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2. O CIPM, uma associação revolucionária

2.2. Acção do CIPM

2.2.6. Propaganda da Revolução e combate à “reacção”

2.2.6.7. O assalto ao CIPM

No dia 16 de Outubro de 1975, houve uma ocupação dos Paços do Concelho, como forma de exigir o regresso de José Martins ao cargo de presidente Administrativa da CMM, do qual tinha sido demitido pelo governador, Carlos Azeredo, no início de Setembro desse ano. Como resposta a este acto, as forças militares e policiais procederam à respectiva desocupação dos manifestantes, de uma forma violenta.

Depois dessa actuação, e, na óptica do CIPM, “Não contentes com isso”, um grupo de polícias e militares, comandado pelo capitão Avelar, atacou a sede desta associação, onde viviam quatro casais de retornados de Angola, e na qual, nesta altura, o Centro, apenas, dispunha de uma única sala, para os seus arquivos. Os invasores, “às

coronhadas na porta e disparando tiros para o ar, intimidaram os retornados a lhes abrir a porta (…) refondiaram tudo, até a cozinha e a retrete.” Depois, levaram

consigo, para o Funchal ou queimaram diversos documentos da associação, como impressos e envelopes timbrados, facturas e dinheiro das quotas dos sócios, a par de pastas e livros, relativos à colonia, à Cooperativa Povo Unido e ao jardim-de-infância. Segundo o CIPM, na Rua do Ribeirinho, foi feita uma “fogueira, enquanto oficiais e

polícias se divertiam como índios em redor dela”. Perante isto, uma moradora, vinda de

Angola, e já de idade, teria dito: “se eu sabia que a tropa fazia isto aqui, eu deixava-me

ficar em Angola”802.

Entretanto, após a posição condenatória do CIPM, Carlos Azeredo, no dia 22 de Outubro, efectuou uma comunicação no único canal de televisão da Madeira, a qual foi reproduzida no Jornal da Madeira, na edição do dia seguinte, dando uma larga explicação ao assalto ao CIPM, Por um lado, confirmou que “A par da desocupação da

Câmara, procedeu-se a uma busca no C.I.P.”, onde teriam sido apreendidos

documentos e materiais. Segundo o militar, embora não houvesse armas de fogo, teriam encontrado cacetes, cabos, barras de ferro, caixotes de pedras e outras armas,

“agressivas ou defensivas, conforme o emprego que lhes seria dado”. Por outro lado, o

801 Escórcio, João Moniz Vasconcelos, Depoimento escrito de fundadores e activistas do CIPM, 10 de

Agosto de 2015. (Anexo L).

802 Comunicado O povo tem de vencer – os últimos acontecimentos, Centro de Informação Popular de

Machico, 19 de Outubro de 1975, C. A., Diário de Notícias, Funchal, 19 de Outubro de 1975, Comentários aos incidentes em Machico, C.I.P. repudia «escalada do fascismo na Madeira», C. PMCM e Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo, 23 de Outubro de 1975, C. A

governador proferiu diversas acusações, referindo a existência de “íntimas relações

entre o C.I.P. e a organização dos comités marxistas-leninistas portugueses”, bem

como este agrupamento “estava votado a uma imensa propaganda reaccionária, porque

de extrema-esquerda”. Azeredo declarou que, inclusivamente, fora encontrado um “manual de agitação de massas”. Na mesma comunicação televisiva, o militar disse

que foi apreendido, no CIP, “um ficheiro político, no estilo mais pidesco possível (…)

colecções de fotografias de grupos humanos, com um círculo à volta das cabeças (…) um conjunto de informações orientado para a repressão”803.

A resposta à comunicação do governador não se fez esperar e surgiu, logo, em carta aberta, com um tom duro e muito pormenorizado, na qual o Centro de Informação acusou Azeredo de “manipulador e desonesto”, tendo essa missiva sido distribuída à população local e foi, igualmente, divulgada na imprensa804. Reproduzimos, de seguida, a parte principal da reacção do CIPM:

Quanto às acusações (…) que revelam uma “íntima ligação com as organizações dos comités marxistas-leninistas” (…) os documentos a que o senhor se refere são jornais, como os que se encontram em qualquer livraria ou banca de ardina. São eles “A Voz do povo”, “O Grito do Povo”, “A Classe Operária” e outros jornais que o CIP recebia periodicamente, como recebia a “República”, “Diário de Notícias” do Funchal e outros. Se o seu capitão tivesse procurado bem, até teria encontrado alguns exemplares do reaccionário “Jornal da Madeira.

A outra acusação é o ficheiro, “o mais pidesco possível” (…) No CIP, havia três grupos de fotografias, todas do domínio dos fotógrafos profissionais e expostas já nas suas vitrinas: um grupo era o da tomada de posse do presidente da Câmara de Machico em 24 de Setembro de 1974; o outro era o da contra-manifestação em 10 de Fevereiro de 1975; e o terceiro era o das inscrições vergonhosas que certa ralé reaccionária escreveu nas paredes, contra a moral pública, cujas cópias estão também em poder do doutor Juíz da Comarca de Santa Cruz. Os círculos à roda da cabeça das pessoas, serve para realçar a resposta que operários, camponeses e pescadores deram aos conhecidos reaccionários que nessa altura vieram provocar o povo trabalhador.805

803 Jornal da Madeira, Funchal, 23 de Outubro de 1975, C.I.P. com intenções de agitação de massas, C.

PMCM e Diário de Notícias, Funchal, 24 de Outubro de 1975, Ponto da situação político-militar na Madeira pelo brigadeiro Carlos Azeredo – Alocução proferida na R.T.P. – Funchal, ARM.

