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2. O CIPM, uma associação revolucionária

2.2. Acção do CIPM

2.2.3. Inventariação dos problemas económicos, laborais e sociais e

2.2.3.6. Cooperativa Povo Unido

Logo após a Revolução do 25 de Abril, houve um grande surto de cooperativas de produção e consumo, em todo o Portugal. A Madeira, nesta época, também assistiu ao nascimento de várias cooperativas, como a COCAN (Cooperativa Operária e Camponesa), a COOPOPULAR (Cooperativa Popular) e a Cooperativa Povo Unido, em Machico.

Em Maio de 1975, a cooperativa machiquense anunciava o início da sua formação e que funcionava “provisoriamente na sede do Centro de Informação Popular

de Machico”523, informando, ainda, como suas funções as seguintes:

No sistema capitalista, as cooperativas são um meio de luta contra o capitalismo, quando formadas pelos operários, camponeses e pescadores, com o fim de criar organizações próprias, onde tomem consciência que as classes operária, camponesa e pescatória são capazes de se organizar e dar o destino àquilo que eles produzem (…) A cooperativa dirigida por trabalhadores pretende servir estes objectivos, isto é, a organização dos trabalhadores, através do cooperativismo como uma das formas de luta contra a exploração capitalista524.

Esta linha de pensamento integrava-se numa interpretação existente nesse tempo, relativamente ao papel deste tipo de organizações, veiculada no Comércio do

Funchal, que considerava-as como “bases para o povo tomar o poder”, em ordem a

servir a população com preços mais baixos e “destruir a dominação do intermediário

521 Eco do Funchal, Funchal, 30 de Dezembro de 1974, Sociedade de Empreendimentos Turísticos da

Madeira, Comunicado da Comissão de Trabalhadores da Matur, Biblioteca Municipal do Funchal e

Eco do Funchal, Funchal, 6 de Janeiro de 1975, Comunicado da Comissão de Trabalhadores do

Grupo Empresarial Grão-Pará, incluindo a Empresa Matur, Biblioteca Municipal do Funchal.

522RTP-Madeira, Telejornal de 28.03.2000, Implosão do Hotel Atlantis Madeira, consultado em 3 de Agosto de 2015 e disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ORt8-4QjU5E

523 Comunicado Sobre a Cooperativa, Comissão Coordenadora da Cooperativa Povo Unido, 22 Maio de

1975, C. A.

524 Comunicado Sobre a Cooperativa, Comissão Coordenadora da Cooperativa Povo Unido, 22 Maio de

parasita”525. Num relato-síntese das lutas desta época de transformações locais, evidenciava-se o seguinte: “Faltava ainda abater o poder dos comerciantes

exploradores. E então pensaram em abrir uma cooperativa (…) uma forte arma de luta contra os comerciantes exploradores.”526

O CIPM teve uma grande participação no surgimento desta cooperativa, pois, para além da cedência das suas instalações para servirem de sede provisória desta organização, há dois actos particularmente significativos: o primeiro foi o pedido de comparência da Comissão de Assuntos Rurais da Câmara Municipal de Machico, presidida por Martins Júnior, numa reunião no CIP, onde seria abordado o “lançamento

de uma cooperativa, de consumo do povo trabalhador de Machico, como medida presente de combater o capitalismo e os intermediários parasitas”527; o segundo acto foi a solicitação à Intercine-Funchal, via CIPM528, da dispensa gratuita do salão de cinema de Machico529, para a realização de uma assembleia de sócios, na noite do dia 6 de Junho de 1975, a qual fora convocada pela Comissão Instaladora da cooperativa530.

Neste plenário, foi decidida a ocupação da nova sede da cooperativa, um imóvel da Rua General António Teixeira de Aguiar, frente à Igreja Matriz, “uma casa

do Luís Nunes Vieira, «Seringa», agora dos «Dias», grandes exploradores e opressores de quem trabalha”531. O proprietário deste prédio, que se encontrava fechado há cerca de seis anos, era um grande senhorio e justificava-se o acto como um direito natural, porquanto “muito dinheiro, galinhas e papadas de porco roubaram aos caseiros (…) foi

com o suor e dinheiro do Povo, que eles compraram essas grandes casas e terrenos”532.

Entretanto, a 11 de Agosto de 1975, no Cartório Notarial de Machico, foi lavrada a escritura da constituição da “Cooperativa Operária, Piscatória e Camponesa

Povo Unido”. Os seus estatutos estabeleceram que esta organização tinha por fim

525 Comércio do Funchal, Funchal, Junho (?) de 1975 (?), As cooperativas devem servir de bases para o

povo tomar o poder, C. A.

526 Panfleto A luta do povo de Machico, Outubro (?) de 1975 (?), C. A. (Anexo I).

527 Ofício do CIPM para Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Machico,

Maio (?) 1975 (?) , C. A.

