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Parte II A arbitrabilidade dos litígios em Direito Público: em especial em Direito

1. Arbitrabilidade

1.1. Conceito: enquadramento geral

2.1.7. A novidade: a modalidade de Arbitragem institucionalizada

2.1.7.2. O Centro de Arbitragem Administrativa

2.1.7.2.6. Processo arbitral institucional

Embora o Regulamento de Arbitragem não use essa terminologia, podemos identificar uma fase preliminar do processo arbitral, pela qual se opera a constituição do Tribunal arbitral.

Na petição inicial, a que nesta fase nos parecerá mais adequado chamar de

requerimento de constituição do Tribunal arbitral, o interessado que manifeste vontade em resolver o litígio por via do Tribunal arbitral deverá indicar:

a) O instrumento de vinculação(507);

b) Os eventuais contra-interessados que possam existir(508);

Havendo contra-interessados, o Centro promove as diligências de informação e esclarecimento necessárias junto deles para que possam, de modo expresso e esclarecido manifestar a sua vontade, ou não, quanto à celebração do compromisso arbitral. Estes deverão ser informados das disposições contidas no Regulamento do Centro, da identificação do demandante, do objecto de litígio e de quaisquer outras informações de que devam ser esclarecidos. Se destas diligências não resultar compromisso arbitral, o Centro declara-se

incompetente e disso informará o demandante(509). A este respeito, refira-se a preocupação do

Centro com o envolvimento dos contra-interessados, que se manifesta quer na obrigação do demandante os identificar obrigatoriamente, quer na consagração da necessidade do consentimento expresso e esclarecido daquele em relação ao compromisso arbitral, reforçando o papel importante que, em nosso entendimento, a arbitragem institucionalizada poderá ter a este nível.

Ainda nesta fase, e quando não exista instrumento de vinculação, o Regulamento de Arbitragem prevê que qualquer das partes possa requer ao Centro que diligencie junto da parte

(506) Por exemplo, numa acção em que alguém reclame o pagamento de uma indemnização de 5.000€ por incumprimento de um

contrato num Tribunal administrativo, cada parte deverá pagar 240€, a título de taxa de justiça inicial e subsequente, já no CAAD, pelo mesmo pedido, cada parte pagará cerca de 100€.

(507) Vide, artigo 8.º, n.º 2 do Regulamento de Arbitragem.

(508) Vide, artigo 15.º, n.º 1 do Regulamento de Arbitragem.

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contrária e dos eventuais contra-interessados a respectiva vontade, ou não, em subscrever um compromisso arbitral. O Regulamento de Arbitragem adopta aqui o termo requerimento, sendo que a parte interessada nele deverá identificar a parte contrária, os eventuais contra-interessados e descrever sumariamente o objecto do litígio. Recebido o requerimento, o Centro encarregar-se- á de promover as respectivas diligências de informação e esclarecimento junto das pessoas indicadas pelo demandante. Não obtido o compromisso arbitral, ou havendo-o e existam contra- interessados que não o aceitem, o Centro declara-se incompetente. Obtido o compromisso

arbitral, dar-se-á início ao processo administrativo arbitral, stricto sensu, equivalendo, parece-

nos, este requerimento de constituição do tribunal arbitral, à petição inicial daquele processo(510).

Com efeito, obtido o compromisso arbitral proceder-se-á à citação e começará a contar o prazo

de contestação(511), não referindo o regulamento nenhum prazo para o demandante apresentar

uma petição inicial, podendo, na eventualidade de faltar algum elemento, completá-la(512).

É também nesta fase que as partes acordarão quanto à composição singular ou

colectiva do Tribunal arbitral nos termos supra referidos(513).

2.1.7.2.6.2. Processo administrativo arbitral, stricto sensu 2.1.7.2.6.2.1. Princípios

No seu Regulamento de Arbitragem, o Centro consagra um conjunto de princípios fundamentais, pelos quais se deve reger toda a sua actuação. Estes princípios são uma

densificação dos princípios que referimos, supra, aquando da abordagem ao processo

administrativo arbitral em geral. Desde modo, o processo de administrativo arbitral que o centro coloca à disposição dos seus utilizadores deverá obediência aos seguintes princípios

fundamentais(514):

a) Princípio da aplicação do Direito Constituído: o Tribunal arbitral do Centro julgará unicamente através da aplicação do direito constituído. A manifestação deste princípio é visível no artigo 24.º do Regulamento de Arbitragem que dispõe

(510) A este respeito veja-se a nossa Parte II, § 2.º, ponto 2, sub-ponto, 2.1.7.2.6.2.2.

