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I. CONTEXTUALIZAÇÃO DA HISTÓRIA DO TRABALHO HUMANO

1.2 Fragmentação do trabalho docente e o absenteísmo

Como vida e profissão constituem uma tessitura, para constituir-se como cidadão, o ser humano busca o trabalho nas organizações. Essas, enquanto seguradoras de uma identidade para o trabalhador, são objeto de desejo, mas passam a ser indesejadas quando suas ações se chocam com os interesses pessoais. O sentimento que nasce dessa relação irá interferir na vida profissional do indivíduo, pois ele necessita do emprego, mas não encontra motivos que o levem a executar o trabalho para o qual foi selecionado.

Então, o homem passa a viver em constante conflito, pois o encanto, que antes existia, cede espaço a um sentimento originado da tensão que o dia a dia da organização provoca. Uma possível leitura dessa situação é, no limiar entre o desejo e o indesejado, que alguns trabalhadores em educação da regional Pampulha da RME/BH se encontram atualmente. Querem estar na escola para desenvolverem suas tarefas, mas não encontram motivos que sustentem o labor docente. No dilema de ser ou não ser professor, não desiste, mas, também, não encontra motivos que o leve a estar na escola. Deixar a escola significa perder a identidade. A decisão de permanência gera conflitos que se manifestam em adoecimento, em afastamento. Contudo, ao retornar ao ambiente de trabalho, os conflitos voltam a se manifestar. Na dor da possibilidade de deixar o ofício de mestre, um tormento se instaura, fazendo o professor viver em constante martírio, pois o trabalho ocupa local de destaque na vida das pessoas, é fonte de subsistência e de posição social. A sua falta gera sofrimento psíquico, angústia, desânimo, além de abalar o valor subjetivo que a pessoa se atribui. Então, na dualidade vivida entre renúncia e não renúncia, o professor se pergunta se deve ou não continuar, pois o arrefecimento faz com que ele perca as esperanças. Parece, simbolicamente, que as escolas foram

transformadas em um inferno e, os professores, em sofrimento, leem, em suas fachadas, a inscrição: “Lasciate ogni speranza, voi che entrate”7

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O que está acontecendo, no interior da escola, que está ocasionando o adoecimento dos professores? Quais são as condições de trabalho e como elas interferem na rotina escolar?

As transformações que modificaram a organização do trabalho também influenciaram a escola e geraram consequências no interior dos estabelecimentos de ensino. Assim, ao incorporar as técnicas de gestão Taylorista/Fordista, o ambiente escolar sofreu impactos com a estruturação produtiva, por meio de controle das atividades docentes, seja na forma de lecionar, seja na seleção do que ensinar, ou até, mesmo nas avaliações. Ocasionou mudanças no perfil profissional do docente, uma vez que o rígido controle do trabalho somado a longas jornadas laborativas rompe o fluxo da narrativa de vida e deixam o professor vulnerável a enfermidades como: estresse, doenças da voz, depressão, lombalgias, câncer, distúrbios de circulação e coluna.

Percebe-se que o processo de constituição do trabalho foi abortado da história, em nome de uma organização eficaz e eficiente. As manifestações espontâneas cederam espaço a um comportamento de não responsabilização pelo trabalho, uma vez que o trabalhador não se identifica mais com o produto, na educação, com o processo ensino-aprendizagem.

Aos poucos, substituiu o passado, em que a tradição do conhecimento e a arte da criação pautavam o ofício do professor, que sem deter a narrativa de liberdade (autonomia do processo) se prende a dados estatísticos descontextualizados da realidade social do aluno. O resultado é o desconhecimento do público e um contínuo recomeçar, sem compreender o mundo, a comunidade e os alunos. A sociedade brasileira possui uma diversidade étnica e cultural, de modo a superar atitudes condenatórias, para viabilizar “práticas pedagógicas imbuídas por expectativas que celebrem a diversidade cultural, ao invés de abafá-la” (CANEN, 2001, p. 208).

Na tentativa de minimizar os ruídos de comunicação e favorecer o alcance do processo equânime da aprendizagem, algumas escolas fracassam, pois em crise de identidade, não conseguem transpor as margens dos valores elitistas, para atingir

7 ALIGHIERI, Dante. La divina commedia. Milão: Ulrico Hoepli, 1991: “Deixai fora toda esperança, vós que

o aluno. “Inserida no bojo destas relações socioculturais desiguais, a escola tem produzido a exclusão daqueles grupos cujos padrões étnico-culturais não correspondem aos dominantes” (CANEN, 2001, p. 207).

A decorrência é a discriminação da cultura do aluno, o não entendimento e a repetição do fracasso escolar, que se manifesta, entre outras formas, por meio do adoecimento da instituição escola, dos profissionais em educação e dos alunos.

A Revista Nova Escola e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) realizaram, em 2007, uma pesquisa com 500 professores das redes públicas das capitais brasileiras em que comprovou que mais da metade dos professores sofriam de estresse. Dos entrevistados 40% declararam sofrer de doença crônica ou mal-estar. O absenteísmo foi apontado como o mais grave dos problemas (FREIRE, 2010).

As condições de trabalho docente como a utilização das avaliações externas para responsabilização das instituições, dos gestores e dos professores quanto à aprendizagem dos estudantes; materialidade das escolas; inadequação da rede física e o quantitativo de alunos por turma apontam para as causas do aumento das doenças ocupacionais.

A síndrome de Burnout8, definida como uma “reação à tensão emocional

crônica gerada com base no contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou com problemas” (CODO; VASQUES-MENEZES, 2002, p. 238), possui os sintomas: baixa realização profissional, exaustão emocional decorrente da falta de envolvimento emocional com a profissão, ou seja, desânimo. Em decorrência, há despersonalização endurecimento afetivo, uma apatia que se traduz no distanciamento do cliente (alunos).

O Burnout parece ser um dos elementos-chave para a compreensão do adoecimento docente, uma vez que possui como causas o medo, a “baixa ou ausente realização profissional” e a “deficiência dos canais de comunicação entre a chefia e subordinados e entre o corpo docente e discente” (FREIRE, 2010, p.3).

Despersonalizado, o professor autoavalia negativamente, perde o interesse pelo trabalho, visto que todo o esforço lhe parece inútil. Fragmentado e

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Burnout (do inglês, significa queimar). A síndrome de Burnout é entendida como um conceito multidimensional

que envolve os componentes: exaustão emocional, despersonalização e falta de envolvimento pessoal no trabalho (CODO; VASQUES-MENEZES, 2002; FREIRE, 2010).

sem controle qualitativo e quantitativo do processo ensino-aprendizagem (forma de lecionar, conteúdo a ensinar e o que a avaliar), ele se ausenta, pois não atinge as metas estipuladas.

Na seção seguinte, são apresentadas informações sobre a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, para proporcionar o entendimento das condições de trabalho, nas quais se encontram o corpo docente municipal.