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Dificuldades com a mudança no lócus do trabalho e a superação delas por parte do teletrabalhador

Capítulo 2. O Processo de Mudança para o Teletrabalho: Benefícios e Dificuldades

2.4 Dificuldades com a mudança no lócus do trabalho e a superação delas por parte do teletrabalhador

Os trabalhadores pesquisados afirmaram que as dificuldades com a mudança do lócus do trabalho foram mínimas. Os entrevistados da empresa Alpha são engenheiros, com exceção de um, que se formou em Processamento de Dados. A metade fez engenharia elétrica, mas há no grupo engenheiros formados em telecomunicações, eletrônica, rádios, sistemas e computação. Dois deles fizeram mestrado e três cursaram pós-graduação em: finanças, redes de dados e engenharia elétrica. Embora o trabalho seja bastante variado, relaciona-se basicamente com as telecomunicações. Grande parte deles tem o cargo de consultor, cujo escopo é muito amplo -

equipamentos, sistemas, documentação das instalações, plataformas de software para clientes, serviços, etc. Dois deles trabalham com desenvolvimento de negócios. O trabalho envolve muita criatividade e, na maioria dos casos, muita pesquisa.

Na Alpha, as dificuldades encontradas no início do processo de mudança foram principalmente ligadas à infra-estrutura. Segundo a representante da área de Recursos Humanos: “A empresa deu ajuda de custo para a compra de móveis ergonomicamente corretos e uma ajuda de custo para as despesas com energia, papel higiênico, cafezinho, coisas que acabam gastando em casa e não gastavam antes”. O empregado também recebe reembolso dos gastos com idas e vindas ao escritório da empresa, assim como quando se dirige ao cliente, o que já era costumeiro, e um vale- refeição, com o objetivo de ajudar nas despesas com alimentação em casa. A empresa fornece, ainda, todo o suporte para o speedy,25 o telefone, a impressora.

Entretanto, o empregado passa a ir pessoalmente ao Correio, tanto para receber a correspondência por caixa postal, quanto para postar a correspondência que envia, o que antes era executado dentro da empresa. Também precisa reproduzir documentos, pois não conta em casa com uma máquina copiadora ou similar. No caso de um grande número de cópias, muitas vezes é necessário deslocar-se até a empresa para utilizar uma impressora a laser.

No início do processo, houve dificuldade também com a tecnologia. A implantação do projeto exigiu que os seus participantes tivessem um escritório em casa capaz de receber a tecnologia necessária ao desenvolvimento do seu trabalho. Em geral, as pessoas têm um computador pessoal, mas nem todos têm uma banda larga

25 O Speedy é um recurso disponibilizado por uma empresa de telefonia, cuja assinatura permite conexão permanente com a Internet. É a chamada banda larga.

ou uma conexão capaz de conectar seu computador, notebook ou laptop à rede da empresa para acessar as informações, arquivos e dados necessários ao trabalho. No caso da empresa Alpha, além disso, em muitos casos os trabalhadores estão ligados à rede dos clientes. Dessa forma, nos depoimentos a seguir, observa-se que os teletrabalhadores sentiram falta da infra-estrutura da empresa:

[No começo] Eu vinha umas duas ou três vezes aqui no escritório, carregando o laptop para lá e para cá, ficava outro dia em casa. Depois que estava tudo acertado, com uma infraestrutura em casa certinha com conexão, etc. eu já não sentia necessidade de vir para cá [escritório], foi tranqüilo (Juliano).

Você tinha que adaptar com algumas coisas que você já tinha em casa. Essa foi a principal dificuldade, o tempo para você fazer a aquisição de mobiliário, de você conseguir ter aparelhos de informática, impressora, um fax, uma linha de telefone, as coisas que você precisava, isso demorou um pouco (Giovani).

A parte mais complicada no início [...] era montar uma infra-estrutura, porque a mesma infra-estrutura que você tem numa empresa você tem que ter em casa. No início, como não existia essa parte de você ter os mobiliários, as conexões, a comunicação então foi um pouco tumultuada nos primeiros três meses (Giovani).

