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A participação de terceiros na constituição do Tribunal arbitral: em

Parte II A arbitrabilidade dos litígios em Direito Público: em especial em Direito

1. Arbitrabilidade

1.1. Conceito: enquadramento geral

2.1.6.1. Fase preliminar do processo arbitral: da sua constituição

2.1.6.1.1. A participação de terceiros na constituição do Tribunal arbitral: em

A intervenção de terceiros na formação do Tribunal arbitral é uma novidade introduzida

com a reforma 2002/2004(361). O compromisso arbitral, só poderá ser outorgado relativamente a

matérias em que existam terceiros contra-interessados, se estes o aceitarem(362). Como refere

MANUEL CARAMELO SAMPAIO(363) a definição das matérias arbitráveis dependerá, também, da

intrínseca dificuldade do mecanismo afectar terceiros que não estão vinculados pela convenção

de arbitragem(364). Assim também entendeu o legislador ao tornar a arbitrabilidade de alguns

litígios dependentes do assentimento dos contra-interessados.

(360) Vide, artigo 11.º da LAV, aplicável ex vi artigo 181.º, n.º 1 do CPTA.

361 Refira-se que na Proposta de nova LAV (Proposta de Lei n.º 22/XII) vêm consagradas regras para os casos em que existam uma pluralidade de demandantes e/ou demandados. Com efeito, pode ler-se na respectiva exposição de motivos que ―Ainda a respeito da constituição do tribunal arbitral, definiu-se o modo como este se processa no caso de arbitragens com pluralidade de demandantes e/ou de demandados, adaptando-se uma solução que tem sido acolhida em leis estrangeiras mais recentes e nalguns regulamentos muito utilizados em arbitragens internacionais‖.

(362) Vide, artigo 180.º, n.º 2 do CPTA.

(363) Vide, Caramelo, António Sampaio, ―Critérios…, pág. 132.

(364) Esta é uma análise que merece especial atenção quando nos situamos no domínio de matérias de Direito Administrativo e de

Direito Tributário. Isto, dado o interesse público inerente a ambos os ramos do direito. Com efeito, ainda que indirectamente, todos podemos ser afectados pelas decisões dos árbitros. Ainda assim, como veremos, não é motivo para afastar a arbitragem em matéria de Direito Administrativo e Tributário, contudo, é motivo mais do que suficiente para fazer depender a arbitragem que incida sobre estas matérias de algumas regras especiais face às arbitragens de Direito privado.

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Esta nova regra ―traduz a relevância crescente das relações jurídicas administrativas

multilaterais‖(365) e que vai de encontro à tendência, do Código de Processo nos Tribunais

Administrativos, de protecção dos terceiros na relação jus-administrativa multilateral(366). Neste

contexto, não é de estranhar que a tutela dos contra-interessados se estenda à arbitragem(367),

pois impõe-se obstar a que o recurso a árbitros possa ser ―utilizado pelas partes para se

subtraírem à intervenção no litígio dos eventuais contra-interessados‖(368). Além disso, esta foi

certamente uma forma de o legislador contornar as dificuldades que a doutrina vinha apontando

à articulação da arbitragem com a protecção de terceiros contra-interessados(369).

Não obstante o apreço que merece a solução legal esta peca por defeito não estando isenta de dúvidas e incertezas.

Com efeito, o legislador não consagrou um conceito especial de contra-interessados em matéria de arbitragem lançando a dúvida sobre o âmbito dos litígios em que aqueles serão obrigados a intervir, isto é, se a sua intervenção se circunscreve a litígios respeitantes a actos administrativos, ou se estende a todos os litígios em que haja titulares de interesses contrapostos aos do autor. Na doutrina existem argumentos em ambos os sentidos:

(i) No primeiro sentido concorre a utilização pelo preceito dos conceitos técnicos

específicos de contra-interessados, previsto no artigo 57.º e 68.º n.º 2 do CPTA(370) e

de compromisso arbitral, com a exclusão do conceito de cláusula compromissória(371).

