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II. ADOECIMENTO PROFISSIONAL: ESTUDO DE CASO DA

2.1 O mundo do trabalho

2.1.3 Condições do trabalho na escola

Compreendidas a organização escolar e a necessidade de participação do professor nos processos da escola, passa-se agora à análise das condições de trabalho do magistério.

Segundo Pucci, Oliveira e Sguissardi (1991), as condições de trabalho devem ser analisadas sob dois aspectos: a autonomia dos trabalhadores em seu local de trabalho e as condições físicas, intelectuais e sociais dos docentes ao realizarem suas funções, diariamente, na escola.

De modo geral, a infraestrutura das escolas brasileiras é bastante limitada e precária. A realidade das salas de aula e da escola, como um todo, caracteriza um local onde não há estímulo ao estudo, pois não se encontram, com frequência, espaços apropriados à ampliação e à consolidação do conhecimento, como: laboratórios de ciências e informática, sala de vídeo, uma biblioteca estruturada.

Os professores não possuem um ambiente adequado aos estudos e ao preparo das aulas dentro da escola. Raras são as escolas que possuem um ambiente apropriado e destinado especificamente aos estudos dos professores. A

sala dos professores também apresenta condições impróprias: sua localização, na maioria das vezes, não favorece a concentração e o descanso necessários antes do início das aulas.

A biblioteca é, em muitos lugares, um espaço subutilizado. Diversas são as razões que levam à desistência do convívio no espaço da biblioteca: acervo antigo, espaço pequeno, o que inviabiliza trabalhos, ausência de bibliotecários para dar suporte aos professores e aos alunos, falta de recursos como mesas, cadeiras, computadores.

Com relação à materialidade, é notável a sua escassez. Faltam materiais básicos como: máquinas copiadoras, papel, giz (pincel para quadro branco), vídeo, televisão, enfim, toda espécie de suprimentos necessários ao bom funcionamento da rotina escolar.

Apesar dos limites das instalações e da precariedade material, o espaço escolar se apresenta menos autoritário que o da fábrica. O professor, enquanto assalariado, não é dono do seu trabalho, mas possui autonomia em relação ao processo de seu trabalho (PUCCI; OLIVEIRA; SGUISSARDI, 1991).

Para Pucci, Oliveira e Sguissardi (1991), essa democracia, adquirida no ambiente de trabalho, pelo professorado, é resultado de um longo processo de lutas por melhores condições de trabalho: democratização do ensino, adoção de métodos e conteúdos mais próximos dos interesses dos alunos, maior participação e gestão democrática na administração escolar. Tudo isso proporciona aos professores o exercício de direitos no local de trabalho.

Os trabalhadores em educação vivem em um contexto ambíguo: de um lado, são detentores de uma autonomia que lhes confere uma liberdade na programação das aulas, no contato direto e pessoal com os alunos; e, de outro, “são alienados como os outros trabalhadores, pois têm pouco espaço de participação na elaboração e na implementação das leis de educação e das políticas da escola” (PUCCI; OLIVEIRA; SGUISSARDI, 1991, p. 98). Não controlam aspectos relativos à vida profissional, ou seja, são controlados por um “autoritarismo” e pela “burocracia” presentes nas “relações de trabalho e de poder no interior da escola” (PUCCI; OLIVEIRA; SGUISSARDI, 1991, p. 98).

As condições físicas, mentais, profissionais e intelectuais referentes à profissão do magistério são: fadiga muscular e nervosa, extensa jornada de trabalho, desvalorização da profissão, não reconhecimento pelo esforço, falta de recursos

(materiais e didáticos), responsabilidade no cumprimento do dever, número elevado e baixo nível dos alunos, estado depressivo, angústia, tensão, desânimo, dores de cabeça e estômago, cansaço mental e físico, noites mal dormidas, ausência de perspectivas, desatualização, abandono.

Segundo Costas (2005), existe um novo problema nas escolas brasileiras: a indisciplina dentro das salas de aula e na escola. Esse fenômeno tem sua origem nas relações sociais, humanas, trabalhistas, legais, instauradas nas últimas décadas e que repercutem no ambiente escolar. Os alunos ignoram a autoridade do professor porque o veem como mais um empregado que presta serviços.

Outro acontecimento que corrobora com esse fenômeno é a relação comercial existente entre a escola privada e os pais de alunos. Para manter a clientela, agradar aos pais foi o caminho mais fácil, mas, em contrapartida, perdeu a autoridade indispensável à manutenção da disciplina.

Pensar que esse problema cabe somente à rede privada é enganar-se, pois a mídia difundiu esse valor, que logo foi incorporado pelas camadas mais humildes da população, público majoritário das redes públicas de ensino.

