• Nenhum resultado encontrado

A parte final dos estatutos: as indulgências

CAPÍTULO 2 – ASCENSÃO E QUEDA DAS FILHAS DE MARIA

2.3.2 A parte final dos estatutos: as indulgências

O último capítulo dos estatutos da Pia União das Filhas de Maria (capítulo VII) é dedicado às indulgências, termo que foi muito utilizado ao longo desse capítulo sobre o manual, ao qual refere-se, no catolicismo, à remissão dos castigos ou dos pecados cometidos. Essas indulgências eram “concedidas in perpetuo” a todas as Pias Uniões de Filhas de Maria, agregadas à primária de Roma, conforme documento datado de 4 de fevereiro de 1870, pelos pontífices Pio IX e Leão XIII (RÖWER, 1953, p. 31). As indulgências eram divididas em quatro categorias: plenárias, parciais, das estações e pelos defuntos e privilégios.

As indulgências plenárias (item I) eram concedidas para as associadas no dia da admissão como aspirantes, se estas estivessem verdadeiramente arrependidas e se tivessem confessado e comungado naquele dia. Nota-se que a confissão e o ato de arrepender-se eram fatores essenciais que garantiam a essas moças as indulgências, ou o perdão diante de tudo, mesmo que não tivessem cometido qualquer infração. Essas regras vão estar presentes em todos os requisitos das indulgências plenárias, pois foi a forma que a Igreja Católica encontrou de cercear e estar no controle de todas as situações perante essas jovens. Era uma severa “vigilância doutrinal” (DEL PRIORE, 1993, p. 29), que perpassava não somente pela questão da confissão, mas também pelos sermões e demais eventos promovidos pela instituição religiosa. Essas vigias e proibições culminaram, posteriormente, na concretização do projeto de Igreja: impedir a mulher de obter outros papeis que não aqueles determinados pela vida familiar, como o cuidado da casa, da cozinha, da lavagem de roupas e o servir ao chefe da família, dando-lhe filhos que assegurassem sua descendência. Foucault (1988, p. 76) também atenta para a questão da confissão, demonstrando que ela tinha uma função hermenêutica: aquele que possuía o poder da escuta era considerado o dono da verdade – ele era quem dominava.

Havia também outras ocasiões em que essas indulgências eram concedidas às Filhas de Maria, conforme especificado no estatuto: em caso de morte, mas ainda era necessário o arrependimento, a confissão e a comunhão e, se uma Filha de Maria não pudesse cumprir, ao menos deveria invocar o nome de Jesus; nas festividades do Natal e ascensão do Senhor, se tiverem efetuado as obrigações do primeiro item, além de fazer uma visita à igreja ou capela e “orar pela extirpação das heresias e cismas e pela exaltação da Igreja” (RÖWER, 1953, p. 32); nas duas festividades principais da Pia União, sendo estas a Imaculada Conceição da Virgem Maria e de Santa Inês Virgem e Mártir; nas festas da natividade, anunciação, purificação e assunção de Nossa Senhora; na solenidade do rosário de Nossa Senhora; na festa de Todos os

Santos; uma vez por mês, no dia em que escolhessem, mas cumprindo as condições do primeiro e do terceiro item – confissão, comunhão, arrependimento, visita a uma igreja ou capela e oração – contanto que tenham assistido às reuniões durante aquele mês.

O capítulo das indulgências plenárias finaliza com a informação sobre o dia da comunhão geral ou mensal – que poderia ser escolhido por elas, juntamente com o último item sobre a concessão de indulgência às devotas que assistissem aos “exercícios espirituais ou retiro” que era realizado costumeiramente todos os anos pela Pia União. Mais uma vez, no entanto, era enaltecido o cumprimento do primeiro e do terceiro item, sendo esses objetos essenciais de controle.

O texto prossegue com o item II, sobre as indulgências parciais. Estas eram concedidas às associadas “de coração contrito, que visitarem a igreja da Pia União ou qualquer oratório público, e aí orarem segundo já dito nos números 1 e 350, e poderão lucrar a indulgência de sete anos em todas as demais festas de Nossa Senhora” (Ibidem, p. 33). De acordo com o manual, esta regra foi firmada em 18 de dezembro de 1862, onde constavam as seguintes festividades oficiais da instituição: festa das dores de Nossa Senhora – na sexta-feira da semana da Paixão; festa da visitação - 2 de julho; festa de Nossa Senhora do Carmo - 16 de julho; festa de Nossa Senhora das Neves - 5 de agosto; festa do santo nome de Maria - 12 de setembro; a segunda festa das dores - 15 de setembro; festa de Nossa Senhora das Mercês - 24 de setembro - e a festa da apresentação de Nossa Senhora - 21 de novembro.

É possível constatar que a vida de cada Filha de Maria era estrategicamente controlada por meio das datas celebrativas da Igreja, especialmente àquelas ligadas à Nossa Senhora. A cada dia uma nova data religiosa e, consequentemente, um novo culto ou uma nova missa tomavam conta do cotidiano dessas jovens moças. Há que se perguntar se sobrava tempo para os demais afazeres, uma vez que desde a hora de levantar até a hora de ir para a cama elas possuíam atividades e normas a serem cumpridas.

