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Capítulo 2. O Processo de Mudança para o Teletrabalho: Benefícios e Dificuldades

2.5 A estabilização do processo de mudança

Na empresa Alpha, no momento em que a experiência foi consolidada, “já fez aniversário”, as dificuldades pareceram estar superadas: “Está tranqüilo, muito tranqüilo” (Victor); “Está melhor, entrando num ritmo de estabilização. Está bem melhor” (Danilo). Mas ainda há algumas queixas por parte dos trabalhadores remotos: eles sentem que as pessoas tendem a esquecê-los, a excluí-los dos processos.

O que eu percebo hoje é que o resto da empresa não está preparado para ter pessoas trabalhando em casa, as pessoas não entendem. Se você não está lá à vista das pessoas, elas tendem a te esquecer, a te excluir dos processos; então, apesar de estarmos trabalhando em casa [...] sempre duas vezes na semana eu ia para o escritório e, dependendo do gerente, você precisa estar à vista (Rafael).

Essa sensação de estar invisível não é um sentimento geral, mas existe entre alguns dos teletrabalhadores, que reportaram a necessidade de ir à empresa para serem vistos. Esse sentimento de abandono pode ter como origem a necessidade de estar perto do poder, representado pelo gestor. Um dos aspectos apontados se relaciona à carreira e ao receio de não ser lembrado nas promoções por não estar fisicamente presente. Mas pode se referir, também, à inabilidade do gestor de acompanhar os subordinados longe de seu campo físico de visão.

empresa e que também tiveram que se adaptar à nova forma de trabalho dos seus subordinados. Queixando-se da dificuldade de comunicação inicial com os gestores, que atribuía à falta de critérios sob os novos paradigmas, um dos depoentes diz: “[Agora] os gestores diminuíram a ansiedade e a comunicação está mais controlada” (Lício).

MANOOCHEHRI e PINKERTON (2003) referem-se à necessidade de se estabelecer limites ou medidas de fiscalização/supervisão no caso do teletrabalho. Entretanto, isso poderia ser aplicável no caso de os trabalhadores não poderem trabalhar com objetivos e metas definidas, facilmente mensuráveis por parte dos gestores. Na presente pesquisa, ao contrário, pelo seu próprio nível intelectual e tipo de trabalho, especificado anteriormente, os teletrabalhadores são avaliados pelos resultados que apresentam, o que por si só se constitui em uma forma mais sutil de controle e acompanhamento. São pessoas que foram engajadas no projeto de mudança por apresentarem um comportamento adequado ao estilo da empresa.

A adaptação é um processo subjetivo e pode durar muito para alguns. Assim, um dos teletrabalhadores diz que a dele levou seis meses, porque ele era gerente e não estava acostumado a trabalhar em casa, como muitos dos consultores já faziam informalmente.

Depois que esta etapa foi ultrapassada, de você ter os problemas de infra-estrutura, de você ainda estar em adaptação, você adaptou todas as condições do escritório em casa, aí sim começam a aparecer os resultados. Porque você já programa dentro do seu dia uma agenda daquilo que você vai fazer; e já contando com o seu escritório em casa, você começa, além de programar melhor, a aproveitar melhor o seu tempo (Giovani).

Apesar do espaço de tempo não muito longo, os teletrabalhadores parecem estar dominando a nova forma de trabalho. Sentem-se mais tranqüilos, mais felizes, utilizam melhor o seu tempo, podem ficar mais com a família. Na empresa Beta, onde o trabalho remoto já é exercido há três anos e já entrou no quarto ano de prática, todos concordam em que está mais fácil, em que houve uma evolução na comunicação, colegas e clientes estão adaptados: “Por exemplo, se alguém liga para você e você não atende, ou cai na caixa postal, o cliente sabe que você não pode atender, ou seja, não há por parte do cliente a sensação de não estar sendo bem atendido” (Júlia); “Agora já faz parte da rotina, já está bem assimilado e é bom. Você conseguindo gerenciar bem a questão do tempo é muito produtivo” (Júlio); “Houve uma evolução em comunicação, a grande dificuldade é a comunicação, que tem que ser ágil” (Fernando).

Houve, portanto, um aprendizado no gerenciamento do tempo, o que poderíamos considerar uma apropriação deste pelo trabalhador, que está utilizando a sua subjetividade e a sua capacidade de se adaptar para vencer os obstáculos que vêm da própria empresa ou do ambiente externo (GASPARINI, 1996). Algumas falas dos trabalhadores confirmam essa percepção:

Eu creio que seja mais fácil gerenciar, principalmente numa cidade como São Paulo, em que você tem um grande tempo gasto no deslocamento, principalmente quando você tem um escritório, em que todo mundo tem que ir para o escritório, você perde muito tempo no deslocamento. Você gerenciando o seu tempo [...]; eu, por exemplo, tinha que visitar um cliente, eu não podia nunca sair às oito horas da manhã, pegar um trânsito, para chegar lá as dez horas. Eu acho que o seu tempo é melhor aproveitado em relação a isso (Luís).

Continua normal, não tenho problemas, eu acredito que é um sistema que está dando certo na Beta, e tem alguns pontos que futuramente terão que ser ajustados, mais na parte da infra-estrutura da telecomunicação de computador. De repente, tem um sistema de banda

larga para que você não dependa de uma rede numa base onde tenha um sistema de rede da Beta. Talvez quando conseguirem implementar um sistema de banda larga, você já consegue acessar totalmente [de casa].(André).

É tranqüilo. E acho que acostumei com este esquema. O seu chefe te liga na sexta-feira às cinco horas da tarde para pedir alguma coisa e você já está de malas prontas. Você volta, faz, porque você sabe que segunda de manhã você pode compensar e você vai se adaptando; eu acho que a gente se acostuma (Sarah).

Agora não [me sinto diferente], primeiro porque as pessoas já se adaptaram, não somente nós, funcionários, como os clientes, o pessoal de fora; afinal, são quatro anos27(sic), todo mundo já se adaptou e o pessoal já sabe, já entende (Júlia).

Outro aspecto que as falas tangenciam é o da flexibilidade, a qual se consegue através da capacidade de mudança. Para explicá-la, SENNETT (2004) utiliza a imagem da árvore que se dobra ao vento, mas cujos galhos sempre voltam à posição normal.

De fato, no teletrabalho, a flexibilidade é uma característica importante e necessária, pois as mudanças são muitas e demandam uma organização/reorganização do trabalho num novo espaço, uma forma diferente de uso do tempo, além da reformulação das inter-relações familiares. Essas mudanças se concretizam no espaço doméstico, como será abordado no próximo capítulo.