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CAPÍTULO 1: O CONTEXTO DA VILA DE DEIR EL-MEDINA

1.6 A Organização dos Trabalhadores e o Trabalho Durante a XIX Dinastia

Durante a XIX Dinastia, além das alterações espaciais, ocorreram outras mudanças, ligadas à organização como um todo. Uma delas está relacionada ao título conferido aos trabalhadores, que a partir do período Raméssida era sDm-as n st mAat, em egípcio

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69, que significa “Servos do Lugar da Verdade”. Coletivamente estes trabalhadores eram chamados de tA ist n pA xr, grafado

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70, que significa “Equipe, ou Tropa da Tumba”. Ziegler comenta

um interessante aspecto sobre este último título, que é derivado do vocabulário náutico71. Como ocorria nas embarcações, na vila os homens eram divididos em dois grupos, que

ocupavam o lado esquerdo (bombordo) – tA ryt smHt, em egípcio

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72– e o lado direito (estibordo) – tA ryt imntt, grafado

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73 – a partir da via central.

Os responsáveis pela organização dos trabalhos no topo da hierarquia eram chamados de rwDw n pA xr , em egípcio

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74, ou “controladores da tumba”.

Dois funcionários encabeçavam este grupo. O primeiro, subordinado ao vizir, tinha como título sXAw n Taty 75, em egípcio

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, cuja tradução é “secretário do vizir”. Já o

segundo recebia o título de sXAw n imy-r pr-HD n pr-aA 76, em egípcio

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, que

significa “secretário do superintendente do tesouro do faraó”. Integrando o grupo dos controladores estavam os Hwtyw n pA xr ou “capitães da tumba”, em egípcio,

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77, que se subdividiam em quatro funções.

Dois profissionais tinham o mesmo título aA n ist, ou “chefe dos trabalhadores”, em egípcio

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!w 78, e seriam nomeados pelo rei, embora na prática a tarefa coubesse ao

69 CERNY, J. A Community of Workmen at Thebes in the Ramesside Period. Le Caire: Institut Français

d’Archéologie Orientale, 2001. p. 50.

70 Ibidem. p. 99.

71 ZIEGLER, C. op. cit.. p. 31. 72 CERNY, J. op. cit. p. 101. 73 Ibidem. p. 101.

74 Ibidem. p. 49.

75 JUNGE, F. Late Egyptian Grammar: an introduction. Oxford: Griffith Institute Publications, 2005. p. 301. 76 Ibidem. p. 301.

77 CERNY, J. op. cit. p. 231. 78 Ibidem. p. 121.

vizir79. Cada um deles tinha o controle sobre uma das equipes de trabalhadores que redidiam no lado esquerdo ou no lado direito da vila. Este tipo de divisão administrativa evitaria qualquer tentativa de concentração de poder. Embora esta fosse a posição oficial, sabemos, por meio dos documentos, que disputas internas ocorriam.

Junto a eles trabalhava o sXAw n pA xr 80, em egípcio

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, que

podemos traduzir como “secretário da admintração da tumba” ou, segundo outras denominações ainda como “escriba da tumba”. Durante a XIX dinastia este cargo provavelmente seria conferido a um único indivíduo, mas outros escribas que residiam na vila também se intitulavam “escriba da tumba”81. O título de escriba também era utilizado por desenhistas e outros trabalhadores, fato que confirma que a atividade não estava ligada a uma categoria, mas a indivíduos que dominavam a escrita. Já durante a XX dinastia, notadamente após o reinado de Ramsés III, a administração do Estado reconheceu dois escribas oficiais para cada um dos lados da vila. Entre suas atividades estavam o registro dos trabalhos executados, o apontamento da ausência dos artesãos em suas atividades na construção da tumba, a remoção e o uso de materiais fornecidos pelos depósitos reais, e os pagamentos dos trabalhadores. Junto a estes escribas estava o Hry sXAw-qdwt, em egípcio

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82, ou “chefe dos desenhistas” que fechava o círculos dos capitães da tumba.