Existiam, também, as indulgências de sessenta dias, que no manual estão como parte das indulgências parciais referenciadas no último parágrafo. Elas eram concedidas às associadas que praticassem boas obras, seguindo o espírito da Pia União alicerçado na caridade. Mas, como é de se esperar, essas indulgências só eram concedidas se as moças seguissem determinadas regras, que no total eram 15, sendo sempre estas vinculadas às questões de sociabilidade e de controle/normatização do tempo, conforme a seguir:

50 Refere-se à confissão e à comunhão, bem como à participação das festividades mencionadas, Natal e Ascenção

do Senhor; e entra neste item a visita à igreja da Pia União ou qualquer capela pública, desde que orassem pela extirpação das heresias e cismas, e pela exaltação da Igreja (RÖWER, 1953).

Se assistirem aos ofícios divinos, prédicas e outras devoções que se fazem nas reuniões hebdomadárias; Se assistirem às reuniões em que se tratar da admissão de alguma candidata, ou na eleição das Associadas para algum cargo, ou de negócios da Pia União; Se ouvirem Missa nos dias semanais ou úteis; Se visitarem o Santíssimo Sacramento e orarem à Santíssima Virgem e a Santa Inês, ao menos na sua habitação, não podendo ir à Igreja; Se recitarem os cinco salmos em honra do nome de Maria, ou a Coroa da Imaculada Conceição, ou três Ave Marias com um Padre Nosso em honra de Santa Inês; Se cantarem hinos em honra de Nossa Senhora, abstendo-se de cantos profanos; Se forem diligentes em fazer todos os dias a meditação, a leitura espiritual e o exame de consciência; Se praticarem as virtudes cristãs, principalmente a caridade, a pureza, a humildade e a obediência; Se desviarem o próximo do mal com salutares admoestações ou com orações; Se consolarem os aflitos e procurarem reconciliar os inimigos; Se, ao som do sino pela morte de alguma associada ou de qualquer fiel, rezarem por sua alma; Se acompanharem o enterro de alguma associada ou de qualquer outro fiel; Se visitarem os enfermos e encarcerados, ou derem alguma esmola aos pobres; Se usarem de particular modéstia no trajar, ou evitarem os bailes, teatros e outras reuniões clamorosas ou divertimentos perigosos; Se beijarem devotamente a medalha da Pia União. (RÖWER, 1953, p. 34-35).

O terceiro item das indulgências presente no Manual da Pia União das Filhas de Maria era referente às indulgências das estações. Neste ponto, as associadas eram orientadas a visitarem uma igreja da associação e, caso não pudessem estar presentes, o aconselhamento era de rezarem cinco pais nossos, cinco aves marias e cinco glórias ao pai, junto a qualquer oratório público. Essas indulgências das estações – isto é, de 10 anos ou plenária - eram concedidas nos seguintes dias, desde que confessassem e comungassem: domingos do Advento; têmporas do Advento; Vigília de Natal; Dia de Natal (com três missas); nos dias 26, 27 e 28 de dezembro; na circuncisão e na epifania do senhor; nos domingos da setuagésima, sexagésima e quinquagésima; na quarta-feira de cinzas e em todos os outros dias da quaresma; no domingo de Páscoa e nos dias dentro da oitava até o domingo da Páscoa; no dia de são Marcos - 25 de abril - e nos outros três dias de rogações; no dia da ascensão do senhor; na véspera do Espírito Santo; no domingo do Espírito Santo e em todos os outros dias dentro da oitava e nas têmporas de setembro.

Mary Del Priore (1993) aponta que a regulamentação do controle do cotidiano das pessoas estava atrelada, ao calendário anual. Havia uma grande necessidade de presidir a mulher, tornando-a obediente e submissa a todas as ordens, seja dentro de casa ou no seio da Igreja, por meio de suas datas comemorativas:

Advento, Natal, Quaresma, Páscoa e pelo ciclo santoral dos diferentes apóstolos, confessores. A Igreja fazia-se presente ainda em momentos da vida como o batismo, a eucaristia, o casamento, a extrema-unção, os funerais, a penitência e os demais gestos que acompanhavam o dia-a-dia das pessoas, do nascimento à constituição da família, da reconciliação à morte, da reza doméstica às celebrações coletivas. (DEL PRIORE, 1993, p. 28).

Por fim, havia as “indulgências pelos defuntos e privilégios”: aqui se especifica que todas as indulgências poderiam ser aplicadas em sufrágio pelos fieis defuntos, e as missas deveriam ser celebradas no altar da Pia União, agregada à primária, em favor das associadas falecidas. Além disso, neste mesmo item, é acordado que todos os diretores poderiam lucrar as mesmas indulgências que as associadas, desde que cumprissem com as condições impostas.

Ainda neste item, havia a descrição de que as medalhas deveriam ser bentas – por indulgência plenária, in articolo mortis (na hora da morte). Esta ordem foi estabelecida em 3 de abril de 1870, conforme documentos autênticos “pela Santa Congregação das Indulgências” (RÖWER, 1953, p. 37).

Ao final do estatuto, há uma nota, datada de 14 de fevereiro de 1906, descrevendo como devem proceder as pessoas que costumam receber a comunhão todos os dias – mesmo que se abstenham um ou dois dias na semana. “(...) Podem, com a comunhão que fizerem, e cumpridas as outras condições, ganhar todas as indulgências para as quais a comunhão é requerida, e não há prazo marcado para a confissão” (Ibidem, p. 38).