• Nenhum resultado encontrado

A organização do espaço pelos teletrabalhadores

Capítulo 3. O espaço doméstico do trabalho

3.2 A dimensão ESPAÇO: da casa à fábrica ou ao escritório, do escritório à casa

3.2.1 A organização do espaço pelos teletrabalhadores

Os teletrabalhadores que participaram do presente estudo possuem em suas residências escritórios semelhantes àqueles das empresas, com mobiliário como mesas, cadeiras, sendo que alguns mandaram confeccionar móveis com design apropriado.

Tanto a Alpha como a Beta providenciaram a seus teletrabalhadores equipamentos como laptop/notebook, impressora, arquivo, bem como a instalação de uma segunda linha telefônica, no caso da empresa Alpha, que deve ser usada exclusivamente para fins de trabalho, sendo que é através dela que é feita a conexão à rede das empresas. A empresa Beta não forneceu uma outra linha, mas paga diretamente as despesas com o uso do telefone.

Além disso, todos os depoentes têm um computador pessoal de mesa, que, em muitos casos, compartilham com suas esposas e que, às vezes, utilizam também para realizar suas atividades profissionais, passadas depois para o laptop. Dois dos teletrabalhadores citaram a ausência de outro tipo de infra-estrutura, ao qual teriam acesso se estivessem atuando no espaço da empresa, como “xerox” e correio; porém,

ressaltaram que isso não chega a ser um impedimento para a eficácia do trabalho remoto.

Apenas um dos teletrabalhadores afirmou ter dificuldade com a tecnologia, o conference call, por exemplo, e também com o acesso à rede da empresa por rádio. De fato, o avanço da tecnologia no Brasil, na área de telecomunicações, ainda está aquém do ideal, dificultando o trabalho à distância em alguns casos.

A grande maioria dos teletrabalhadores possui espaços reservados em suas residências para os escritórios; por exemplo, a maior parte deles os instalaram no quarto opcional comumente denominado “quarto de empregada”. Apenas um dos depoentes montou seu local de trabalho na mesa da sala de jantar, onde há conexões apropriadas para a impressora e o notebook. Dois deles atuam mais junto aos clientes do que em casa, mas a base do trabalho continua sendo os seus home offices.

O espaço do teletrabalhador Victor, um dos visitados pela pesquisadora, demonstra o que foi descrito acima. Um dos quartos de sua residência foi transformado em escritório - possui mesa, cadeira, computador e sofá. Fotos na parede substituem o porta-retrato, que, na empresa, estaria sobre a sua escrivaninha, marcando o seu território. É o uso subjetivo do espaço.

Observa-se que esses trabalhadores sentem-se confortáveis nos escritórios montados em seus espaços privados. Um dos depoentes explicou da seguinte maneira a diferença entre trabalhar em casa e no escritório da empresa: “Coloco uma bermuda, uma camiseta, fico de chinelo, mais à vontade, não precisa de camisa social” (Fabrício). Assim como outros depoentes, esse teletrabalhador se apropria do espaço privado para o seu conforto e bem-estar.

office, também visitado pela pesquisadora:

É pequeno, do tamanho do quarto de empregada do apartamento, tem uma janela, coloquei os meus livros, uma impressora, uma conexão de

Speedy para a banda larga, uma linha telefônica [...] e algumas coisas

que eu acho que necessito para trabalhar. Se eu precisar de uma impressão mais importante ou alguma coisa mais importante, eu aciono [a empresa], sem nenhum problema (Flávio).

Esse teletrabalhador chamou a atenção da pesquisadora para a janela, que lhe proporciona um bonito panorama e que parece aumentar o espaço do escritório. Percebe-se uma arrumação cuidadosa, que dá conta da subjetividade do indivíduo que se apropriou do “quarto de empregada” e o tornou o seu território, à sua imagem e semelhança. Lembra um escritório convencional, mas tem um estilo próprio, é personalizado. Se, como diz FISHER (in CHANLAT, 2001, v. II), o espaço é o espelho da organização, esse espaço da casa espelha o estilo do seu habitante e a sua subjetividade.