A primeira dificuldade foi referente à logística de conectar as coisas e colocar para funcionar, mas foi rapidinho. Havia entre nós, os participantes, a preocupação com a questão do Speedy, ficamos muito tempo com esta questão, a gente usa muito este tipo de recurso, [demorou] de janeiro a maio para ter as coisas em ordem (Victor).

Vários dos participantes exerciam o seu trabalho no cliente, que muitas vezes localiza-se em outra cidade. Dessa forma, o impacto da implementação do trabalho remoto foi pequeno, embora tenha exigido, como aos outros, a instalação em casa de infra-estrutura capaz de servir de apoio.

O processo foi normal, me impactou muito pouco, porque eu participei desde o começo e realmente não me influenciou muito, porque foi só mudar o meu corpo para cá e continuar com o que estava fazendo (Flávio).

Contudo, alguns relataram dificuldades de outra natureza. São, de fato, percepções que variam de acordo com a subjetividade de cada um e com as características da família:

Olha, eu senti que a família estranhou muito. Antes era uma maneira informal, eu ficava às vezes, mas era mais no final de semana que eu ficava trabalhando. Agora, ficando em casa em dias normais, os meus meninos, quando chegavam, achavam estranho me ver em casa. Acho que não deu tempo suficiente para eles acostumarem. Isso aconteceu em fevereiro, eu fiquei uns dias e logo depois começou o projeto com a [nome de cliente], eu comecei a sair mais, às vezes tinha conferências, eu preferia vir para a Alpha assistir às conferências do projeto do que ficar em casa. Até pela facilidade da conferência mesmo (Eduardo).

De fato, a novidade exigiu uma adaptação tanto do trabalhador como de sua família, pois ocasionou mudança de hábitos e exercício de disciplina. Contudo, parece se tratar de uma adaptação positiva, que levou a uma melhor qualidade de vida (well- being) pela maior convivência com a família e pela vivência mais plena que a alteridade parece trazer a quem trabalha em casa. São exemplos disso os depoimentos a seguir:

No início, eu acho que foi uma fase de adaptação tanto para mim como para a minha família, onde eu tinha que me disciplinar mais por causa do horário. Agora, estou no meu horário de trabalho, minha filha está na escola, não tenho nenhuma interrupção, então posso trabalhar direto. Na parte da manhã, ela está em casa; antes, era diferente, ela ficava o dia todo e agora ela entra somente à tarde, então, de uma certa forma, existe uma cobrança dela para que eu lhe dê atenção. Estou no telefone, às vezes ela entra no escritório querendo falar comigo. Por mais que a gente converse, não adianta, ela quer participar do meu trabalho também (Lucas).

No início, era quase como se eu estivesse indo para o escritório, continuando aquela rotina de acordar, tomar café e escritório no horário mais ou menos igual ao do escritório. Depois, você começa a flexibilizar e a ver os benefícios de ter um horário mais flexível. No início eu senti, não senti tanto porque eu já estava com aquele hábito de horário, mas depois você começa a gerenciar mais o seu tempo e a ver o que dá para compensar (Juliano).

A mudança, o novo, o desconhecido geram expectativas. É de se notar na fala de um dos depoentes que a mudança atinge não só aqueles que foram diretamente envolvidos. No caso da empresa Alpha, em que apenas um grupo foi escolhido para trabalhar remotamente, essa alteração na forma de trabalho atingiu também as pessoas que permaneceram no status quo vigente. Aqueles que não foram “beneficiados” pela medida podem interpretar isso como um privilégio, que beneficia algumas pessoas e não outras: “tem pessoas que falam: Que vida boa!” (Rafael).

[...] como pessoa eu não senti nenhuma diferença, eu fiquei um pouco apreensivo, porque o resto da empresa não dava muita importância se eu estava em casa ou não, ninguém sabia, ninguém falava nada [antes da formalização]. Agora não, agora as pessoas sabem que tem um grupo que trabalha em casa. A aceitação disso varia muito, tem pessoas que acham legal, tem pessoas que falam “que vida boa, só ficam em casa!”. Existe esta dupla interpretação (Rafael).

