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Sofrimento ou mal estar no teletrabalho: o isolamento

Capítulo 4 As relações sociais, identificações e identidades

4.4 Sofrimento ou mal estar nas organizações

4.4.1 Sofrimento ou mal estar no teletrabalho: o isolamento

O Outro é o espelho em que o sujeito se vê refletido. Somos dependentes de outros seres. Estar junto forma laços sociais. E por isso, dentro da empresa, os trabalhadores se juntam em grupos, de acordo com os seus interesses, estabelecendo relações afetivas. No teletrabalho, o grupo permanece, porém, distanciado, sem a presença física dos colegas, comunicando-se por via das telecomunicações, na maior parte das vezes de forma virtual.

Essa mudança repentina pode trazer sofrimento, que no caso de alguns teletrabalhadores se traduz em solidão, como se pode observar na fala de alguns deles: “... às vezes passam horas que não toca o telefone, não acontece nada, a casa

está muito quieta, aí dá uma sensação de solidão, mas é uma coisa passageira” (Victor). “Esse aspecto [os colegas, o ambiente] a gente perde um pouco, os amigos de trabalho, eu acho que é isso, o ambiente de trabalho e os amigos. A gente se encontra, mas é difícil, uma vez ao mês e olha lá” (Danilo). “[Sinto falta das] idéias que os outros tinham no grupo, estar vendo um diretor...” (Fabrício).

Um dos depoentes, Juliano, afirmou sentir-se isolado e diz “eu tento compensar isso almoçando fora de casa, você não vê o mundo fora e este é um aspecto ruim”. Ao mesmo tempo, não vê problema na comunicação com os colegas, mesmo o contato sendo virtual, pois estão conectados o tempo todo e, se preciso, há o telefone, o que leva a crer que Juliano já trabalha dentro de um paradigma novo. Confirma-se, entretanto, na sua fala, a existência de sentimentos contraditórios a respeito do relacionamento presencial versus o relacionamento virtual, que o faz necessitar sair e almoçar fora para ver o mundo lá fora.

Com os colegas de trabalho você tem um contato virtual, então a gente fica direto conectado, naquele espaço. Mas hoje em dia tudo é tão virtual que você se acostuma com isso também; aquela interação humana, de repente, para as relações profissionais, não é tão importante assim. Com esse nosso tipo de trabalho, o olho no olho, para um trabalho técnico, não é tão importante, desde que a comunicação seja comunicada clara e rapidamente; isso dá para fazer por e-mail e por telefone (Juliano).

MANOOCHEHRI E PINKERTON (2003) recomendam que a gerência estabeleça medidas que possibilitem manter a afiliação entre a organização e os teletrabalhadores. Sugerem chat rooms e outros meios para encorajar aqueles que trabalham em casa a compartilhar suas idéias e opiniões, bem como reuniões no espaço da empresa que possibilitem o encontro daqueles que permanecem dentro da empresa e aqueles que

trabalham em casa. Segundo esses autores, isso evitará a frustração de não se ter mais aonde ir ou com quem conversar e contribuirá, também, para a melhoria das comunicações entre os colegas e a organização. Entretanto, haverá casos, como o da empresa Beta, em que não há um lugar para o encontro, porque o espaço físico da empresa deixou de existir.

Pode-se, ainda, nessa nova modalidade de atividade profissional, perder a qualidade de participante de todo o processo, como se percebe no depoimento de um dos teletrabalhadores:

[...] você não participa tanto do processo, você fica fora, porque, com o trabalho em casa, você pára a discussão com os colegas, que são discussões importantes, discussões para o seu crescimento, mesmo quando se discute futebol, na área do café da companhia, você está se posicionando frente aos seus colegas de grupo. Se de alguma maneira a companhia não consegue incentivar a permanência da figura do grupo, você acaba prejudicando os indivíduos e fica isolado do café da companhia, você está se posicionando frente aos seus colegas de grupo... fica isolado do que acontece na companhia, porque, quando se produz um evento que todo mundo corre atrás, você não está, você fica fora do evento. E às vezes tomam decisões que, se você estivesse, seriam diferentes, porque às vezes, naquele assunto, você é um especialista ou uma pessoa mais experiente nesta questão. (Flávio).

DEJOURS (in CHANLAT (coord.), 1996, v.I) aborda as defesas ou estratégias defensivas que o sujeito coloca entre a organização do trabalho e o seu funcionamento psíquico, sendo que, na visão do autor, são elas que o ajudam a manter a normalidade diante das dificuldades que encontra na situação do trabalho. Para não perder a participação no processo, o teletrabalhador exerce a autodefesa e, valendo-se de sua subjetividade, passa a se organizar para estar presente junto aos colegas e na empresa. Dessa forma, as relações entre o sofrimento e a organização podem se traduzir em fonte de prazer e mediador de saúde.