A maioria dos atores disse que está melhor hoje, comparando com a forma tradicional de trabalho no espaço da empresa. O depoimento do teletrabalhador acima mencionado confirma isso:

Sim, porque eu consigo trabalhar em casa, consigo me concentrar mais, consigo me isolar melhor no trabalho e me concentro no que está acontecendo para entender e resolver determinado problema. Quando você está no escritório, isto às vezes é muito difícil porque você tem um colega que quer saber o que aconteceu ontem à noite, o seu chefe tem que levar uma resposta na reunião de amanhã e te liga o outro diretor para saber se você já falou com fulano de tal. Então, no escritório é muito mais difícil qualificar as prioridades, definir as prioridades, quem é mais importante e o que é mais importante. Em casa é mais fácil, dá para saber o que eu vou fazer hoje, o que eu vou fazer amanhã (Flávio).

A fala acima mostra claramente uma vantagem para quem trabalha no espaço privado de sua casa, que lhe proporciona maior concentração para entender e resolver os problemas, bem como estabelecer e cumprir a própria agenda.

Contudo, três dos depoentes referiram que exercer funções profissionais em casa pode gerar algum desconforto, pois, não havendo espaço disponível, os escritórios acabaram sendo montados nos próprios dormitórios. Desse grupo, dois são solteiros, o que facilitou a situação; para o outro, casado, o home office funciona no quarto do casal. Ele assim descreveu o seu escritório:

Na verdade, o espaço físico é pequeno, mas é o suficiente para o que eu preciso. Eu tenho uma escrivaninha de aproximadamente 1,50m, com gavetinha; acima disto, eu fiz algumas prateleiras que estão cheias de livros e tenho o laptop, só não tenho junto comigo a impressora. A impressora fica no quarto dos meninos, mas que nós compartilhamos, eles têm o [seu] computador para os trabalhos de casa e, quando eu quero imprimir, eu imprimo, sem problema nenhum. O espaço físico é suficiente para mim (Eduardo).

Apesar da necessidade de compartilhamento do espaço de trabalho com a família, o “refúgio do lar” não parece ter deixado de existir para Eduardo. “Até me sinto cheio de mordomias, porque a minha esposa traz um cafezinho, um refresco”. Mas é possível perceber em sua fala que o trabalho sofre interferências da rotina da casa:

Em geral, acho que eles [os filhos] preferem que eu trabalhe no escritório [da empresa], porque acaba interferindo, mesmo pouco, mas interfere. A princípio eles estranhavam muito. Eu ficava com a porta [do quarto] fechada e eles gritando, entrando no quarto, dizendo que esqueceram que eu estava lá (Eduardo).

Da fala de Eduardo, depreendem-se algumas das ambigüidades do teletrabalho: ao mesmo tempo em que esse depoente fala que está cheio de mordomias, ele intui

que os filhos preferem que ele trabalhe no escritório da empresa. Isso porque, na realidade, a presença dele interfere no espaço e modifica as rotinas e o comportamento dos outros habitantes da casa. Os filhos se “esqueceram que estava lá”. Eles se esqueceram porque, em circunstâncias “normais”, ele não deveria estar lá.

Há hodiernamente uma rediscussão em torno da delimitação e da especificação estrita dos locais de trabalho, mas ela ainda não foi suficiente para quebrar o antigo paradigma de que o local de trabalho é na empresa, seja na fábrica, seja no escritório. Os filhos ainda vivem dentro desse paradigma que o pai, ao ficar em casa, está contrariando. O trabalho em casa representa uma mudança de cultura, que levará tempo para ser absorvida. Da mesma forma, servir “um cafezinho, ou um refresco” constitui uma quebra da rotina da casa para a esposa, a qual poderá representar, para ela, uma fonte de satisfação sob o ponto de vista afetivo, mas também, ao contrário, significar um aumento de suas obrigações e um novo papel, a de substituir, quem sabe, a secretária ou a servente que, nos escritórios, prepara e serve o café. Podem ser valores novos re-atualizados dos antigos valores, como refere PALIERI 30 (in DE MASI, 2000 b, p.237):

E as mulheres também sofrem com o fato de que, de repente, têm que suportar esse marido que passou a vida inteira fora de casa e que agora passa a perambular dentro dela, como um “estranho”, que começa a ocupar quartos e partes da casa que até aquele momento eram só delas.

É a invasão do território alheio, situação que demandará acomodação das pessoas envolvidas, podendo se transformar ou não em motivo para novos conflitos.