Na administração menor estavam os idnw n tA ist, em egípcio

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cuja tradução é “capataz da tropa”, em número de dois, que serviam a ambos os lados da vila e que respondiam ao chefe dos trabalhadores. Muitas vezes havia um grau de parentesco entre eles, comumente pai e filho. Estes profissionais eram os responsáveis pelos trabalhos na vila e formavam uma ponte entre o Estado e os trabalhadores. Eles recebiam os suprimentos, encarregavam-se do envio de mensagens, entre outras atividades. Eventualmente, poderiam até mesmo agir como magistrados no tribunal local, ou servir de testemunhas em algum julgamento. Ao mesmo tempo em que a posição era de responsabilidade, há documentos que mostram que muitos deles utilizaram os respectivos cargos em proveito próprio. A autoridade de alguns serviu para que trabalhadores fossem obrigados a realizar tarefas, tais como a construção de suas tumbas, sem nenhuma contribuição, ou mesmo a realização de algum trabalho externo pelo qual as autoridades ficavam com a maior parte do pagamento.

79 LESKO, L. H. (ed.) op. cit. p 18. 80 JUNGE, F. op. cit. p. 301. 81 BIERBRIER, M, op. cit. p. 32. 82 CERNY, J. op. cit. p. 236. 83 Ibidem. p. 44.

Próximo a um dos capatazes estava o Saw(ty) ou “guardião”, em egípcio

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84, também denominado “guardião da tumba” nos documentos, que era uma espécie de assistente cuja função era única. A ele cabia a responsabilidade pelo controle dos depósitos onde eram guardados os materiais para as construções utilizados pelos trabalhadores, como as ferramentas de cobre, diferentes tipos de óleos, de gordura, os tecidos para os pavios, os pigmentos, entre outros materiais. A proteção destes depósitos era assegurada por um ou dois guardas que seguiam as ordens dos capatazes e dos escribas85. O iry-aA, em egípcio

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86, ou “porteiro”, que poderia tornar-se um “guardião”, se reportava diretamente ao secretário da aministração ou escriba da tumba, ou ao chefe dos desenhistas. Eram comuns dois, um para cada lado da vila, mas um terceiro porteiro parece ter existido no reinado do faraó Ramsés II87. Sua atividade estava diretamente relacionada à proteção da tumba real, mas também atuavam na organização dos suprimentos de comida e também na coleta de impostos. Os responsáveis por toda a ordem e pela proteção da vila eram os mDAw n pA xr, em egípcio

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88, termo que podemos traduzir como “polícia da tumba”, e

que ficavam sob o controle do Prefeito de Tebas Oeste.

Dentre todos estes cargos os que realizavam a maior parte dos trabalhos nas tumbas eram os rmT ist n st mAat, em egípcio

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89, os “homens da

tropa do Lugar da Verdade”. Durante o início do reinado de Ramsés II (c.1290-1224 a.C.) quarenta e dois homens integravam a tropa, mas ao final do período o número foi reduzido para trinta e dois. Esta alteração numérica está provavelmente relacionada à finalização dos trabalhos na tumba real, que dispensavam alguns dos trabalhadores. Ao mesmo tempo podemos pensar que os trabalhadores restantes ocupavam-se das construções das tumbas de membros da família real. Em se tratando da manutenção do número de trabalhadores, casos como os de morte ou de transferências, sendo de caráter permanente ou temporário, deveriam trazer transtornos às famílias. Embora a força de trabalho fosse hereditária, muitos trabalhadores externos poderiam ser admitidos na vila. No caso de famílias muito extensas, porém, os filhos poderiam sair em busca de trabalho em outras localidades.

84 Ibidem. p. 44.

85 BIERBRIER, M, op. cit. p. 38. 86 CERNY, J. op. cit. p. 44. 87 BIERBRIER, M, op. cit. p. 39. 88 CERNY, J. op. cit. p. 261. 89 Ibidem. p. 45.