“Homem algum é uma ilha” é o título do livro de MERTON (2003). Em razão disso, a opinião dos outros, dos colegas, incomoda aqueles que estão fazendo diferente, que não seguem o mesmo padrão, que não têm de marcar o ponto, chegar às 8h00 e sair às 17h00. Percebe-se aí um outro modelo mental26 que foi introjetado pelas pessoas, através do processo de industrialização e que se relaciona com o espaço

26 Modelos mentais são idéias, generalizações, ou imagens cristalizadas nas mentes das pessoas e que influenciam o seu modo de encarar o mundo e, conseqüentemente, as suas atitudes (Senge, 1990).

físico onde o trabalho deve ser exercido. E esse espaço físico é tradicionalmente a fábrica ou o escritório. É um lugar aonde ir para se trabalhar. O teletrabalho, a partir da possibilidade técnica de se trabalhar em qualquer lugar, através dos aparatos tecnológicos, coloca esse conceito em questão, contribuindo para a desestruturação do espaço produtivo (DE MASI, 2000). Entretanto, esse modelo mental não foi ainda substituído e levará algum tempo para que as pessoas se apercebam dessa mudança e substituam um modelo pelo outro. Isso está presente na fala que se segue, que serve para exemplificar o que foi dito acima:

Antes as pessoas não estavam nem aí, simplesmente não tomavam conhecimento [do trabalho remoto não oficial]. É aquela situação: “o que os olhos não vêem o coração não sente”. Enquanto ninguém está sabendo, tudo funciona, mas a partir do momento que as pessoas sabem que você está em casa, parece que dá uma conotação diferente. Tem pessoas que se sentem injustiçadas por conta desta situação, então no começo eu senti uma certa expectativa (Eduardo).

Na empresa Beta, todos os entrevistados têm curso superior, a maioria em engenharia, havendo também dois administradores de empresa e um matemático. Um deles tem pós em Comunicação e Marketing. Dois deles são gerentes, mas a maior parte tem o cargo de consultor de negócios. Esse cargo não se confunde com o de vendedor. Envolve entender o processo do cliente, encontrar brechas e oportunidades voltadas para a necessidade deste, além do acompanhamento da parte administrativa, envolvendo todo o processo de vendas.

Os teletrabalhadores da empresa Beta não viram problema com a infra-estrutura, exceto um deles, que diz:

A princípio, foi um choque, porque estava acostumado a trabalhar no escritório, ter as coisas à mão. Correio, por exemplo [...] tem uma caixa postal no correio, que eu vou e retiro a correspondência na Caixa Postal, é uma mudança de cultura e com o tempo você se adapta [...] Você começa a aproveitar o tempo melhor (Marcelo).

A maior dificuldade dos teletrabalhadores da empresa Beta se referiu ao isolamento a que se viram relegados. De forma subjetiva, procuraram resolver esse problema buscando apoio nas áreas do escritório ou com o pessoal que liderava o processo de mudança. Um dos entrevistados procurou maior contato com os demais membros da equipe. Uma teletrabalhadora do grupo, que esteve afastada por licença maternidade, resolveu as dificuldades iniciais do processo de mudança com os próprios colegas de trabalho, trocando experiência e idéias com eles. Entretanto, um deles achou difícil entrar na empresa diretamente no processo de home office: “você conhece somente as pessoas por telefone e acho que acaba dificultando um pouco mais”. Ele resolveu o problema informalmente, dando retorno aos gestores, inclusive através da pesquisa interna sobre satisfação.

Um dos depoentes da Beta, assim como observamos na empresa Alpha, considerou a proposta de teletrabalho muito boa, pois implicava em: liberdade maior para trabalhar, maior qualidade de vida, independência maior, autonomia, iniciativa. Entretanto, sentia-se solitário e advertiu: “Faz falta o espírito de equipe” (Fernando).

De fato, alguns outros teletrabalhadores também falaram sobre a perda do convívio com as pessoas: “o que a gente estranha é [a falta de] o contato e convívio com as outras áreas da companhia” (Aluísio); “não ter com quem falar, com quem se atualizar” (Júlia); e sentir-se sozinho (Júlio). Sarah é estagiária e diz que, trabalhando em casa, deixa de aprender muito: “Um dia que eu passo com meu gerente aqui é

muito melhor do que semanas em que eu fico sozinha”. O aspecto do isolamento no teletrabalho será retomado no capítulo III.