• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – A CONSTRUÇÃO SOCIORRELIGIOSA DE NOVA TRENTO

1.1.1 A questão da transplantação

A partir do que foi construído até o momento, é possível elucidar que em Nova Trento, bem como em muitas cidades pelo Brasil, a/o imigrante ali instalado tentou reproduzir seu padrão de cultura e religião em solo brasileiro. Transplantou, assim, seus costumes e suas crenças religiosas – especificamente a religião Católica Apostólica Romana, da Itália para o núcleo colonial que fora designado.

Tomando como base a Ciência da Religião, especificamente da relação entre religião e migração, contata-se que as tradições domésticas desses imigrantes – praticados em seu país

29 Renzo Maria Grosselli em entrevista à pesquisadora, no dia 07 de abril de 2018, bairro Centro, Nova Trento-

SC. A transcrição completa está no Apêndice C desta dissertação. NR: Todos os trechos citados neste texto têm como base o colóquio realizado com o sociólogo, no dia 07 de abril de 2018.

de origem – foram mantidas no exterior e contribuíram para a manutenção dessa religiosidade em solo brasileiro.

Além disso, conforme a teoria da transplantação de Michael Pye (2013), há um fator importante na disseminação de uma cultura religiosa em outras partes do globo: o desafio de se relacionar de maneira bem-sucedida com as condições encontradas nos novos horizontes culturais, que perpassa também pelas questões de comunicação social, língua, educação, ou seja, as dinâmicas da religião, como veremos logo à frente, que tiveram forte influência, também, com os padres da Companhia de Jesus instalados em Nova Trento.

Leva-se em consideração, do mesmo modo, “que a busca pelo enraizamento no país que recebe afeta não apenas os imigrantes propriamente ditos, mas também as gerações subsequentes”, como afirma Frank Usarski (2016, p. 79). O mesmo autor contextualiza que a língua materna e a herança familiar trazida e continuamente praticada no país anfitrião são elementos decisivos para a coexistência de segmentos culturais não-imediatos.

No caso de Nova Trento, o processo de transplantação religiosa envolveu, principalmente, o aspecto geográfico, do norte italiano para o Brasil. Mesmo se deparando com diferenças culturais e de língua no novo “lar”, neste caso o português, o imigrante manteve firme suas tradições, imitando o modelo trazido da Europa, reintroduzindo aqui a ideia de crença ou religião “correta”. Ficam evidentes os processos propostos por Michael Pye (2013): o contato, a confrontação, a ambiguidade, a recuperação e a inovação em solo brasileiro.

É interessante ressaltar que essas informações sobre transplantação já eram comentadas pelos próprios religiosos, no ano de 1889, em artigo divulgado em um jornal Trentino, intitulado Il Popolo Trentino. Uma parte do conteúdo está retratada na dissertação de mestrado da pesquisadora neotrentinas, Ivette Marli Boso:

No que diz respeito à religião, então, os nossos colonos estão muito pior que na nossa região; exceção é feita a Nova Trento, onde há vários anos existe uma casa de Missões de jesuítas da província romana. Por esta razão, Nova Trento pode se considerar um oásis feliz, onde graças ao espírito religioso daqueles excelentes missionários, o espírito religioso dos nossos trentinos é mantido vivo, a ponto de parecer uma das melhores localidades do Trentino lá (no Brasil) transplantada. (Il Popolo Trentino, de 29/06/1889, apud BOSO, 1992, p. 86-87).

Parece ver, até aí, que os padres e religiosas acreditavam em uma transplantação “ipsis litteris” – nos mesmos termos – em outro território geográfico. Porém, é de conhecimento que nem tudo se manteve exatamente igual às cidades de origem. Certamente eles tentaram reproduzir as capelas e oratórios, como citado no início desse capítulo, mas há que se destacar as mudanças do ambiente sociocultural, tendo em vista as adaptações da doutrina, as suas

práticas, a estrutura organizacional para atender as preferências e as necessidades da sociedade local. Provavelmente, nesse processo adaptativo, muitos elementos da identidade original foram enfraquecidos ou, até mesmo, perdidos, embora a própria comunidade religiosa tentasse amenizar ou “aparar” as arestas produzidas pela transplantação.