Estes construtores de tumbas eram supridos por um grande números de profissionais que eram denominados smdt pA xr ou “pessoal de suporte da tumba”, em egípcio

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90, que eram eram direcionados pela administração central e estavam

subordinados ao escriba da tumba. Sua função era assegurar certas provisões e realizar tarefas para os trabalhadores. Entre os seus títulos, reconhecemos facilmente os in-mw, em egípcio

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91 – “carregadores de água”; os kAry, em egípcio

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“jardineiros”; os wHa, em egípcio \:

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93 – “pescadores”; os Sad-xt, em egípcio

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94 – “carpinteiros” (literalmente “cortadores de madeira”); os nty Hr ir qD, em

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95 – “estucadores”; os rxtyw, em egípcio

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!w 96 – “lavadores”, os qd, em egípcio

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!w 97 – “ceramistas” e as Hmt, em egípcio

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98 – serviçais. A maior parte destes profissionais não vivia em Deir el-Medina, mas na área fértil próxima ao rio Nilo, de onde obtinham matérias primas para seus trabalhos. Os trabalhadores também utilizavam a mão de obra feminina, pois mulheres escravas eram direcionadas para um dos lados da vila e ocupavam-se da moagem da farinha e outros afazeres domésticos.

Todos este cargos podem ser compreendidos a partir de um organograma, exposto abaixo na figura 11, que revela a ligação existente entre os “controladores da tumba”, os “capitães da tumba” e todos os demais cargos que compunham a administração da construção das tumbas no Vale dos Reis.

Em Deir el-Medina viviam também as esposas e filhos dos trabalhadores. As mulheres tinham uma existência muito semelhante entre as paredes isoladas da comunidade, mas as casas, embora fossem pequenas, eram confortáveis, tendo em vista suas plantas e o mobiliário funerário encontrado nas tumbas da necrópole. Muitas possuíam títulos ligados a cargos religiosos, tais como os de “sacerdotisa” (notadamente da categoria wAbt, em egípcio

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99, que podemos traduzir como “pura”) e de “cantoras” (Smayt, em egípcio

90 Ibidem. p. 183.

91 LESKO, L. H. (Ed.) A dictionary of late Egyptian. Providence: B.C. Scribe Publications, v. I, 1982, p. 36. 92 LESKO, L. H. (Ed.) A dictionary of late Egyptian. Providence: B.C. Scribe Publications, v. IV, 1989, p. 35. 93 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1982, p. 124.

94 LESKO, L. H. (Ed.) A dictionary of late Egyptian. Providence: B.C. Scribe Publications, v. III, 1987, p. 139. 95 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1989, p. 27.

96 LESKO, L. H. (Ed.) A dictionary of late Egyptian. Providence: B.C. Scribe Publications, v. II, 1984, p. 69. 97 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1989, p. 25.

98 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1984, p. 111. 99 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1982, p. 108.

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100, e também Hst, em egípcio

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101) de santuários ligados a Amon-

Ra, Mut e Háthor, que existiam nas proximidades da vila. As senhoras casadas possuíam o título de nbt-pr, em egípcio

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102, ou “dona de casa”. Os meninos, ainda jovens, auxiliavam aos pais servindo como mensageiros. Embora fossem conhecidos como “crianças da tumba”, os pequenos não eram uma força de trabalho. Muitos, que não seguiam as atividades desenvolvidas pelos seus pais, acabavam deixando o local para seguir carreiras externas, muitas vezes com atividades completamente diferentes daquelas realizadas na vila103.

Figura 11 – Organograma da administração dos trabalhos na vila de Deir el-Medina. Modificado a partir de um modelo prévio na obra de JUNGE, F. Late Egyptian grammar. Oxford: Griffith Institute, 2005, p. 300.

100 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1987, p. 151. 101 LESKO, L. H. (Ed.). op. cit. 1984, p. 139. 102 Ibidem. p. 14.