Convém ressaltar que a legalização de uma nova estruturação familiar pode ser outra causa da indisciplina. Em alguns casos, os pais suprem a sua ausência conferindo razão aos filhos, nas contendas escolares. Sem o apoio da família, a resolução dos conflitos disciplinares fica comprometida, porque não há a participação dos pais, tão importante no processo educativo.

Para sanar os problemas sociais e possibilitar uma educação mais equânime, os estudantes tiveram a jornada escolar ampliada, mediante o atendimento integral. Tal fato acabou por configurar em uma realidade na qual são cobradas dos professores funções que não faziam parte do escopo do trabalho docente.

Todos esses fatores e outros que não foram citados se somam e explodem na adolescência. Costas (2005) expõe que sempre fez parte do desafio do magistério lidar com o desejo natural dos adolescentes de subverter as regras, mas o retrato da indisciplina é decorrente do medo de desagradar aos pais e perder os alunos, pois esse temor sobrepõe-se à necessidade de imposição de ordem na sala de aula.

Costas (2005) afirma que os pais têm larga parcela de responsabilidade nesse quadro, pois eles trabalham muito e têm menos tempo para dedicar à

educação de seus filhos. Por causa dessa omissão, evitam dizer não e delegam à escola essa função. Mas vive uma relação contraditória, pois acham exageradas as normas escolares, e os professores, sem impor regras, sentem-se impotentes diante das dificuldades do dia a dia em sala de aula.

Vicária e Cotes (2005) asseguram que, no ambiente escolar, a disciplina deve ser entendida como um caminho legítimo do aprendizado, mas, no entanto, é vista ainda como submissão e não como respeito.

O despreparo em razão da impossibilidade de dedicação dos professores também compõe o quadro das condições de trabalho do profissional em educação. Conforme Weinberg (2005) é necessário dispor de condições de trabalho propícias que favoreçam ao desenvolvimento da atividade do magistério. Para isso, faz-se preciso um grande investimento em capital humano, e investir no professor significa proporcionar-lhe uma só escola e direito a horas diárias para preparar as aulas e atender os estudantes, salários dignos e respeito.

Com esse contexto, torna-se inevitável o adoecimento do professorado, e as doenças mais frequentes, segundo Pucci, Oliveira e Sguissardi (1991), são: cálculos biliares, úlceras, gastrites, estresse, desequilíbrio nervoso, esgotamento, estafa, tensão, hipertensão arterial, labirintite, problemas de coluna, velhice precoce, alergias, faringite, perda da voz, problemas de audição, deficiência visual e varizes. Há, a síndrome de Burnout, esgotamento psicológico derivado das dificuldades enfrentadas pelos professores.

Segundo Avelato (1999), o Burnout se manifesta diante da inadequação psíquica do homem à realidade do trabalho, seja pela

idealização excessiva da profissão, pelo superinvestimento de energias na formação, ou mesmo pela exagerada doação pessoal sem o correspondente reconhecimento simbólico ou a esperada compensação material. (AVELATO, 1999, p.19).

A saúde do professor, diante de tanta cobrança e pressão associadas às condições físicas e psíquicas, pode ficar comprometida. Então, proporcionar ao professorado um ambiente apropriado, em que as condições físicas/materiais sejam propícias à atividade de ensino, além de reconhecê-lo simbólica e financeiramente, é valorizá-lo enquanto ser humano e profissional, ao assegurar-lhe o necessário ao desenvolvimento de suas atividades laborais.

2.1.4 (In)satisfação

O pesquisador vivenciando o funcionamento cotidiano das escolas, observou a desmotivação do corpo docente e as justificativas para a insatisfação com o trabalho. Dentre as alegações, podem ser citadas razões pedagógicas, salariais, além das pessoais. Parece que os professores não encontram, no ambiente escolar, motivos que agem entre si e determinam a sua conduta como indivíduo, fato que pode se converter em insatisfações. A insatisfação é um dos problemas vividos pelos profissionais da educação da RME/BH. Então, a melhoria das condições de trabalho pode ser uma das formas para serenar a insatisfação dos professores.

As condições de trabalho do ambiente escolar, que culminam em satisfação, devem ser elucidadas valendo-se de dois aspectos: de conteúdo e processo. Schermerhorn, Hunt e Osborn (2003) enunciam que as teorias motivacionais baseadas em conteúdo têm como foco as necessidades do indivíduo e sugerem que a força motivadora está no ambiente de trabalho. Segundo eles, as teorias cuja base é o processo focalizam o pensamento interior, os processos cognitivos que exercem influência nas decisões e no comportamento no trabalho.