Renzo Maria Grosselli também trouxe em entrevista, que a base de sua pesquisa para o livro Vincere o Morire foi essa: mostrar como a sociedade camponesa se manteve fechada, conservadora, transplantando para as comunidades do Brasil os seus valores, muito bem alicerçados na religião católica:

Eles quiseram, então, desestruturar em pedaços a cultura camponesa daquele tempo, que era cultura católica, que se baseava em vários lemas – no qual a religião católica era central, para reconstruir tudo isso na América. (...) Digamos que, ao longo de um século, essas comunidades permaneceram com os maiores conteúdos culturais que foram transportados de lá.

Quando o sociólogo afirma “eles quiseram”, ele estava se referindo aos párocos (ou ao clero), que teorizaram e propuseram soluções e utopias para mover para a América esses valores cristãos. No livro Vencer ou Morrer (1987), ele conta em detalhes como esses padres – e, às vezes, a família toda desse sacerdote – partiam para a América “na consciente ou inconsciente esperança de poder transplantar na América a sociedade camponesa trentina com todos aqueles valores que aqui começavam a ser roídos pela penetração do capitalismo e pelas novas formas de organização social que consigo trazia” (GROSSELLI, 1987, p. 132). Além disso, o pesquisador pontua que o próprio clero Trentino transferiu virtualmente a custódia, em território americano, aos jesuítas italianos de Nova Trento, aos franciscanos alemães estabelecidos em Rodeio (no Alto Vale do Itajaí), e aos capuchinhos franceses, de Caxias do Sul (RS).

Eles, junto com os padres trentinos que emigraram, teriam substituído a intelectualidade católica que permanecera na pátria, teriam reconstruído uma classe dirigente aos camponeses dispersos nas florestas brasileiras e, mesmo, teriam procurado aperfeiçoar aquele “caminho para a santidade” que era e é, definitivamente, o mito último da ideologia católica (Ibidem, p. 133).

Veremos, logo mais à frente, como foi reconstruída essa nova cultura católica, em Nova Trento, com a ajuda dos padres da Companhia de Jesus, que estiveram junto aos imigrantes, desde o desembarque nos portos brasileiros. Para finalizar esta primeira parte, retratamos a seguir como ocorreu o contato com os povos originários, um capítulo significativo da história da construção desse município.

1.2 – O contato com os povos originários

Há poucos registros – entre os pesquisadores de Nova Trento – sobre a vida e os costumes dos povos originários que habitavam o município antes da chegada dos imigrantes, sejam eles italianos (e tiroleses), alemães e poloneses. Mas há informações de que, à medida que as colonas e os colonos se estabeleciam em seus lotes, aumentava o perigo de ataques desses povos. Muito provavelmente eles estavam protegendo o seu território – para eles, considerado sagrado – e, certamente, assustados pelo contato com pessoas de cor de pele diferente (brancas). Francisco Mazzola, na monografia que escreveu sobre o município, em 1925, faz algumas referências aos povos originários, que ele denominou como “bugres”. Este nome pode ter surgido de um explorador francês, que os tinha descrito como “búlgaros”, isto é, que não eram católicos, como explica Grosselli (1987, p. 345). Outra possibilidade quanto a esta denominação pode provir do nome dado ao “ribeirão dos bugres”, que corta o município de norte a sul. Posteriormente, este mesmo ribeirão passou a se chamar “Alferes”, em homenagem a um militar que liderou uma “caça aos bugres às beiras deste ribeirão” (MAZZOLA, 1925, p. 5-6), muito embora não haja vestígios desses povos às margens desse rio.

A palavra “bugre” foi empregada de forma pejorativa, apontando para aqueles que não se encaixavam no “conceito de civilização” trazido pelos colonos da Europa. Outros termos também usados eram pelos imigrantes eram: bugre-botocudo, selvagem, indígena, aborígene (CADORIN, 1992, p. 45).

Em Santa Catarina havia, naquela época, dois grupos de povos originários: os Tupis- Guaranis e o Jês. Estes últimos se dividiam em Kaigang e Xoklens, denominados também de botocudos, pois havia o costume de os homens colocarem os botoques, ou um tipo de “pratinho”, no lábio inferior (GROSSELLI, 1987, p. 368). Segundo relatos, eles não eram povos violentos. Avançavam, sim, mas para conseguir objetos de metal para as pontas das flechas e lanças, provavelmente para utilizar na caça, na busca de diversos alimentos e na defesa do seu território. Não pescavam, não eram agricultores, não conheciam a cerâmica. Cultivavam o milho, mas não há confirmações a este respeito (Ibidem, 1987). Sabiam mover-se com segurança, sem ao menos fazer um só ruído, mesmo em meio à vastidão da floresta. Além disso, eram hábeis em lidar com os animais, por exemplo, as cobras, e tinham conhecimento de como fugir de animais ferozes, como as onças – que habitavam frequentemente a região. Viviam em pequenos grupos, com 50 a 300 pessoas reunidas, sendo que durante o dia caçavam para se alimentarem e, durante a noite, recolhiam-se em seus ranchos e/ou abrigos.

