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II. ADOECIMENTO PROFISSIONAL: ESTUDO DE CASO DA

2.1 O mundo do trabalho

2.1.2 A Organização escola

A percepção da história e fragmentação do trabalho é fundamental para o entendimento da organização da escola. Da mesma forma que o trabalhador da fábrica deixou de deter os meios de produção, o professor passou a ter suas tarefas controladas e (re)direcionadas por índices das diversas avalições sistêmicas, perdendo, assim parte da autonomia do processo de ensino aprendizagem.

A partir da década de 1980, novos processos de trabalho emergiram decursivos de outros processos produtivos29 substituindo a produção em série e de massa, pela flexibilização da produção. Novas formas de produção são utilizadas para atender à lógica do mercado, e consequentemente novos modelos de gestão são empregados (ANTUNES, 1994).

A gestão participativa e a busca pela qualidade total são exemplos dos novos modelos de gestão, difundidos em diversos países, inclusive no Brasil, que se

29 “O fordismo e o taylorismo já não são os únicos e mesclam-se com outros processos produtivos (neo-fordismo,

neo-taylorismo, pós-fordismo) decorrentes das experiências da „terceira Itália‟, na Suécia [...], do vale do Silício, nos EUA, em regiões da Alemanha, sendo em alguns casos até substituídos, como a experiência japonesa a partir do toyotismo permite constatar” (ANTUNES, 1994, p. 2).

desdobraram também nas escolas, repercutindo em transformações na gestão escolar e no trabalho docente.

A instituição da Caixa Escolar, criada pela Lei nº 3.726, de 20 de março de 1984, do município de Belo Horizonte, com a finalidade de possibilitar o envolvimento dos pais dos estudantes e da comunidade na definição de prioridades de promoção ao educando e na conservação e manutenção do prédio escolar, além de fortalecer a participação social, a autonomia e a autogestão da escola, para a melhoria da qualidade da educação, constitui exemplo significativo da aplicabilidade dos novos modelos de gestão na organização escola.

Todavia, faz-se necessário entender o comportamento organizacional, para a análise da organização escola, pois entendê-lo significa compreender os indivíduos, os grupos nas organizações e suas implicações sobre o desempenho de toda a estrutura. É, também, perceber as características humanas na diversidade da força de trabalho. Enfim, comportamento organizacional é o estudo de indivíduos e grupos em organizações, além de ser um conhecimento que se aplica a todos os ambientes de trabalho, de si mesmo e dos outros (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 2003).

Motta (2001) afirma que as condições sociais, econômicas e políticas influenciam o modo de análise e a concepção das organizações, do trabalho e da produção. Novas ideias e valores são agregados aos conceitos existentes e, hoje, concebem as empresas como organismos dentro de um ambiente que influencia e recebe influências mútuas.

É com base na percepção do ambiente e do trabalho que as pessoas transformam as informações em respostas. Suas ações são baseadas nas impressões sobre si, sobre o outro, e sobre as experiências vividas (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 2003).

Como todas as organizações, a escola constitui-se em um sistema aberto (Figura 7) que imprime sua marca na comunidade, na qual se encontra, transformando-a, ao cumprir seu papel na sociedade. Por outro lado, a escola tem sua estrutura redesenhada, ao sofrer com os impactos das transformações sociais, políticas, tecnológicas, econômicas, ecológicas, demográficas, legais entre outras. Por mais que a escola seja afetada em sua estrutura organizacional, pelas tendências atuais, ela continua mantendo seu papel de instituição responsável pela democratização da sociedade (LIBÂNEO, 2004).

Figura 7 - Análise ambiental da organização escola

Assim, se ocorre uma mudança no ambiente, a escola ajusta sua estrutura para adequar suas condições organizacionais às ambientais, de forma a obter unidade de esforços e coordenar suas ações à consecução de seu objetivo: promover uma educação pública de qualidade e equânime na comunidade na qual se encontra.

Contudo, a percepção da organização escola foi negligenciada por um longo período, pois, a escola foi tida como um ambiente à parte da sociedade e, como ambiente à parte, no seu interior, não enquadrava as modificações do sistema no qual se encontrava.

Por essas razões, tradicionalmente, a ação da direção de uma escola centraliza-se em dirigir e controlar o trabalho dos outros e, muitas vezes, cuidar da disciplina de alunos. Essas ações fazem com que os diretores se esqueçam de que seu principal papel é apoiar os coordenadores e professores, ou seja, não somente supervisioná-los. Por assimilação, os coordenadores repetem os atos de seus superiores e não ajudam/apoiam os professores e alunos no dia-a-dia da escola. Raros são os diretores que atuam como líderes de equipes e criam oportunidades para que todos os indivíduos contribuam para a organização e, ao mesmo tempo, encontrem satisfação (SCHERMERHORN; HUNT; OSBORN, 2003).

A estrutura das escolas costuma ser simples, pois elas são coordenadas pela direção, que de certa forma centraliza o poder. Convém ressaltar que, mesmo

inserida no processo democrático de gestão participativa, as decisões são pautadas na liderança do diretor.

