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II. ADOECIMENTO PROFISSIONAL: ESTUDO DE CASO DA

2.3 Desencanto e o abandono do magistério

2.3.1 Trabalhador em educação

Os traços principais do sistema de educação remontam à Antiguidade Grega. Na Grécia, o sistema de educação baseou-se na educação comum cotidiana, que se fundamentava nas sete artes (gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, música e astronomia). Havia uma pretensão totalitária: todo saber deveria ser dominado pelos professores/filósofos, que o transmitiam aos seus discípulos. Esse modelo perpetuou-se até o século XVIII, quando o saber foi dividido e passou a ser dominado por pessoas especializadas em áreas específicas do conhecimento (CURTIUS, 1996).

Todavia, o domínio dos saberes nunca foi dissociado da figura do professor que, até bem pouco tempo34, foi tido como um profissional autônomo, detentor de um saber, com controle total sobre o seu trabalho, além de gozar de um reconhecimento público que o tornava uma autoridade (HYPOLITO, 1991).

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Com a adoção das avaliações sistêmicas, a partir da década de 1990 e a aplicação dos modelos de gestão na educação, o trabalho docente passou a ser investigado sob a ótica capitalista de produção, em que o ato de ensinar foi fragmentado, fazendo com que o professor perdesse a autonomia e o controle de seu trabalho.

Para Pucci, Oliveira e Sguissardi (1991), há duas origens para a classe de professores. A primeira provém de uma parcela da burguesia que perdeu status, e ser professor seria uma alternativa de profissão da classe média. A segunda vertente deriva do processo de mobilidade social, pois, com a ampliação da rede de escolas, muitos conseguiram obter qualificação escolar formal, e ser professor passou a ser o caminho que possibilitaria àqueles realizarem suas aspirações sociais e profissionais.

Tal fato é comprovado pelo aumento do número de escolas da Regional Pampulha, nas décadas de 1980 e 1990 (Quadro 3).

Quadro 3 - Relação de escolas da Regional Pampulha por ano de funcionamento

Estabelecimento de ensino municipal Ano de criação

Escola Municipal Francisca Alves 1971

Escola Municipal Maria de Magalhães Pinto 1976

Escola Municipal Professora Alice Nacif 1980

Escola Municipal Aurélio Pires 1985

Escola Municipal Carmelita Carvalho Garcia 1985

Escola Municipal Dom Orione 1988

Escola Municipal Ignácio de Andrade Melo 1988

Escola Municipal José Madureira Horta 1988

Escola Municipal Júlia Paraíso 1988

Escola Municipal Lídia Angélica 1988

Escola Municipal Santa Terezinha 1990

Escola Municipal Anne Frank 1991

Escola Municipal Marlene Pereira Rancante 1991

Escola Municipal Professor Amílcar Martins 1992

Escola Municipal Henfil 1996

Fonte: GEFE/SMED, 2014.

O acelerado processo de urbanização e industrialização da sociedade demandou do executivo municipal equipamentos públicos para atender às necessidades da população. Após 23 anos da criação da primeira escola municipal de Belo Horizonte, foi inaugurada a E. M. Francisca Alves para atender à população em idade escolar residente na região da Pampulha. Dos decretos de criação das escolas municipais da Regional Pampulha, 54% datam da década de 1980, enquanto que 33% são dos anos de 1990. Tal fato disponibilizou à população o acesso à qualificação escolar formal e, consequentemente, possibilitou a realização das aspirações sociais e profissionais.

A ampliação das redes de ensino também corroborou para um aumento do contingente de professores. Esse aumento, segundo Hypólito (1991), se fundamenta na atratividade então vinculada à profissão de professor: reconhecimento público e bons salários.

Se, por um lado, houve um aumento do professorado, por outro, ocorreu a extinção da figura do professor autônomo, que tinha controle sobre o seu trabalho. Nasceu uma nova classe trabalhadora: o trabalhador em educação, pois, além da força de trabalho vendida, ele deixou de deter o controle sobre os meios de produção, sobre o objeto e o processo de trabalho (HYPÓLITO, 1991).