Porém, a medida que a colônia se expandia – e os lotes eram demarcados – os ataques dos brancos contra povos originários se intensificaram. A intenção destes, acredita-se, era de defender o seu lugar sagrado e, quem sabe, amedrontar os colonos. Com o tempo, esses ataques passaram a ficar cada vez mais violentos. Famílias inteiras de colonos/colonas eram mortas. E, consequentemente, dezenas (centenas) de nativos também foram à morte. Na bagagem, o colono trouxe inúmeras armas de fogo30 que, provavelmente, foram utilizadas não só para matar animais, mas também para dizimar os povos que já habitavam essas terras.

Não demorou muito e as lideranças municipais (e os próprios colonos) solicitaram a presença de “bugreiros” ou “caçadores de índios” para a Província de Santa Catarina. Alguns ficaram até “conhecidos” em suas linhas, como foi o caso de “Martín Bugreiro”, cujo nome verdadeiro era Martinho Marcelino de Jesus (GROSSELLI, 1987). No livro Devote della Vergine (2017), um dos entrevistados, Luiz Bastiani contou como este capanga atuava em Nova Trento. “Esse Martín odiava índio [sic], porque eles mataram a mulher e a criança dele. Ele ficou tão revoltado que não podia ver índio. Andava de facão e cortava a cabeça deles. Fazia ‘arruaça’, como os colonos diziam” (FACCHINI, 2017, p. 27).

Mas, não apenas “Martín Bugreiro” agia com atrocidade em Nova Trento e toda a região. Há testemunhos de mulheres que também usaram da força para defender suas famílias, como foi o caso de Carolina Feller Dalri (Ibidem, p. 28). Com medo do “diferente” ou com certo receio dos arcos e das flechas que nunca vira, ela se impôs para proteger suas filhas e filhos. Ficou com remorso a vida toda, conforme os relatos dos familiares, por ter cometido tamanho ato de violência contra alguém que não conhecia.

Foram inúmeros massacres, explica Renzo Maria Grosselli (1987). Como “prova” dessas matanças, os capangas costumavam trazer os arcos, as flechas e alguns prisioneiros, geralmente as crianças. Estas eram entregues às autoridades ou ficavam com os comerciantes da região – muitas foram escravizadas. Até mesmo alguns botocudos foram enviados à Europa para serem expostos ao público, como se fossem “atração turística”. Outros, ainda, acabaram morrendo, e havia aqueles também que eram “civilizados” por famílias abastadas ou entregues a conventos de freiras, para serem “educados”.

Num certo momento, o Governo brasileiro, que parece nunca tenha sido o mandante direto dos massacres, procurou favorecer a catequização e consequente pacificação dos índios [sic]. Foram expedidos para as florestas alguns frades e alguns deles conseguiram aproximar grupos de nativos. Cansados, dizimados pelas batidas dos bugreiros e dos colonos, pela gripe e pelas bebidas alcoólicas trazidas pelos brancos,

30 Tenho um tio-avô (Luiz Dalri), que guarda até hoje a arma que meu trisavô, Casto Dalri, trouxe da Itália.

os índios praticamente decidiram render-se. Foi o fim de sua sociedade. (GROSSELLI, 1987, p. 372).

Grosselli conta ainda o caso de um “ex-bugreiro” que, “convertido” ao pacifismo chegou a aproximar um grupo de povos originários e ajudou os religiosos na “catequização”. Em livros e nos registros mais antigos – como estes do professor Francisco Mazzola - encontra- se a relação dos mortos e feridos entre os colonos e suas famílias. Não há informações precisas do número de pessoas dizimadas entre os nativos. E, não há dúvidas de que o mais “forte” prevaleceu, tendo em vista que praticamente não há informações sobre esses povos atualmente em Nova Trento – a maioria evita falar no assunto e/ou não conhece nada a respeito. Supõe-se que a imensa maioria foi morta ou migrou para outros lugares.