528 Ofício do CIPM à Intercine-Funchal, 4 de Junho de 1975, C. A.

529 A sala de cinema de Machico estava localizada na mesma artéria da sede do CIPM, a Rua do

Ribeirinho, distando entre si, cerca de 30 metros.

530 Jornal da Madeira, Funchal, 6 de Junho de 1975, «Cooperativa Povo Unido» - Comunicado, datado

de 4 de Junho de 1975 e assinado por Manuel Mendonça Viveiros e José António Nunes Viveiros, ARM e Diário de Notícias, Funchal, 6 de Junho de 1975, Cooperativa Povo Unido, ARM.

531 Comércio do Funchal, de 12 a 19 de Junho, 1975, A Luta do povo não pára! C. PMCM. 532 Comércio do Funchal, de 12 a 19 de Junho, 1975, A Luta do povo não pára! C. PMCM.

“Fornecer aos seus associados, nas melhores condições de preço e dispensando na medida do possível a intervenção de intermediários, bens de consumo”533. Assinale-se o facto deste registo notarial declarar que a cooperativa mantinha “a sua sede

provisória na Rua do Ribeirinho, número vinte e um da Vila de Machico”, o mesmo é

dizer, na sede do CIPM534.

Importa assinalar uma clara intervenção desta cooperativa nos assuntos políticos da comunidade local, em estreita articulação com o Centro de Informação Popular de Machico.

Tal foi visível num comunicado do CIPM, intitulado “Contra o fascismo,

ofensiva popular”, em 26 de Julho de 1975, no qual se denunciava a realização, no dia

seguinte, no Funchal, sob a organização do PPD535, de uma “manifestação fascista, com

o objectivo de restaurar o fascismo (..) exigir a Independência da Madeira”536, apelando-se à “acção vigilante sobre todos os fascistas, piquetes de vigilância e defesa

junto das nossas verdadeiras associações, como a Cooperativa, o Centro de Informação Popular”537. Na manhã seguinte, o CIP rejubilava-se, pois “O dia de

ontem, sábado, representou uma verdadeira jornada de luta contra o fascismo, em Machico”538. Neste panfleto, sublinhava-se esse facto como “uma verdadeira

legalidade revolucionária (…) das verdadeiras organizações representativas, tais como o Centro de Informação Popular e a Cooperativa Povo Unido”539. E, neste domingo, o CIPM renovou o seu apelo para “virem para a rua” em oposição à citada manifestação “contra os interesses das massas trabalhadoras da Madeira, pela assassina

independência da Madeira”540.

533 Escritura da Cooperativa Povo Unido, Cartório Notarial de Machico, 11 de Agosto de 1975, C. A. 534 Escritura da Cooperativa Povo Unido, Cartório Notarial de Machico, 11 de Agosto de 1975, C. A. 535 Diário de Notícias, Funchal, 26 de Julho de 1975, A manifestação de amanhã, ARM, Diário de

Notícias, Funchal, 27 de Julho de 1975, Dispositivo de segurança accionado pelo COPMAD, ARM e Jornal da Madeira, Funchal, 29 de Julho de 1975, A manifestação do Partido Popular Democrático,

ARM.

536 Comunicado Contra o fascismo ofensiva popular, 26 (?) de Julho (?) de 1975 (?), Centro de

Informação Popular de Machico, C. A.

537 Comunicado Contra o fascismo ofensiva popular, 26 (?) de Julho (?) de 1975 (?), Centro de

Informação Popular de Machico, C. A.

538 Comunicado ao povo trabalhador, Centro de Informação Popular de Machico, 27 de Julho de 1975, C.

A.

539 Comunicado ao povo trabalhador, Centro de Informação Popular de Machico, 27 de Julho de 1975, C.

A.

540 Comunicado ao povo trabalhador, Centro de Informação Popular de Machico, 27 de Julho de 1975, C.

Noutros momentos políticos, também ocorreu a intervenção desta cooperativa, destacando-se, em Setembro de 1975, a sua junção a outras organizações populares, na reivindicação do Pe. Martins Júnior reassumir o cargo de presidente da Câmara de Machico, do qual tinha sido demitido por Carlos Azeredo, porquanto “a abrupta

alteração ora verificada neste Corpo Administrativo vem afectar e mesmo destruir a vida e a acção das organizações de base (..., Cooperativa “Povo Unido”…)”541.

A exemplo da atitude do CIPM, que procedeu ao alojamento de refugiados de Angola nas suas instalações, também a Cooperativa Povo Unido acolheu uma família numerosa542.

Como foi demonstrado, o CIPM teve um papel fundamental na formação da Cooperativa Povo Unido, tendo sido, nomeadamente, a sua sede provisória e local de reuniões da sua organização e funcionamento, estabelecendo-se entre as duas organizações uma articulação directa. De referir, por fim, um aspecto particular, que foi a queima e/ou a confiscação de documentos da cooperativa, por ocasião do assalto feito ao CIPM, por ordem de Azeredo, na noite de 16 de Outubro de 1975543.