No mundo contemporâneo, a realização das necessidades centra no descarte e na substituição não apenas de objetos, mas também de relações. A consequência é uma sociedade individualista e uma dificuldade de estabelecer vínculos. Para Maia (2010),

As características de uma fase da vida, a adolescência, parecem atualmente estar fazendo parte da vida de todas as pessoas. Sentimentos de onipotência, pressa perante resultados, oscilação nos comportamentos, dependência afetiva e econômica, imaturidade, valorização da aparência e a inconstância perante os próprios sentimentos tomou conta do comportamento da sociedade como um todo. (MAIA, 2010, p. 24).

Maia (2010) afirma que o contexto contemporâneo altera as condições de trabalho e as relações entre as pessoas. Para a autora, as relações de trabalho são compreendidas como todos os laços humanos estabelecidos pela organização de trabalho. Aponta que o individualismo é decorrente da evolução social, além de ser o desencadeador da crise das relações sociais, pois “cada pessoa individualmente deve encontrar soluções para os problemas sociais” (MAIA, 2010, p. 19).

O ambiente escolar reflete e reproduz a sociedade, ao naturalizar as ações sociais que caracterizam o modelo de sociedade. A naturalização ocorre mediante o processo de interiorização e faz com que a subjetividade se traduza em formas de relacionamentos e autopercepções (MARTINS, 1996).

A sociedade vivencia o fenômeno do isolamento e da individualização do ser e das relações sociais, em que a necessidade do outro, o vínculo perde significado, o professor se autopercebe solitário. Só, ele tem dificuldades de estabelecer vínculos e se sente abandonado. Desamparados, muitos professores não vislumbram perspectivas no trabalho e nem avaliam a satisfação. Acabam por estabelecer uma rotina e estilos de vida que favorecem transtornos musculoesqueléticos, mentais e respiratórios.

A pesquisa realizada com 258 professores da rede estadual de São Paulo, verificou que a maioria dos profissionais adotava um estilo de vida que favorecia o desencadeamento de problemas de saúde. Nessa pesquisa, 96,5% dos profissionais consideraram o trabalho na escola como estressante e 20,9% o correlacionaram aos transtornos mentais. Dos entrevistados, 74,1% faziam uso de medicamentos antidepressivos (CRUZ et al, 2010).

Associado ao individualismo, “o avanço tecnológico e a sociedade da informação permitem que os indivíduos conheçam as coisas superficialmente” (MAIA, 2010, p. 27). Ao contrário, a tecnologia favorece a solidão e à falta de adaptação, pois a atribulação do dia a dia impede o relacionamento mais próximo e pessoal, fato que conduz à frustração, à falta de adaptação social e à solidão. O homem precisa se avaliar, para se autoperceber e encontrar confiança em si. Quando isso não ocorre, ele experimenta sentimentos de fraqueza, dependência, desamparo, que levam ao desânimo e à falta de estima. É a necessidade de estima que o impulsiona à autorrealização, à plenitude do potencial humano.

Contudo é no trabalho que as pessoas fortalecem suas identidades, pois sua função extrapola a garantia do sustento. O professor, ao exercer seu ofício, realiza-se enquanto pessoa, pois o trabalho:

é também a atividade laboral fonte de experiência psicossocial, sobretudo dada a sua centralidade na vida das pessoas: é indubitável que o trabalho ocupa parte importante do espaço e do tempo em que se desenvolve a vida humana contemporânea. Assim, ele não é apenas meio de satisfação das necessidades básicas, é também fonte de identificação e de autoestima, de desenvolvimento das potencialidades humanas, de alcançar sentimento de participação nos objetivos da sociedade. (MAIA, 2010, p. 37).

Por causa de diversas condições (individualismo e ao avanço tecnológico, dentre outras), o professor, solitário, tem dificuldade de expressar sua função, e acaba se distanciando do resultado final de seu trabalho, pois não percebe sentido em suas tarefas. Sem sentido, o exercício profissional perde a característica de satisfação e de autoestima. Insatisfação associada às pressões pode explicar o aumento do fardo. Desmotivado, mas com uma idealização excessiva de sua profissão, o professor não encontra satisfação em suas necessidades básicas. Sem o molime necessário ao desenvolvimento de sua autoestima, suas ações perdem o objetivo e a atividade laboral deixa de ser “fonte de experiência psicossocial”. Com a autorrealização comprometida, o “eu” não encontra “centralidade na vida das pessoas”. A instabilidade desencadeada gera o sentimento de abandono, favorecendo o adoecimento psíquico e físico.

Na seção 2.1.5, serão abordados os temas cultura organizacional e clima escolar, pois a percepção dos valores organizacionais pelos professores influencia significativamente no bem-estar docente, influenciando na satisfação das necessidades, no comportamento e no desempenho profissional.