Há que se destacar que a grande maioria dos imigrantes rejeitava os nativos pelo fato de eles não acreditarem no Deus da Igreja Católica ou por considerarem eles como “seres inferiores”. Isso fica claro em um dos depoimentos do padre jesuíta Arcângelo Ganarini, um dos primeiros religiosos a atuar em Nova Trento, no final do século 19 e início do século 20. O relato dele está transcrito no livro do historiador Jonas Cadorin, que reproduzimos a seguir:

Estávamos a 525 metros sobre o nível do mar e descansamos uma hora. Ali nos veio encontrar uma turma de jovens robustos, todos eles também armados, para acompanhar-nos durante o resto da viagem dentro da mata virgem. Vendo isso, pensei novamente no meu canivete e não digo o quanto desejaria que se transformasse numa terrível durindana pendente de minha cintura e capaz de esquartejar sozinha uma dezena de índios [sic] se tivessem aparecido. (GANARINI, 1901, Impressioni di

Viaggio, apud CADORIN, 1992, p. 50-51).

Para Ganarini, a única solução para resolver a desarmonia entre aqueles povos era a “domesticação” ou “civilização” daqueles que ali estavam, como se o estilo de vida do branco fosse o melhor modo de viver. A própria Província destinava verbas para a “catequização dos selvagens”, mas muito poucas delas se concretizaram. Os arcos e as flechas cada vez mais foram sucumbidos, e os “civilizados” impuseram sua força com as armas de fogo – fossem elas provenientes do próprio núcleo familiar ou da ação dos “batedores” contratados.

1.3 – A construção de uma cultura religiosa em Nova Trento

Em Nova Trento quando uma criança nasce, faz-se a polenta e joga-se na parede. Se grudar vai ser pedreiro, se não vai ser padre. (Ditado popular)31

O ditado popular acima reflete bem o panorama da população neotrentina desde a sua fundação até os dias de hoje. O trabalho e a religiosidade sempre andaram juntos. Até hoje, Nova Trento é considerado um “celeiro de vocações”, devido ao grande número de muratori (pedreiros) e também pelo expressivo ingresso de pessoas em ordens religiosas e seculares. Até pouco tempo, eram raras as famílias que não tinham pelo menos um filho padre ou uma filha freira. O mesmo se aplica em relação aos pedreiros. Inúmeras famílias herdaram de seus antepassados o referido ofício e, não por acaso, dedicaram-se intensamente na construção de igrejas, capelas, oratórios e santuários espalhados pela cidade. Mas, de que forma esta forte religiosidade foi construída em Nova Trento e influenciou diretamente na fundação de diversas ordens religiosas, sejam elas leigas ou não?

Como já citado, o imigrante – tirolês e/ou italiano - trouxe de sua pátria de origem uma cultura enraizada na fé católica. Camponeses, em sua maioria, eram habituados a servir sem dificuldades uma autoridade, “fosse ela interna à família, a figura do pai patriarca, ou externa, o pai espiritual ou padre” (GROSSELLI, 1987, p. 343). Aqui, em solo brasileiro, reproduziram o tipo de sociedade em que tinham vivido na Europa. Não demoraram muito a começar a construir as capelas, sendo as primeiras delas feitas de madeira e cobertas de palha. Posteriormente, conforme eles foram se estruturando e conquistando seus próprios recursos, promoviam mutirões para restaurar ou reconstruir estes mesmos espaços com tijolos e cimento. Sim, eles mesmos dedicavam parte da sua rotina na construção dos templos religiosos e dispendiam os valores necessários para a edificação e a ornamentação do lugar, tudo de forma voluntária.

No início da colonização, entre 1875 e 1878, eventualmente um padre visitava a localidade de Nova Trento. Há registros de que, quando os imigrantes desembarcaram em Santa Catarina, o padre jesuíta João Maria Cybeo32 foi quem conduziu essa massa de imigrantes até os locais determinados. Porém, quem de fato atendia todo o Vale do Itajaí e arredores era outro sacerdote: padre Alberto Gattone33 (CADORIN, 1992, p. 55), que prestou assistência religiosa

32 Informações obtidas de PIAZZA (1977, p. 241): Nascido em 1839. Ordenado em 1868. Em 1873 esteve na

freguesia do Santíssimo Sacramento de Itajaí (SC), como pároco, e em Tijucas. Em 1875 em Lages. Em 1876 nas colônias italianas da cercania de Curitiba (Rondinha). De 1872 a 1879 na Colônia Blumenau, estando em 1878 em Ascurra e Rodeio. Em 1890 esteve no planalto norte-catarinense. Esteve em Nova Trento, de 05/01/1880 a 07/03/1925, como administrador do curato. Faleceu nessa cidade em 07/03/1925.