(ii) No segundo sentido, concorre:

a. A disposição geral do artigo 10.º n.º 1 do CPTA(372) que obriga a que numa acção

relativa a um contrato administrativo devam participar todos os terceiros com

(365) Vide, Oliveira, Ana Perestrelo de, Arbitragem… cit. pág. 75.

(366) A este respeito, veja-se, nomeadamente, o artigo 10.º, n.º1 do CPTA que estabelece que as pessoas ou entidades titulares de

interesses contrapostos aos dos autores, devem ser demandadas na acção e, em especial, no âmbito da acção administrativa especial o artigo 57.º do CPTA que estabelece que devem obrigatoriamente ser demandados os contra-interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham um interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e o artigo 68.º. n.º 2 que estabelece que devam obrigatoriamente ser demandados os contra-interessados a quem a prática do acto omitido possa eventualmente prejudicar ou que tenham interesse legítimo em que o acto omitido não seja praticado.

(367) A respeito da protecção conferida aos contra-interessados, escreve PAULO OTERO que ―o funcionamento efectivo de todo o

regime dos Tribunais arbitrais se encontra condicionado a um elemento: a existência de contra-interessados, salvo se aceitarem o compromisso arbitral, pode obstar a que seja constituído tribunal arbitral‖ (Vide, Otero, Paulo, A legalidade… cit. pág. 1059.)

(368) Vide, Almeida, Mário Aroso de, O Novo… cit. pág 406.

(369) A este respeito, veja-se Claro, João Martins, ―A arbitragem… pág. 84 e Leitão, Alexandra, A Protecção… págs. 403 a 405.

(370) Veja-se a nossa parte II, § 2.º, ponto 2, sub-ponto 2.1.6.1.1., nota de rodapé n.º 366.

(371) Neste sentido e apresentando estes argumentos, Almeida, Mário Aroso de e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, Comentário… pág.

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interesses contrapostos ao do autor, não se visualizando uma razão válida para que uma menor tutela seja reconhecida a estes terceiros em sede arbitral; b. O facto de esta ser a solução que melhor se articula com a tutela que o

legislador concede aos contra-interessados no contencioso administrativo(373);

c. Em nosso entendimento, poderá, ainda, acrescentar-se que o facto de que a protecção ao terceiro contra-interessado cingir-se ao compromisso arbitral nada impede que no domínio da contratação pública, embora a regra seja a cláusula compromissória, que as partes optem pelo compromisso arbitral.

Outra dúvida e incerteza coloca-se em relação ao modo de identificação, no universo dos contra-interessados, daqueles que têm legitimidade para intervir processualmente e em relação à forma como será feita a sua notificação, bem como, os efeitos dela decorrentes. Quanto à sua identificação alguma doutrina tem entendido que aqueles já deverão estar identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo,

na sua eventualidade(374). Quanto à notificação tem-se entendido que esta caberá à parte que

ocupará o lugar da posição de autor e a forma de notificação será a mesmo que é utilizada para

a notificação da parte contrária(375). Problema bastante complexo(376) é o de é o de saber, na falta

de regulamentação legal, qual o prazo de dispõe o contra-interessado para responder à notificação e os efeitos decorrentes do seu silêncio. No que respeita ao prazo de resposta pode

entender-se que nada obsta a que a parte interessada possa fixar um prazo de resposta(377). Já no

que respeita aos efeitos decorrentes da falta de resposta do contra-interessado dois entendimentos têm sido avançados na doutrina:

(i) Tendo os contra-interessados sido notificados para aceitarem o compromisso arbitral e se nada disserem, deve considerar-se que, uma vez respeitado o princípio do contraditório e os mesmos não quiserem exercer os seus direitos em sede arbitral, o

Tribunal arbitral será constituído(378);

(373) Neste sentido e apresentando estes argumentos, Esquível, José Luís, Os Contratos… pág. 268 e 269. Neste sentido também

Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 76.

(374) No sentido proposto por Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77, nota de rodapé n.º 242; Almeida, Mário Aroso de e

Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, Comentário… pág. 1150.