(511) Vide, 16.º, n.º 6 do Regulamento de Arbitragem.

(512) Neste sentido parecem apontar as palavras de JOÃO TABORDA DA GAMA, quando refere que nestes casos ―o Centro iniciará

diligências e, depois de obtido o compromisso arbitral, começam a correr os prazos para a contestação‖ (Vide, Gama, João Taborda da, ―Primórdios da Jurisprudência Arbitral do Centro de Arbitragem‖ in Mais Justiça Administrativa e Fiscal, org. Nuno de Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2010, págs. 47 a 57, em especial cit. pág 53).

(513) A este respeito, veja-se a nossa Parte II, § 2.º, ponto 2, sub-ponto 2.1.7.2.5.1.

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expressamente que ―o árbitro julga apenas segundo o direito constituído‖. Afasta-se, assim, a possibilidade de um julgamento segundo a equidade e, deste modo, todos

os problemas e dúvidas que colocamos supra(515) a respeito da decisão segundo este

critério. Deixa-se, assim, ao árbitro a escolha das normas positivas que em seu entendimento devem conformar juridicamente o litígio.

b) Princípio da igualdade: o Regulamento de Arbitragem consagra um processo que visa dar cumprimento à impreterível igualdade das partes no processo. Uma manifestação deste princípio é visível nas disposições em que o regulamento consagra direitos processuais idênticos para ambas as partes. A título de exemplo, vejam-se o artigo 15.º, n.º 3 do Regulamento de Arbitragem que consagra que ―qualquer das partes pode modificar ou completar a sua petição ou contestação no decurso do processo arbitral‖ (negrito nosso) e o artigo 18.º, n.º 5 do mesmo diploma que consagra de modo igual a cada parte a possibilidade de ―apresentar um máximo de três testemunhas, salvo em casos de especial complexidade, em que o limite máximo pode ser elevado até ao dobro‖.

c) Princípio do contraditório: a estreita observância deste princípio é visível em várias disposições do Regulamento de Arbitragem. A título meramente exemplificativo vejam-se o artigo 15.º n.º 1 que consagra o direito de defesa do demandado e o artigo 18.º, n.º 6 no qual dispõe claramente que ―O tribunal arbitral pode ordenar, por sua iniciativa ou a requerimento de uma ou de ambas as partes, com observância do princípio do contraditório, a realização das diligências probatórias que entender convenientes‖.

d) Princípio da independência e imparcialidade dos árbitros: a este respeito, já referimos a importante actuação do Conselho Deontológico, para o efeito de dar consagração a este princípio, controlando e fiscalizando a actividade dos árbitros, nomeadamente, através da aprovação do Código Deontológico. Com efeito, o artigo 28.º do Regulamento de Arbitragem garante o seu cumprimento, remetendo a definição do regime das garantias de independência e de imparcialidade para o referido Código.

e) Princípio da cooperação e da boa fé processual: uma manifestação deste princípio é particularmente visível no modo de actuação processual, na eventual existência de

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contra-interessados. A este respeito, é particularmente importante o artigo 17.º do Regulamento de Arbitragem, quando dispõe que ―havendo contra-interessados, o centro promove as diligências de informação e esclarecimento junto deles, para que possam de modo expresso e esclarecido, manifestar a sua vontade quanto à celebração do compromisso arbitral‖. A manifestação do princípio em análise é ainda visível no artigo 22.º, n.º 3 do Regulamento de Arbitragem, ao dispor que ―A falta de envio do processo administrativo, quando exista, não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pela parte contrária se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade‖ (negrito nosso).