33 Era o padre Alberto Francisco Gattone. Nascido em 09/10/1834, em Schladen, Goslar, diocese de Hildesheim,

Alemanha, filho de João Gerard Gattone e de Ernestina Frederica Gericke. Ordenado em novembro de 1850. Trabalhou em Hanover, transferiu-se, depois, para o Brasil, residindo em Joinville (1860). Foi vigário de São Pedro Apóstolo do Alto Biguaçu (1836), Gaspar (1864 a 21/05/1867), Brusque (1867 a 1882), concomitantemente, Itajaí (1871 a 1874), Laguna, Vassouras (RJ). Capelão da Igreja da Glória, Rio de Janeiro. Morreu no Hospital de Nossa Senhora da Gamboa, Rio de Janeiro, a 28/01/1901, de acordo com PIAZZA (1977, p. 253).

nos primeiros quatro anos do processo migratório, juntamente com o padre Arcângelo Ganarini, seu coadjutor, também imigrante do Trentino (Itália). Eles atendiam toda a paróquia de São Luiz (Brusque), a qual compreendia Nova Trento. Em virtude da grande extensão da Colônia Itajaí e Príncipe Dom Pedro e pela dificuldade de acesso dentro da mata, as visitas eram raras. Estas aconteciam, especificamente, para realizar batismos, casamentos, bênçãos de residências ou para celebrar uma missa. Estes primeiros eventos foram realizados na Capela Santa Ágata, localizada no bairro Besenello, ou na Igreja dedicada a São Virgílio, no centro, ambas construídas em 1876, um ano após a chegada da primeira leva de imigrantes

Com as raras visitas apostólicas e a demora na construção das capelas, as colonas e os colonos promoviam celebrações em honra a seus santos de devoção em suas próprias residências ou em algum nicho improvisado em lugar de destaque. O culto geralmente era dirigido por algum membro da família que conhecesse as orações ou por alguém que possuísse um devocionário trazido na bagagem. Também estavam na lista de bagagem dos imigrantes os quadros ou imagens do santo padroeiro de sua vila de proveniência. Antonieta Cadorin Marchi (FACCHINI, 2017, p. 82-83) guarda até hoje o quadro de São José, que sua avó trouxe da Itália. O trabalho de formação religiosa junto às crianças, o cuidado com as capelas e o atendimento provavelmente esteve atrelado às mulheres. É possível afirmar que o papel feminino foi fundamental na formação dessa cultura religiosa em Nova Trento, embora muitas vezes isso não esteja evidente nos documentos da paróquia e nos livros de atas consultados para esta pesquisa, conforme destacado no último ponto desta dissertação.

Desta maneira, devido às raras visitas de sacerdotes, a figura do “sacristão” ou “sacristã” ou, conforme cita Grosselli, o “padre da floresta”, o “padre da capela” ou, ainda, o “capelão” surgiu quase espontaneamente (1987, p. 452). Era uma pessoa que sabia ler ou era considerada uma das mais cultas da comunidade. Segundo o sociólogo, “geralmente” era um homem, mas há registros de que houve uma capelã ou capelãs:

Em Besenello (bairro de Nova Trento) atuou com estas funções a “vécia Conci” (velha Conci), ao passo que outra fonte fala de uma “betta Slossera” (é possível que se trate da mesma pessoa). (GROSSELLI, 1987, p. 452).

Muito embora a historiografia tente convencer que a figura do capelão pertencia “quase sempre” a um homem, é possível acreditar que grande parte destas funções fossem executadas por uma mulher. Até porque esses mesmos homens, como já mencionado, estavam concentrados em trabalhos “laboriosos”, como a construção de estradas, pontes e casas,

restando para a figura feminina o trabalho apostólico e missionário, ensinando as crianças e os mais jovens a sua cultura e tradição religiosa.

Alocadas em suas casas ou em espaços estratégicos, entretinham as crianças com o catecismo ou a recitação do rosário em latim, geralmente defronte de algum pequeno altar ou oratório. A religião, então, era doméstica, como fora nos tempos primórdios, de acordo com Fustel de Coulanges (2005, p. 25). Ali, neste pequeno nicho, clamavam por proteção, pediam por chuva – em função da lavoura pela qual zelavam – rezavam pela solução de problemas de