A discussão sobre o docente ser um trabalhador produtivo ou não aparece de forma incipiente em algumas poucas pesquisas que foram realizadas no início da década de 1990. Hypólito (1994), Nunes (1990) e Wenzel (1991) discutem o trabalho docente a partir de uma análise sobre a natureza desse trabalho na sociedade capitalista, e, por isso, oferecem uma acuidade teórica sobre o trabalho produtivo e a proletarização que vai além da análise das demais pesquisas apreciadas. Hypólito (1994) afirma ser a proletarização um processo de assalariamento e precarização profissional ao qual está submetido um grande número de trabalhadores. Já para Wenzel (1991), a proletarização é resultado da produção capitalista que retira do trabalhador o controle sobre o processo produtivo. Trabalhador proletário é a negação do trabalhador individual e a afirmação do trabalhador coletivo. Na análise desses pesquisadores, o docente é proletário na medida em que sofre um processo de precarização e assalariamento e se afirma como um trabalhador coletivo. (TUMULO; FONTANA, 2008, p. 162).

Percebe-se que os educadores vivem em uma realidade contraditória, pois muitos não se identificam como trabalhadores, mas como intelectuais. Não obstante, se autodenominam trabalhadores em educação. Para Pucci, Oliveira, e Sguissardi (1991):

Os funcionários da educação, até pouco tempo atrás elevados pela “missão de formar os homens do amanhã”, estão, por sua vez, descobrindo, na prática cotidiana, sua identificação proletária própria: o de serem trabalhadores como seus companheiros da indústria, do campo e do setor de serviços a serviço do capital. De outro lado, constata-se uma aproximação real do professor com os proletários enquanto classe, através de seu processo de organização e de luta. O crescimento das associações reivindicativas, a transformação dessas associações em sindicatos, seu caráter autônomo e combativo, e os últimos movimentos grevistas apontam na direção do surgimento dessa nova categoria: os trabalhadores em educação. (PUCCI; OLIVEIRA; SGUISSARDI, 1991, p. 91).

Para Arroyo (1990), as tradicionais formas de relação homem-natureza, na produção familiar, são mais educativas que as formas de produção fabril: a

divisão capitalista do trabalho cinde o trabalho intelectual, deturpando o trabalhador, pois se retira o saber e a qualificação do trabalhador e os aloca em departamentos de concepção e máquinas.

Bowles (1990) salienta que o sistema educacional é um subsistema do Estado, e, portanto, está diretamente sujeito aos princípios que o regem. Para ele, a educação gera a estrutura política do processo de produção do capital. A educação está diretamente envolvida na articulação contraditória do capitalismo avançado, que se expressa em termos da dicotomia propriedade/pessoa, ou seja, a estrutura da escola reproduz os direitos investidos na propriedade e, ao mesmo tempo, organiza- se no direito da pessoa.

Na atualidade, o papel do professor extrapola o processo ensino aprendizagem, pois, além de ensinar, o professor participa da gestão e dos planejamentos escolares. Há uma demanda maior da sua disposição, que acaba por se estender à família a comunidade.

Essas atividades tomam tempo, obrigando-os a fazer trabalhos em casa, nos momentos que deveriam ser de lazer, o que diminui o tempo que têm para si próprios, para suas famílias e para outras atividades. É um trabalho sem limites: não termina ao fim da jornada, mas invade toda a vida do professor. (FERREIRA, 2010, p. 8).

O trabalho do professor é mais do que ministrar aulas. Os professores iniciam seus trabalhos com planejamentos e preparo das aulas e terminam suas atividades laborativas com avaliações e preenchimentos de formulários.

É nesse âmago que se encontram os professores: proletários como os demais trabalhadores que buscam, na prática diária, o seu sustento e a sua identificação. Portanto, sujeitos a adoecimentos advindos das condições de vida impressas pelo ritmo e forma do trabalho, ou seja, da forma de agir, pensar, do cumprimento de metas, da remuneração baixa e da jornada de trabalho cada vez mais extensa.

Na seção seguinte, são analisadas as informações extraídas dos instrumentos de pesquisa, questionário docente e entrevistas, aplicadas junto aos professores da Regional Pampulha, objetivando o entendimento das condições que desencadeiam em patologias.