804 Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo, 23 de Outubro de 1975, Centro de Informação Popular de

Machico, C. A. (Anexo H), Diário de Notícias, Funchal, 25 de Outubro de 1975, Do C.I.P. de Machico-Carta aberta ao brigadeiro Azeredo, C. PMCM, Diário Popular, Lisboa, 29 de Outubro de 1975, Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo sobre os incidentes do Machico, BN e Diário de Lisboa, Lisboa, 28 de Outubro de 1975, De Machico para as altas instâncias – Carta Aberta ao brigadeiro Azeredo, Fundação Mário Soares, consultado em 10 de Junho de 2015 e disponível em http://www.fmsoares.pt/aeb/.

805 Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo, 23 de Outubro de 1975, Centro de Informação Popular de

Machico, C. A. (Anexo H), Diário de Notícias, Funchal, 25 de Outubro de 1975, Do C.I.P. de Machico-Carta aberta ao brigadeiro Azeredo, C. PMCM, Diário Popular, Lisboa, 29 de Outubro de 1975, Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo sobre os incidentes do Machico, BN e Diário de Lisboa, Lisboa, 28 de Outubro de 1975, De Machico para as altas instâncias – Carta Aberta ao brigadeiro Azeredo, Fundação Mário Soares, consultado em 10 de Junho de 2015 e disponível em http://www.fmsoares.pt/aeb/.

Mais adiante, e sobre a acusação de ser um “centro de agitação de massas”, o CIP considerou tal inexplicável, referindo que era o seu papel de promoção dos direitos das pessoas e de apoio às lutas da população, nas mais diversas áreas sócio- profissionais. A mesma associação acusou, ainda o roubo de uma aparelhagem sonora, parcialmente, pertencente ao CIP806.

Sobre estes acontecimentos, pronunciou-se, publicamente, o grupo político União do Povo da Madeira (U.P.M.), de forma solidária, dizendo que “Machico é um

osso duro de roer!” e que o CIPM tinha motivos para qualificar Azeredo como “ditador”807.

Estes factos mereceram uma interpretação do CIPM, ligada à realidade nacional, considerando que o comportamento dos capitalistas e dos partidos, definidos como reaccionários, no Norte de Portugal, na Madeira fora atribuído aos oficiais das Forças Armadas, concluindo que “Os Comandos militares da nossa ilha estão

preparando a morte do nosso povo, como demonstraram os acontecimentos registados em Machico.”808

Relativamente ao assalto à sede do CIPM, o movimento UPM que apoiou o CIPM, resumia a sua posição no seguinte subtítulo: “Destrói-se uma sede; não se

destrói a luta pela liberdade!”809

Por seu turno, a associação machiquense declarou:

O senhor mandou saquear, roubar e queimar o CIP. Apenas queimou os ossos. Porque a alma renasceu mais firme e brilhante das próprias cinzas. O CIP é o povo trabalhador de Machico que sobreviverá a todos os ditadores e exploradores, dependurados em V.Exª, como num cabide.810

806 Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo, 23 de Outubro de 1975, Centro de Informação Popular de

Machico, C. A. (Anexo H), Diário de Notícias, Funchal, 25 de Outubro de 1975, Do C.I.P. de Machico-Carta aberta ao brigadeiro Azeredo, C. PMCM, Diário Popular, Lisboa, 29 de Outubro de 1975, Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo sobre os incidentes do Machico, BN e Diário de Lisboa, Lisboa, 28 de Outubro de 1975, De Machico para as altas instâncias – Carta Aberta ao brigadeiro Azeredo, Fundação Mário Soares, consultado em 10 de Junho de 2015 e disponível em http://www.fmsoares.pt/aeb/.

807 Comunicado sobre a alocução do sr. Brigadeiro Azeredo, União do Povo da Madeira, Outubro (?) de

1975 (?) , C. A.

808 Diário de Notícias, Funchal, 19 de Outubro de 1975, Comentários aos incidentes em Machico, C.I.P.

repudia «escalada do fascismo na Madeira», C. PMCM

809 Comunicado sobre a alocução do sr. Brigadeiro Azeredo, União do Povo da Madeira, Outubro (?) de

1975 (?), C. A.

810 Carta Aberta ao Brigadeiro Azeredo, 23 de Outubro de 1975, Centro de Informação Popular de

Machico, C. A. (Anexo H), Diário de Notícias, Funchal, 25 de Outubro de 1975, Do C.I.P. de Machico-Carta aberta ao brigadeiro Azeredo, C. PMCM, Diário Popular, Lisboa, 29 de Outubro de