assinado, Novembro (?) de 1974 (?), C. A.

667 Comunicado do Centro de Informação Popular, 11 de Novembro de 1974, C.A. e Jornal da Madeira,

Funchal, 12 de Novembro de 1974, Do Centro de Informação Popular, C. PMCM.

668 Diário da Madeira, Funchal, 16 de Novembro de 1974, Padre Martins de Machico depõe acerca da sua

demissão, após “aliciante” comédia com o homem do momento – o senhor Bispo do Funchal, C. PMCM.

Toda esta situação desembocou no protesto dos paroquianos da Ribeira Seca, que se manifestaram, no Funchal, frente ao Paço Episcopal, no dia 7 de Novembro de 1974, na sequência de uma reunião pública, ocorrida na véspera, naquela localidade669.

Fotografia 13 – Protesto junto ao Paço Episcopal do Funchal, contra a ordem de retirada

do pároco da Ribeira Seca, em 7 de Novembro de 1974. (Foto Diário de Notícias, Funchal, 8 de Novembro de 1974)

Centenas de paroquianos juntaram-se a favor da manutenção de Martins Júnior na Ribeira Seca, “lamentando que a «questão política ultrapassasse um caso religioso»

e que na base da decisão do afastamento do seu pároco estivessem «falsas razões de carácter político apresentadas pelo bispo»”670. Francisco Santana recebeu uma

comissão representativa dos manifestantes, explicando-lhes este não haver “qualquer

sanção disciplinar sobre o seu ex-pároco”, tratando-se, tão só, do “movimento dum sacerdote para outra paróquia ou para outro serviço diocesano. Não excede um acto usual de governo da Diocese.”671 No dia seguinte, o Gabinete de Informação da Diocese prestava um esclarecimento público, dizendo que o prelado reuniu com a referida comissão, a quem “congratulou-se com a sua amizade manifestada ao

reverendo padre José Martins Júnior, informando, no entanto, que mantinha a decisão tomada de este sacerdote deixar a paroquialidade da Ribeira Seca.”672

669 Diário de Notícias, Funchal, 7 de Novembro de 1974, Comunicados – Paróquia da Ribeira Seca-

Machico, C. PMCM.

670 Diário de Notícias, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Católicos da Ribeira Seca exigem recondução

do pároco, C. PMCM.

671 Jornal da Madeira, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Outra vez a cidade sob tensão, C. PMCM. 672 Jornal da Madeira, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Comunicado do Gabinete de Informação da

Pelas 18 horas do dia 7, os católicos de Machico deixaram o Paço Episcopal, declarando-se «independentes da Diocese» e «não reconhecendo a autoridade do bispo,

enquanto este não aceitar a vontade popular»673. Esta deliberação foi tomada por

unanimidade, na referida concentração que teria durado cerca de seis horas, como resposta à atitude do bispo, sendo um acto muito divulgado na comunicação regional e nacional, espelhado num título do Diário Popular da época: “A Paróquia da Ribeira

Seca separa-se da Diocese do Funchal – por decisão do povo”674.

Face a esta posição, o Martins Júnior assumiu que “cumpriria a vontade da

população, permanecendo assim na freguesia, à frente da paróquia.”675

É de registar que, nesta data, pelo motivo de um manifestante indignado ter entrado para o interior do Paço Episcopal, foi “pela primeira vez em concentrações

populares na Madeira, disparado pelas F.A. um tiro para o ar.”676

Como se constatou, a questão da sede do CIPM foi um dos factores que levou à determinação do bispo em retirar o múnus paroquial ao padre Martins e à consequente separação da paróquia da Ribeira Seca. Em todo este processo, do princípio ao fim, esteve sempre presente o CIP, protestando, ele próprio, contra a decisão episcopal, através de comunicados e cartas, bem como apoiando a acção dos paroquianos. Foi notória a participação de elementos do CIP na comissão representativa da paróquia que foi recebida por D. Francisco Santana, como Maria Alice Franco dos Santos, assim como nas intervenções do ajuntamento popular, salientando-se a mesma cidadã, activista do CIP, que surge numa foto do Diário de Notícias do Funchal, sob a legenda

“Em nome dos representantes uma paroquiana contesta a decisão superior”677. Também, o CIPM foi importante na mobilização e no acompanhamento da população nesta manifestação popular, registando-se, por exemplo, João Moniz Vasconcelos Escórcio, numa foto do mesmo diário, ao lado do representante do prelado, o padre

673 Diário de Notícias, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Católicos da Ribeira Seca exigem recondução

do pároco, C. PMCM.

674 Diário Popular, Lisboa, 8 de Novembro de 1974, A Paróquia da Ribeira Seca separa-se da Diocese do

Funchal – por decisão do povo, C. PMCM.

675 Diário Popular, Lisboa, 8 de Novembro de 1974, A Paróquia da Ribeira Seca separa-se da Diocese do

Funchal – por decisão do povo, C. PMCM.

676 Diário de Notícias, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Católicos da Ribeira Seca exigem recondução

do pároco, C. PMCM.

677 Fotografia 3 e Diário de Notícias, Funchal, 8 de Novembro de 1974, Católicos da Ribeira Seca exigem

Messias678. Este último elemento do CIP, recentemente, confidenciou-nos que a memória que mais o marcou na história do CIPM está ligada à manifestação, sob a orientação do Centro, contra a ordem episcopal da retirada do pároco da Ribeira Seca679. Conta-nos João Escórcio:

Partimos de Machico, algumas centenas. Ao atravessar o Funchal, em direção ao Paço Episcopal a aderência e apoio dos populares foi tamanha que chegámos ao Paço aos milhares. Pelo fim da tarde foi impressionante ver chegar os operários da construção civil, os empregados da hotelaria, as bordadeiras, os estivadores e muitos outros. Saldou-se num grande movimento de massas e de mobilização política contra a tirania e autoritarismo duma Igreja mal orientada por um Bispo ultra direitista680.

Por sua vez, Maria Alice Franco dos Santos, fundadora do Centro, ao abordar a escolha das acções mais significativas desta agremiação, salientou “a

resistência do povo da Ribeira Seca, que até hoje, mantém o seu pároco”681.

2.2.6. Propaganda da Revolução e combate à “reacção”