O pesquisador, em sua rotina de trabalho, observa que, em geral, os professores desconhecem a dimensão organizacional da escola e não sabem lidar com a realidade administrativa. Quando assumem a direção é, na prática, que tomam o conhecimento de todas as dimensões da gestão. Tal fato acaba por desencadear em lamentações entre os gestores, pois gerenciar toda a complexidade da escola (financeiro, pedagógico, relacionamento/atendimento com/à comunidade) é muito trabalhoso e requer um grande dinamismo e formação/capacitação.

A organização escola possui características típicas da burocracia. Contudo seu design transita entre a Burocracia Profissional30 e a Adhocracia31. Em ambas, o trabalhador detém o próprio controle do trabalho, ou seja, o profissional age independentemente de seus colegas, mas diretamente com os clientes.

Na escola, o professor, na sala de aula, desenvolve seu trabalho sozinho, oculto dos demais colegas (professores, coordenadores e diretores), pois desfruta de autonomia, apesar da necessidade da padronização de habilidades e conhecimentos. Os profissionais controlam o próprio trabalho e procuram o controle das decisões administrativas. A estrutura de funcionamento da escola é dinâmica e flexível, porém vinculada aos desafios dos processos de aprendizagem. Não há rigidez hierárquica, visto que o objetivo é melhor atender às necessidades dos alunos. Assim, tanto o trabalho administrativo (registros e gestão), quanto o operacional (lecionar) tendem a fundir-se em um único esforço.

A implementação das diretrizes depende do envolvimento e compromisso dos atores atuantes nas escolas, pois a gestão da educação passa pela cogestão. Na cogestão, as partes entram em entendimento para juntas gerarem interesses mútuos, a fim de legitimar as regras que serão aceitas por todos (MORGAN, 1996), ou seja, pela participação.

De acordo com Morin, Tonelli e Pliopas (2007), o lavor deve estar consoante com os motivos que estimulam o trabalhador ao trabalho. Para as

30

A burocracia profissional baseia-se na coordenação da padronização das habilidades e os profissionais contratados são especializados, treinados, além de possuir considerável controle sobre o próprio trabalho (MINTZBERG, 2006).

31

A Adhocracia se configura como uma instituição orgânica, com pouca formalização do comportamento, especialização horizontalizada do trabalho, além de ser baseada no mercado para execução de trabalhos específicos (MINTZBERG, 2006).

autoras, as pessoas precisam encontrar sentido em suas atividades, pois o trabalho permite a construção de uma identidade pessoal e social.

Quando o professor não se sente participante da vida escolar, ele não percebe o sentido de seu trabalho. Impossibilitado de realizar plenamente o seu ofício, o docente não encontra significado em seus atos, pois suas opiniões não são consideradas para legitimação das regras. É por meio da participação que o professor desenvolve suas potencialidades, se afirma enquanto sujeito e se realiza profissionalmente. É ela o molime do trabalho docente, ou seja, sem participar o professor não percebe sentido em suas ações e não se vê integrante do desenvolvimento do processo de aprendizagem. Sem sentido, o trabalho deixa de ser prazeroso e criativo, e passa a ser estressante, pois o “eu” perde a estabilidade necessária ao bom atendimento das demandas educacionais.

A participação também é o principal meio de assegurar a gestão democrática e participativa da/na escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar, através da instituição de mecanismos participativos, como os Colegiados; eleições diretas para diretores; construção coletiva do Projeto Político Pedagógico; definição e fiscalização dos recursos financeiros da caixa escolar pela comunidade; divulgação e transparência da prestação de contas; avaliação institucional da escola, dos professores, dos gestores, dos alunos e da equipe técnica. Contudo, ela amplia a responsabilidade e a carga de trabalho do docente, para além do ato de ensinar.

Ampliou-se a missão do profissional para além da sala de aula, a fim de garantir uma articulação entre escola e comunidade. O professor além de ensinar, deve participar da gestão e do planejamento escolares, o que significa uma dedicação mais ampla, a qual se estende às famílias e à comunidade. (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005, p. 191).

Os professores, para garantir a articulação escola comunidade, buscam requalificação, fora do espaço escolar, uma vez que a administração não fornece os meios necessários à realização das tarefas no espaço de produção do ensino. Ele passa a usar o seu tempo livre, para a elaboração das atividades pedagógicas e de gestão (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005).

Com a diminuição do tempo destinado ao repouso, essencial ao reestabelecimento do ânimo para desenvolvimento das atividades laborais, o

professor fica sujeito a distúrbios do sono, ao esgotamento, ao cansaço, à fadiga e ao estresse. Sem condições físicas e psicológicas para a realização das atividades laborais, o professor perde o prazer pelo ofício de mestre. Desestimulado, ele tenta, resiste, mas não consegue e acaba se afastando da sala de aula por ter comprometida a saúde.

O desempenho desenvolve valendo-se da disposição interna da motivação para melhorar e não da imposição externa de metas quantificáveis. A reestruturação da organização escolar, precisa pautar por incentivos à capacitação profissional, além de ter a participação como força motriz do processo de gestão da escola. Tal fato colabora no processo motivacional dos profissionais da educação, na elevação dos índices educacionais, na redução do adoecimento docente e, consequentemente, na diminuição do absenteísmo.

A organização da escola e a percepção do ambiente e do trabalho pelo trabalhador desencadeiam na disposição interna para o labor, responsável pela motivação. Essa, por sua vez, também, está associada às condições de trabalho na escola, tema a ser abordado na próxima seção.