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Entende-se, geralmente, por natureza jurídica da arbitragem a sua recondução ―a um conceito da ciência jurídica (construção), designadamente aos conceitos de contrato e de

jurisdição‖(118). Segundo o LUIS LIMA PINHEIRO, a determinação da sua natureza jurídica depara-

se com duas ordens de dificuldades. A primeira relaciona-se com a conformação jurídica da arbitragem interna, em relação ao ordenamento jurídico em que esta se insere, o que pode ser

relevante para a resolução de questões relacionadas com a sua natureza jurídica(119). A segunda

contende com o facto das questões relacionadas com a natureza jurídica, serem tradicionalmente colocadas com respeito a um instituto jurídico ou a uma relação jurídica. No caso da arbitragem, a determinação da sua natureza jurídica não tem em vista o mecanismo

como um instituto jurídico(120), mas como um actividade ou processo com o qual se visa a

obtenção de um determinado fim.

A questão não é consensual e são normalmente três as correntes tradicionais que se

debatem a natureza jurídica da arbitragem(121).

(118) Vide, Pinheiro, Luís Lima, Arbitragem…cit. pág. 181.

(119) Na maioria dos ordenamentos jurídicos estrangeiros, aos quais faremos referência ao longo desta dissertação, a regulação da

arbitragem não apresenta diferenças significativas que se projectem no plano da natureza jurídica da arbitragem.

(120) Na verdade, nem mesmo a noção da arbitragem enquanto instituto jurídico é consensual. Por exemplo, MANUEL PEREIRA

BARROCAS, contrariamente a CHARLES JARROSSON que a designa como uma instituição, prefere a expressão modo, devido à existência de duas modalidades de arbitragem – ad hoc e institucional (Vide, Barrocas, Manuel Pereira, Manual…, pág. 31, em especial nota de rodapé n.º 1).

(121) MANUEL PEREIRA BARROCAS faz ainda referência a uma tese autonomista. Segundo o Autor esta é uma tese que coloca o acento

tónico na independência da arbitragem em relação ao Estado, principalmente da arbitragem comercial internacional. Em suma, os defensores desta corrente afirmam que a arbitragem tem uma natureza claramente processual, nascida de um negócio jurídico próprio que é a convenção de arbitragem; esta, no entanto, não deve ser encarada como um verdadeiro contrato que impõe às partes obrigações específicas e o direito a uma prestação. Como refere e bem MANUEL PEREIRA BARROCAS, ao reduzir a arbitragem a um mero negócio jurídico processual esta tese ao afastar-se da tese contratualista, não explica as obrigações que decorrem da convenção de arbitragem para ambas as partes e, por outro lado, ao afastar-se da tese jurisdicionalista, não explica a coercibilidade da decisão arbitral (Vide, Barrocas, Manuel Pereira, Manual…, pág. 42 e ss)

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Em primeiro lugar, identifica-se uma corrente jurisdicional. Esta assenta no entendimento de que a arbitragem tem natureza judicial, dado que os árbitros se equiparam aos juízes do Estado. Deste modo, é também ao Estado que cabe controlar e regular todo o mecanismo arbitral, desempenhando, assim, os árbitros uma verdadeira função estadual. Os defensores desta correntes assentam no pressuposto de que o Tribunal arbitral só existe na medida em que a Lei do Estado em que se insere o permita, sendo que a única diferença entre o juiz e o árbitro reside no facto de o primeiro receber o seu poder directamente da soberania, ao passo que o segundo, recebe igualmente aquele poder da soberania, no entanto, a sua nomeação é da competência das partes interessadas. Acolher esta corrente será admitir, em

última instância, uma judicialização da arbitragem. Esta tese é sustentada normalmente pelas

vozes mais tradicionais, que negam o exercício da função jurisdicional por orgãos que não sejam estaduais e que não admitem uma quebra no monopólio estatal da actividade jurisdicional.

Em segundo lugar, identificamos, uma corrente contratualista que assenta no pressuposto de que a arbitragem tem natureza contratual. Nesta acepção a arbitragem é um verdadeiro negócio jurídico que decorre única e exclusivamente da vontade das partes. Segundo os precursores desta corrente o Estado não tem qualquer controlo sobre o mecanismo arbitral, pelo que só é verdadeira arbitragem a que resulta daquela vontade. A intervenção do Estado, nomeadamente, quanto à execução da sentença arbitral, reveste uma natureza meramente acessória que em nada se confunde com a essência da arbitragem. Numa variante mais radical desta corrente, a arbitragem nada mais é do que uma forma de emanação indirecta da vontade das partes, delegada no árbitro, e cuja decisão é executada, não como se de uma sentença se tratasse, mas como um mero contrato.

Por fim, é possível identificar uma corrente mista ou híbrida que conjuga elementos de

cada uma das correntes supra expostas. Os seus precursores defendem que quanto à sua

origem, a arbitragem aproxima-se mais da corrente contratual, na medida em que tem como berço uma convenção, um acordo de vontades, mas, quanto aos seus efeitos, recolhe influências da corrente jurisdicional, dado que a sentença arbitral tem força de caso julgado e tem o mesmo valor jurídico de uma sentença de um Tribunal de primeira instância.

Atendendo a que na doutrina, maioritariamente, a natureza jurídica da arbitragem é analisada tendo por referência apenas as três teses referidas e uma vez que esta tese tem ganho alento sobretudo ao nível da natureza jurídica da arbitragem comercial internacional e reportando-se o nosso estudo à arbitragem interna, optamos por exclui-la da nossa análise principal.

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Do nosso ponto de vista, é a corrente mista que melhor explica, pelo menos à luz do

nosso ordenamento jurídico, a natureza jurídica da arbitragem(122). Com efeito, no ordenamento

jurídico Português, tendo em atenção o disposto no artigo 1.º n.º 1 da LAV,que impõe como

pressuposto da arbitragem a existência de uma convenção entre as partes e o artigo 26.º da LAV que confere força de caso jugado e força executiva à decisão arbitral, conjugando-os com os artigos 202.º e 209.º n.º 3, ambos da CRP, quer nos parecer que esta será a corrente que melhor explica a natureza jurídica da arbitragem.

(122) Neste sentido também aponta MANUEL PEREIRA BARROCAS quando sustenta que ―A tese mista coloca no seu lugar actual a