f) Princípio de incentivo à utilização dos meios de resolução alternativa de litígios no âmbito da impugnação administrativa: o Centro dispõe de serviços de consulta e mediação que podem ser utilizados ainda na fase administrativa do litígio, ou densificando, no âmbito do procedimento de impugnação administrativa. O sentido deste princípio será o de quando tais serviços sejam utilizados, o Centro procurará a resolução do litígios através desses meios, ou quando tal se torne inviável, através do recurso ao Tribunal arbitral em detrimento dos Tribunais comuns.

g) Princípio da celeridade: este princípio manifesta-se em várias normas do Regulamento de Arbitragem consagrando prazos relativamente curtos para a prática de actos processuais. Por exemplo, o artigo 14.º, n.º 5 que consagra um prazo supletivo de cinco dias para a prática de qualquer acto processual; o artigo 16.º, º 1 que estipula um prazo de dez dias ao demandado para exercer a sua defesa e, ainda, o artigo 25.º, n.º1 que consagra um prazo de máximo de seis meses de duração do processo arbitral.

h) Princípio da utilização preferencial de meios informáticos: o centro dá preferência à tramitação processual electrónica. Uma manifestação deste princípio é visível, por exemplo, no artigo 12.º do Regulamento de Arbitragem que estipula como regra que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes sejam apresentados por via electrónica e, também, no artigo 14.º n.º 2 do mesmo diploma que manda que os actos de notificação sejam efectuados sempre que possível através de correio electrónico;

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i) Princípio da fixação de encargos processuais em valor tendencialmente inferior ao previsto no Regulamento das Custas Processuais para processos de idêntica natureza e valor: este princípio é particularmente importante, na medida em que o Centro procura consagrar um processo verdadeiramente alternativo aos Tribunais comuns. Este é um princípio cuja relevância é afirmada pelo Protocolo assinado entre o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o CAAD, no qual este se compromete a garantir um regime de encargos processuais tendencialmente inferior ao dos Tribunais do Estado. A importância da consagração de um princípio com esta natureza pode analisar-se sob três pontos de vista diferentes:

i) Do ponto de vista do Centro que não tem interesse em consagrar uma justiça excessivamente cara e acessível apenas a algumas pessoas, já que deste modo poderá reduzir substancialmente o seu número de utilizadores;

ii) Do ponto de vista das partes, particularmente do lado do privado, já que o custo será certamente um factor de peso no momento da sua escolha;

iii) Do ponto de vista do interesse público, já que estamos no domínio de litígios que, directa ou indirectamente, contendem com o dinheiro público, interessando ao erário público que os litígios que envolvem a Administração Pública, não comportem um peso excessivo e superior ao que seria devido se a opção fosse o meio de justiça tradicional.

2.1.7.2.6.2.2. Tramitação

Em termos muito gerais, no processo administrativo arbitral, pode caracterizar-se como sendo um processo misto, ―na medida em que o mesmo aparece articulado com outra formas

de resolução de litígios como a mediação e a transacção‖(516) e nele podem identificar-se cinco

momentos essenciais:

i) Petição inicial: o interessado que pretenda instaurar um processo arbitral no CAAD, deverá apresentar a sua petição inicial – que na fase preliminar equivale àquilo que chamamos de requerimento de constituição do Tribunal arbitral – na qual enunciará o pedido e os factos que o fundamentam, indicando o valor da causa, bem como, os documentos e meios de prova que poderá vir a apresentar, devendo juntar:

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a. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa que corresponde aos factos argumentos – sem prejuízo de apresentação posterior mediante o pagamento de uma multa, ou, caso se prove que não foi possível a sua apresentação com a petição inicial;

b. Qualquer outro documento que considere pertinente.

Sem prejuízo da sua possível rectificação ou aperfeiçoamento, o Centro recusa o

recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da recusa,

quando haja omissão da identificação das partes ou de qualquer um dos elementos

acima referidos517.

ii) Contestação: o demandado e os eventuais contra-interessados dispõe de um prazo de dez dias para deduzirem a sua defesa, devendo mencionar todos os documentos e meios de prova que poderão vir a apresentar, devendo juntar:

a. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da defesa que corresponde aos factos argumentados – sem prejuízo de apresentação posterior mediante o pagamento de uma multa, ou, caso se prove que não foi possível a sua apresentação com a contestação;

b. Qualquer outro documento que considere pertinente;

c. Apresentar o original do processo administrativo, quando exista, bem como, todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentor.

