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Capítulo 2. O Processo de Mudança para o Teletrabalho: Benefícios e Dificuldades

2.2 O trabalhador diante da proposta de mudança

No que diz respeito ao controle exercido pela grande empresa sobre os funcionários, os atores do presente estudo parecem ter tido certa autonomia quando aceitaram participar do projeto piloto, que poderá levá-los, inclusive, a constituir um benchmark, um modelo para outras organizações que se disponham a implantar o trabalho remoto no Brasil, quem sabe na América Latina. Há dificuldades, sim, como as ligadas à tecnologia, especialmente em relação ao acesso rápido às informações necessárias para a boa condução do trabalho de cada um. Mas os atores desse processo não o sentiram como uma imposição.

Sendo assim, nenhum dos trabalhadores da empresa Alpha considerou a mudança como uma imposição da empresa, como se vê dos exemplos abaixo:

Sempre houve a questão da escolha desde o início, se você queria entrar no programa ou não. [...] De um outro lado, para o nosso grupo que foi selecionado, caiu como uma luva, tinha tudo a ver com a gente, todos nós pensamos assim (Lucas).

Para um dos depoentes que morava em outra cidade, a mudança contribuiu para que conciliasse o desejo de estar perto da família e a possibilidade de continuar na empresa. Ele assim se expressa em relação à nova situação:

Fui agraciado com isso. Para mim foi muito bom, porque eu trabalhava em Campinas e já há dez anos que estou fora de [cidade onde mora com a família]; as minhas filhas estão crescendo e eu queria ficar mais perto delas e da família (Danilo).

Esse é um dos aspectos interessantes do teletrabalho: a possibilidade de o trabalhador viver com a família e aí mesmo trabalhar, embora a empresa esteja em

local diferente, às vezes a muitos quilômetros de distância, como é o caso de Danilo, para quem a oportunidade de trabalhar em casa reforçou a sua opção de permanecer na empresa, já que seu desejo era estar perto da família. Isso confirma a idéia de que o teletrabalho pode ser um forte apelo de retenção de trabalhadores pela organização, especialmente no caso de trabalhadores especializados.

Já na empresa Beta, a mudança do local de trabalho ocorreu de maneira diferente da efetuada pela empresa Alpha. Houve mudança na sistemática, com fechamento de escritórios regionais em todo o território nacional. Dessa forma, para o pessoal da área comercial, deixou de haver uma opção de trabalho diferente do trabalho remoto. Os depoimentos mostram que a maior parte desses trabalhadores foi contratada já na nova sistemática, e compreenderam-na como parte do cargo. Os demais a aceitaram como uma opção de mudança da sistemática por parte da empresa. Mas um gestor disse que o teletrabalho pode retardar a socialização na empresa, já que os contatos são realmente virtuais para aqueles que entram na empresa diretamente nessa forma de trabalho:

Quando você recruta um funcionário, talvez esta seja a maior dificuldade, a de você transmitir a cultura da empresa, por ele trabalhar como home office, em você trazer ele integralmente no inicio de um trabalho para uma cultura e integrá-lo dentro de uma cultura e dentro de uma empresa como um todo e não somente na área dele (Luís).

De fato, MANOOCHEHRI e PINKERTON (2003) dizem que, nessa situação, deixam de existir as interações face a face e as sessões de integração que passam aos novatos as normas, os valores e as crenças da companhia.

o “batismo” (ibidem, p. 84), mas o “catecismo” (ibidem.) poderá ser passado através dos meios de comunicação da empresa. De fato, a maioria dos entrevistados das duas empresas não vê problema nas comunicações. A Intranet parece ser a maior fonte de informações. O e-mail substitui a comunicação face a face e é muito utilizado para passar as informações que as empresas querem fazer chegar aos seus empregados, valendo também para as comunicações dos empregados para a empresa. “[...] tudo a gente recebe por e-mail, é muito ágil, tudo o que acontece eles informam, por e-mail, por carta. A gente não fica por fora por estar trabalhando em home office (Julia)”.

Na empresa Alpha, há reuniões semanais e na Beta reuniões bimestrais, que duram mais de um dia e servem para que o gestor possa fazer comunicações de cunho oficial, assim como interagir com os seus subordinados. Em ambas as empresas, há também reuniões mais amplas envolvendo outros setores. A teleconferência é muito utilizada na comunicação em grupo, especialmente na troca de informações e solução de problemas ligados ao trabalho em si. A comunicação informal fica por conta dos e- mails e do celular, que parecem substituir a “hora do cafezinho”, lembrada por parte dos entrevistados como um instrumento de comunicação informal no espaço da empresa. Além disso, a socialização poderá ser feita através das reuniões periódicas e dos encontros sociais, como churrascos e chopes ocasionais.

Não seria, por si só, uma mudança de cultura essa forma de se comunicar por celular e por e-mail? É assim que a juventude se comunica atualmente entre si e com os pais. É possível que se esteja testemunhando, então, o aparecimento de novos valores, que não estão ainda explicitados. Aliás, a Beta considera a mudança cultural dos empregados como um dos objetivos na implantação do teletrabalho, como explica representante da empresa, o que envolve o incentivo ao uso da Internet como forma de

interação e de comunicação. É de se indagar se isso diminui a capacidade manipulativa da organização ou se as novas formas de interação permitem que ela continue a ser a fonte valorativa em que vão beber os seus empregados.