Toda a comunidade era mantida pelos pagamentos que eram autorizados pelo vizir, por meio dos bens do tesouro real, em espécie. Já os suprimentos eram fornecidos pelos depósitos que ficavam nos templos próximos e serviam a todos os trabalhadores. As quantidades variavam conforme o status e a ocupação e pagamentos extras eram providenciados em dias festivos. As provisões do governo não eram a única fonte de renda da comunidade, pois trabalhos extras eram feitos sob encomenda nos dias de descanso. Este fato pode ser comprovado pela escala de trabalho das equipes da direita e da esquerda da vila. Durante dez dias um grupo permanecia no Vale dos Reis, abrigado em cabanas temporárias, realizando sua atividade oficial, enquanto o outro estava em Deir el-Medina. Nos dez dias seguintes, que constituíam uma semana egípcia, os grupos trocavam de lugar, e assim ocorria sucessivamente.

Os trabalhos encomendados aos artesãos de Deir el-Medina iam desde a confecção e decoração de ataúdes e outros bens funerários até a decoração de tumbas, dentro e fora da cidade. A egiptóloga Kathlyn Cooney afirma que, ao contrário do que concluiu Romer, os trabalhadores da vila decoravam tumbas dentro e fora da cidade. Sua pesquisa foca a especialização do trabalho e os fundamentos econômicos da produção de tumbas privadas durante o Reino Novo no Oeste de Tebas, especialmente durante o Período Raméssida, buscando os valores que eram pagos aos artesãos para a pintura destas tumbas104. Por meio da análise de recibos, cartas e listas de serviços, ela aponta que os operários recebiam um pagamento pelo trabalho extra, que era executado tanto a pedido dos próprios companheiros quanto de pessoas não associadas à vila. Este estudo contribui para desmistificar a antiga ideia, que se encontrava consolidada, de que os artesãos e os demais trabalhadores residentes na vila de Deir el-Medina estavam exclusivamente a serviço do faraó reinante. A análise da documentação mostra que existia uma dinâmica social e econômica na vila muito maior do que a que se imaginava. Os artesãos e outros trabalhadores, além dos serviços realizados na tumba régia, tinham outras atividades, que variavam em quantidade e valor dependendo da prosperidade de um reinado. Alguns possuíam parcelas de terra e cabeças de gado.

Há poucos textos, no entanto, sobre o setor de construção de tumbas privadas que mencionam a decoração dos túmulos com preços pagos pelo serviço. Um destes documentos é um recibo que mostra o valor pago ao artesão Pa-ra-hotep por um homem chamado Amenem- diy-raneb para a decoração de seu túmulo. O texto presente no verso do ostracon Ashmolean HO 183 fala sobre o pagamento para a decoração de uma tumba (m)aHat . A pintura de uma

área específica, correspondente a 100 dni, equivale ao preço de 4 dbn de prata, ou 240-300

dbn de cobre, dependendo da razão de conversão entre a prata e o cobre. O comprador dos serviços, Amenem-diy-raneb, não possuía título de artesão, e provavelmente era um morador de Tebas não associado a Deir el-Medina105.

Outra egiptóloga que analisou esta questão foi Cathleen Keller, cujos estudos se concentraram na vila dos construtores de tumbas e, especialmente, em seus aspectos artísticos e linguísticos. Partindo de grafitos que relacionam a decoração de duas tumbas tebanas, a TT65 e a TT113, aos artesãos da vila, ela avaliou a iconografia de tais tumbas e demonstrou que existem similaridades entre a sua decoração e as pinturas encontradas em Deir el-Medina. Assim, a utilização simultânea de fontes escritas e iconográficas comprovou que as duas tumbas foram decoradas pelos artesãos da vila106.

A maioria dos egípcios, no entanto, era enterrada em câmaras funerárias sem decoração e sem conexão com uma capela de tumba. Em Deir el-Medina, por exemplo, conforme os dados apresentados por Cooney, das 454 tumbas presentes nas necrópoles, apenas 54 (cerca de 12%) têm a capela ou a câmara funerária decoradas. Esta decoração era feita, conforme nos confirmam algumas fontes escritas, pelos próprios trabalhadores da vila. Devido aos altos custos para a decoração de uma tumba, porém, apenas as pessoas que viveram durante o período Raméssida com mais altos cargos em Deir el-Medina podiam se dar ao luxo de ter as paredes de seu túmulo decoradas. Para a maioria dos trabalhadores, este custo correspondia a cerca de 20 meses de trabalho –ou a uma média de 30 dbn107.