(375) No sentido proposto por Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77, nota de rodapé n.º 242. Em termos aproximados veja-se

também, Esquível José Luís, Os Contratos… pág. 270.

(376) Assim o descreve Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77, nota de rodapé n.º 242.

(377) No sentido proposto por Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77, nota de rodapé n.º 242.

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(ii) Tendo os contra-interessados sido notificados para aceitarem o compromisso arbitral e se nada disserem, o Tribunal arbitral não poderá constituir-se, pois não pode

prescindir-se da sua aceitação expressa ou tácita da convenção de arbitragem(379);

Finalmente, outra dúvida reside em saber quais os poderes dos contra-interessados quanto à composição e fixação das regras de funcionamento do Tribunal arbitral. No que a este aspecto diz respeito, alguma doutrina tem entendido que não lhes pode ser vedado a possibilidade de designarem os árbitros, bem como, de intervir na definição das regras

processuais da arbitragem(380), conduzindo ao problema ―da redacção de um compromisso

arbitral que seja capaz de congregar os diversos interesses em presença‖(381). Nesta situação,

convocando, alguma doutrina, as regras da arbitragem multipartes, duas hipóteses podem ser

admitidas(382):

(i) Manter-se a estrutura da convenção de arbitragem desde que as posições de todas as partes envolvidas sejam reconduzíveis a dois únicos interesses antagónicos, tudo

funcionando como se existem apenas duas partes(383);

(ii) Quando a primeira hipótese não seja possível, será necessário corrigir a estrutura binária da convenção, passando pela intervenção dos Tribunais do Estado, designadamente, para efeitos de nomeação dos árbitros, por forma a garantir a imparcialidade do Tribunal arbitral e a igualdade entre as partes.

Concordamos com JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL quando refere que a arbitragem

institucionalizada(384) poderá ―constituir um instrumento valioso‖(385) no domínio das relações jus-

(379) No sentido proposto por Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77 e 78, nota de rodapé n.º 242.

(380) No sentido proposto por Oliveira, Ana Perestrelo, Arbitragem… pág. 77 e 78, nota de rodapé n.º 242.

(381) Vide, Esquível José Luís, Os Contratos… cit. págs. 270.

(382) No sentido proposto por JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL, seguindo a opinião da Autora LAURA SALVANESCHI (Vide, Esquível, José Luís, Os

Contratos… págs. 270 e 271).

(383) Assim se procede na Proposta de lei para a nova LAV. Com efeito no artigo 11.º da potencial nova LAV prevê-se, em suma, que

em caso de pluralidade de demandantes ou de demandados, e devendo o Tribunal arbitral ser composto por três árbitros, os primeiros designarão conjuntamente um árbitro e os segundos designarão conjuntamente outro. Caso os demandantes ou os demandados não cheguem a acordo sobre o árbitro que lhes cabe designar, caberá ao Tribunal estadual competente, a pedido de qualquer das partes, fazer a designação do árbitro em falta. Neste último caso, poderá o Tribunal estadual, se se demonstrar que as partes que não conseguiram nomear conjuntamente um árbitro, têm interesses conflituantes relativamente ao fundo da causa, nomear a totalidade dos árbitros e designar de entre eles quem será o presidente, ficando nesse caso sem efeito a designação do árbitro que uma das partes tiver entretanto efectuado. Tudo isto sem prejuízo do que haja sido estipulado em convenção de arbitragem para o caso de arbitragem com pluralidade de partes.

Vindo a aprovar-se a proposta de Lei, nestes precisos termos, a nova LAV poderá colmatar algumas das dúvidas que colocámos a respeito da participação dos contra-interessados na arbitragem em matéria administrativa, designadamente quanto ao modo de escolha dos árbitros.

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administrativas em que existam contra-interessados, se os centros de arbitragem que a lei admite que venham a ser criados, vierem a consagrar ―mecanismos específicos destinados a resolver, sem desconsiderar a celeridade e demais vantagens que caracterizam a arbitragem, a

intervenção dos contra-interessados‖(386).