A falta de contestação, não impede que o processo prossiga, mas também não tem como cominação a aceitação dos factos alegados pelo demandante, sendo que o

demandado poderá deduzir reconvenção, desde que devidamente discriminada(518).

iii) Resposta à reconvenção: se tiver sido deduzida reconvenção, o demandante dispõe de cinco dias, a contar da data de notificação da contestação, para responder à

reconvenção(519);

iv) Tentativa de mediação: findo o prazo para a apresentação da contestação o Centro convida as partes para a resolverem o litígio através da mediação, sendo que, no prazo de dois dias, se as partes nada disserem considera-se rejeitado o convite para a fase de mediação; esta é, portanto, uma fase eventual com a qual se visa um

(517) Vide, artigos 15.º e 18.º, n.º 2, 3 e 4 do Regulamento de Arbitragem.

(518) Vide, artigos 15, 16.º e 18.º n.º 2, 3 e 4 do Regulamento de Arbitragem.

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acordo que ponha termo ao processo, sendo que, na eventualidade de as partes aceitarem o convite à mediação e se frustrar a obtenção do acordo, o processo

arbitral prosseguirá os seus termos(520);

v) Instrução: esta é a fase da produção de prova e através da qual o Tribunal arbitral forma a sua convicção. O Tribunal arbitral pode ordenar, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer uma ou de ambas as partes, a realização das diligências

probatórias que entender necessárias(521). Sem prejuízo da audição prévia das partes,

cabe ainda ao Tribunal arbitral decidir se deverão ser realizadas audiências para a produção de prova ou se o processo será conduzido apenas com base em

documentos e outros elementos de prova(522). Sendo realizada audiência de

julgamento é lavrada uma acta da qual deverá constar(523):

a. A assinatura do árbitro;

b. A identificação das partes e dos restantes intervenientes (por exemplo, testemunhas);

c. Caracterização sumária do litígio d. Decisão devidamente fundamentada.

Até ao final da audiência as partes poderão conciliar-se terminando o processo por transacção, que também será devidamente lavrada em acta e homologada pelo

árbitro, revestindo o valor de sentença(524). Esta característica do processo deve

―merecer particular atenção dada a natureza indisponível de algumas matérias e as limitações das partes para efeitos transaccionais, o que exigirá da parte do árbitro

uma análise particularmente atenta antes da respectiva homologação‖(525).

vi) Decisão: finda a produção de prova o Tribunal arbitral decide o litígio em dez dias, sendo que no todo a decisão arbitral deverá ser proferida no prazo máximo de seis

meses(526) a contar da constituição do Tribunal arbitral, que é determinada pela

aceitação do encargo pelo árbitro, ou, no caso de Tribunal colectivo, após a

(520) Vide, artigo 20.º do Regulamento de Arbitragem.

(521) Vide, artigo 18.º, n.º 6 do Regulamento de Arbitragem

(522) Vide, artigos 18.º e 21.º do Regulamento de Arbitragem.

(523) Vide, artigo 23.º, n.º 2 do Regulamento de Arbitragem.

(524) Vide, artigo 21.º, n.º 4 do Regulamento de Arbitragem.

(525) Vide, Esquível, José Luís, ―A Arbitragem… cit. págs. 128 e 129.

(526) NUNO DE VILLA-LOBOS informa-nos que em média, o tempo médio de resolução dos litígios que entretanto foram submetidos ao

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aceitação do último árbitro. As partes são notificadas da decisão por cópia, devendo

o original ficar depositado no Centro(527). Quanto aos meios de colocação em crise da

decisão arbitral(528) e efeitos da mesma(529) aplica-se de forma geral tudo o que

referimos supra a respeito processo administrativo arbitral geral(530).

(527) Vide, artigos 23.º e 25.º do Regulamento de Arbitragem.

(528) Vide, artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem.

(529) Vide, artigo 27.º do Regulamento de Arbitragem.