Os exemplos abaixo mostram como os teletrabalhadores podem estabelecer estratégias defensivas que os manterão participativos do processo, embora trabalhando à distância:

O que eu valorizava [trabalhando na empresa] era o contato com o pessoal mesmo. Gosto muito de ficar circulando. Gostava muito de, ao invés de mandar um e-mail, andar a empresa inteira até chegar no local, conversar com as pessoas e tal. Gostava de ficar circulando e conhecendo outras pessoas. Encontrar no café era o que eu achava mais legal. Ainda sinto falta disso , tanto que, pelo menos duas vezes por semana, vou à Alpha só para ficar andando, circulando. Ontem eu fui, cheguei lá pelas dez da manhã. Normalmente, vou duas vezes por semana para lá, ando a Alpha inteira, vejo o pessoal conversando, jogando conversa fora, algumas coisas relacionadas ao trabalho, mas a maioria não, só para ter este contato. Almoço com alguns deles e depois volto para casa. Então, duas vezes na semana eu faço isso. O nosso grupo é locado em São Paulo, então, quando eles estão aqui fazendo algum tipo de trabalho, apareço lá para encontrá-los. Mas é basicamente isso, eu vou para a Alpha para conversar e não para trabalhar (Aluísio). Eu diria que em casa eu consigo planejar melhor, mas duas vezes por semana eu vou ao escritório porque eu não sei o que está acontecendo; são dois dias que minha produção é muito pobre, mas eu consigo me relacionar sabendo o que está acontecendo. Esta foi a melhor solução que eu encontrei pelo fato de estar isolado (Flávio).

Na mesma linha da auto-defesa de que fala DEJOURS (in CHANLAT, 1996, v.I), Fernando, outro depoente, fala que “no início, as pessoas reclamavam da solidão”. Então passaram a se reunir uma vez por semana para jantar. Uma turma se reúne toda segunda-feira para jogar bola, tomar cerveja, conversar. Em outra unidade, há uma “confraria do chope”, quando se pode falar de tudo, até da empresa e do trabalho. Percebe-se aqui a possibilidade de se escolher entre estar só e estar junto, de forma subjetiva. A escolha é do sujeito. No trabalho tradicional, quando ele é realizado na fábrica ou no escritório, as pessoas têm de conviver com os colegas, obrigatoriamente,

num mesmo espaço, num mesmo horário. Não há escolha desse grupo secundário. Não é praxe que se participe da seleção dos colegas de trabalho. No teletrabalho, entretanto, há uma possibilidade de escolha das companhias, há alternativas. A socialização é feita de forma eletiva. Os grupos se formam qualitativamente fora do trabalho, de acordo com a preferência, com a subjetividade. Não há compromisso. Vai jogar bola quem quer, vai tomar cerveja quem gosta, de acordo com as suas preferências.

O isolamento para trabalhar pode ser necessário e até agradável, mas o indivíduo tem necessidade de conviver, de falar com as pessoas, de participar do seu grupo secundário. Se ficar em casa o tempo todo, vai faltar-lhe um espelho no qual se refletir, como diz GARCIA ROZA (apud MANZINI-COVRE, 1996, p. 97): “Em Lacan o Eu não pode ser pensado de forma unitária, nem tampouco pode ser identificado ao sujeito”.

É essa busca da alteridade, da referência no outro que se vê exemplificado no depoimento abaixo:

O que você perde [...] é o relacionamento. O fato de eu estar trabalhando com os colegas, de estar tratando de assuntos de uma forma que você faz parte do grupo. Eu quero dizer, que você troca idéias, troca sentimentos [...].

A empresa não é só o trabalho em si, a empresa é um ser político, uma unidade política que se mexe e que você tem que estar visível. Uma célula viva ali dentro, você não pode ser esquecido porque, “numa dessas”, você acaba “voando”. Você não participa, existe um procedimento formal e o informal. O informal é muito forte (Célio).

É possível perceber nos depoimentos que um certo isolamento, e o sofrimento ou mal estar que ele causa, pode ser criativo.

Para DEJOURS (in CHANLAT, 1996, v.I), de fato, o sofrimento é criativo quando o sujeito consegue elaborar soluções originais que levam à maior produção e à saúde.

MANZINI-COVRE (in AIELLO-VAISBERG (org.), 2003, p. 80), em abordagem winnicottiana, diz que o sofrimento criativo aparece quando as pessoas têm certa aproximação do seu self e conseguem elaborar o sofrimento oriundo das dificuldades “criando formas de sobrepô-las com certo equilíbrio para si e para a organização”, tornando-se, então, sujeitos.