Devido a estes altos custos, os pedidos mais frequentes dizem respeito a diferentes bens funerários, tais como ataúdes antropóides e caixas de madeira. Ao serem relacionados numericamente os serviços, constata-se que os pedidos de bens funerários são 50 vezes mais frequentes do que aqueles para a decoração de tumbas. Documentos também mostram que os trabalhadores recebiam pagamento tanto para a confecção quanto para a decoração de ataúdes e outros bens funerários. Ao que parece, no entanto, conforme listas encontradas em oficinas, as diferentes etapas do trabalho eram executadas por pessoas distintas108. Os mesmos textos mostram que os homens trocavam trabalho entre si. Por exemplo, enquanto um artesão confeccionava uma peça de madeira para seu vizinho, este último pintava outro objeto em troca deste serviço. Os oficiais de mais alto cargo, no entanto, trocavam trabalho por

105 Ibidem. p. 88.

106 Apud COONEY, K. M. op. cit. p. 87. 107 COONEY, K. M. op. cit. p. 91. 108 Ibidem. p. 106-107.

mercadorias e, desta forma, poderiam resolver desde um simples problema cotidiano para a casa, ou que estivesse relacionado a sua tumba, como a encomenda de um objeto funerário.

Apesar dos dados existentes, que comprovam que os habitantes de Deir el-Medina realizavam serviços extras para pessoas de dentro e de fora da vila, não foram encontrados documentos que mencionem aspectos da organização dos trabalhadores para os serviços no setor privado109. Há, no entanto, algumas informações. Um ostracon (Ostracon Cairo 25243) encontrado na tumba de Ramsés IX (KV6), por exemplo, sugere que algumas vezes a equipe de construtores trabalhou na elaboração de tumbas privadas como um grupo. Na linha 8 do texto presente no recto do documento, podemos ler: “Dia 14, cortando a tumba do grande sacerdote”110. Tal texto sugere, também, que os serviços nas tumbas tebanas fora da vila de Deir el-Medina eram executados ao mesmo tempo que o trabalho na tumba régia. É difícil dizer se o trabalho nas tumbas privadas era ou não um tipo de exploração, pois nos relatórios de atividades na tumba régia, quando aparecem serviços privados, estes não estão acompanhados por valores. A documentação existente, porém, sugere que os artesãos recebiam uma recompensa adicional por seu trabalho no setor privado.

O que é intrigante é que nenhum dos documentos encontrados até o momento na vila de Deir el-Medina trata dos custos para o trabalho de escavação, ou seja, para “cortar” a rocha calcária a fim de criar poços e câmaras. Estas são claramente as tarefas mais pesadas. Não há, também, títulos relacionados a este serviço entre as informações escritas provenientes da vila. É evidente, no entanto, que os artesãos de Deir el-Medina cortavam a rocha para a construção das tumbas reais, mas no setor privado eram valorizados numa outra especialidade: a pintura das tumbas. O fato de decorarem a tumba real deveria fazer dos artesãos de Deir el-Medina os mais procurados por toda a elite egípcia, e não apenas pela tebana.

As tumbas construídas pelos artesãos de Deir el-Medina, assim como muitos dos materiais que foram produzidos por eles e que acabaram reunidos no contexto funerário, apresentam muitas informações sobre as alterações nas ideias sobre a morte e a vida além- túmulo, principalmente no decorrer da XVIII e da XIX dinastias. No capítulo que se seguirá nos ocuparemos em mostrar a localização das necrópoles com a distribuição das tumbas reais e privadas, o seu processo de construção e as modificações arquitetônicas e simbólicas que ocorreram ao longo do Reino Novo. Também trataremos de assinalar o estudo que realizamos especificamente em algumas tumbas de Deir el-Medina, que corroboram a hipótese de pesquisa proposta para o capítulo.

109 Ibidem. p. 101. 110 Ibidem. p. 102.