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Segundo José Afonso da Silva195, a Emenda Constitucional consiste em um mecanismo de alteração do texto constitucional que decorre de um processo formal no qual são observadas determinadas formalidades pré-estabelecidas na constituição vigente. Na Constituição de 1988 em seu artigo 60196 são apresentadas as formalidades para que sejam propostas emendas a constituição.

Em 14 de abril de 2010, o Deputado Federal Carlos Bezerra do MDB/MT, apresentou uma proposta de Emenda Constitucional a qual objetivava “revogar o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais”197. A Proposta inicial (PEC nº 478/2010) não teve seu texto aprovado na íntegra, sendo aprovada uma proposta com nova redação, a qual não abarcava todos os direitos levantados por ela, mas apenas alguns198. A justificativa199 apresentada pelo Deputado, encaminhada às mesas da Câmara dos Deputados e do Senado, é que as limitações impostas no parágrafo único do artigo 7º da CRFB/1988 desestabiliza todo um ordenamento jurídico devendo, portanto, ser modificada. Carlos Bezerra complementa demonstrando que a mudança abarcará mais de 6,8 milhões de trabalhadores, permitindo que os mesmo desfrutem de proteções já conferidas aos trabalhadores rurais e urbanos.

Um dos entraves apresentados pela equipe técnica quanto a não incorporação dos demais direitos trabalhistas aos trabalhadores domésticos e do longo período de tramitação (de 2008 a 2010) para a apresentação da proposta, está no “aumento dos encargos financeiros

195 SILVA, 2005, p. 62-68.

196 Conforme Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

197 BRASIL. Proposta de Emenda a Constituição. Disponível em: <

https://www.camara.leg.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=473496&st=1>. Acesso em: 25 abr. 2019.

198 GOMES, Daniela Vasconcellos. A importância da Lei complementar n. 150/2015 para a efetividade da dignidade humana do trabalhador doméstico. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, SP, v. 83, n. 1, p. 235-277, jan./mar. 2017, p. 246.

199 BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=755258&filename=PEC+478/2010> . Acesso em 27 abr.2019.

para os empregadores domésticos”200. Em contra partida, o deputado justifica a insistência na

apresentação da proposta reside no fato de que

equalizar o tratamento jurídico entre os empregados domésticos e os demais trabalhadores elevará os encargos sociais e trabalhistas. Todavia, o sistema hoje em vigor, que permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, é uma verdadeira nódoa na Constituição democrática de 1988 e deve ser extinto, pois não há justificativa ética para que possamos conviver por mais tempo com essa iniquidade.201.

José Afonso da Silva202 esclarece que, uma vez apresenta a proposta de emenda, passa-se para a votação nas Casas do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal – em dois turnos203, com a aprovação se dando mediante três quintos dos votos dos membros de cada casa204. Após a aprovação, é necessário que a mesa de cada casa promulgue a emenda. Seguindo os preceitos constitucionais, no dia 26 de março de 2013 a Proposta de Emenda Constitucional foi votada em segundo turno no Senado Federal, sendo aprovada por 66 votos a favor e nenhum contrário. O então presidente do Senado, o senador Renan Calheiros (PMDB/AL), anunciou que a data da promulgação da Emenda Constitucional 72/2013 ocorreria no dia 02 de abril de 2013205.

A promulgação da Emenda Constitucional 72/2013 pode ser compreendida como um avanço legislativo aos trabalhadores doméstico, porém, conforme aponta Boskovic e Villatore

Em que pese grandioso tenha sido o avanço da categoria doméstica na persecução de seus direitos, a igualdade pretendida pela OIT ainda não foi alcançada. Isso porque, considerando o disposto no já mencionado art 7º, alínea “a”, da CLT, aqueles direitos que não constaram expressamente da nova redação do parágrafo único do art 7º da Constituição de 1988 (tais como intra e interjornada, por exemplo) não foram estendidos aos empregados domésticos206.

200BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=755258&filename=PEC+478/2010> . Acesso em 27 abr.2019.

201 BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=755258&filename=PEC+478/2010> . Acesso em 27 abr.2019.

202 SILVA, 2005, p. 64.

203 Art 60 (...) §2º da CRFB/1988 “§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 abr.2019.

204 Conforme art 60, §3º da CRFB/1988 “§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 abr.2019.

205 SOUSA, Yvna. Senado aprova PEC que amplia direitos dos trabalhadores domésticos. Valor Econômico, São Paulo, 26 mar. 2013. Disponível em: < https://www.valor.com.br/politica/3062090/senado-aprova-pec-que- amplia-direitos-dos-trabalhadores-domesticos>. Acesso em: 26 abr. 2019.

A mudança do texto constitucional, segundo Calvet207 “não igualou, de modo

absoluto, os direitos dos empregados domésticos aos empregados urbanos em geral”. Com a promulgação da Emenda, em consonância com a sua própria proposta, apresenta a seguinte redação208

"Art. 7º ... ...

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social."

A Emenda aprovada estendeu 16 (dezesseis) direitos aos trabalhadores domésticos. Com a leitura da nova redação do parágrafo único do artigo 7º, constata-se, portanto, de que foram assegurados mais nove direitos de aplicabilidade imediata, porém, outros sete direitos dependerão de lei específica para, daí então, serem aplicados209. Os direitos de aplicabilidade imediata, nas palavras de Hélio Gomes Coelho Júnior210 são

Garantia de salário mínimo, para os que recebem remuneração variável; proteção do salário na forma da lei, sendo crime a retenção dolosa; duração do trabalho normal não superior a oito horas e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo e convenção coletiva de trabalho; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal; redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; proibição de diferenças de salários, de exercícios de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil; proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; e, proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos211.

207 CALVET, 2013, p. 92.

208 BRASIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc72.htm>. Acesso em: 26 abr. 2019.

209 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Emenda Constitucional 72/2013 e o futuro do Trabalho Doméstico. . In: GUNTHER, L. E.; MANDALOZZO, S. S. N. Trabalho doméstico: teoria e prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. Curitiba: Juruá, 2013,. p. 94-95.

210 COELHO JÚNIOR, Hélio Gomes. Trabalho Doméstico: A Emenda que piorou o soneto. In: GUNTHER, L. E.; MANDALOZZO, S. S. N. Trabalho doméstico: teoria e prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. Curitiba: Juruá, 2013, p.113-124.

A aplicabilidade imediata, segundo o parágrafo primeiro do artigo 5º212 da

CRFB/1988, decorre do fato desses direitos pertencerem ao rol dos direitos sociais, sendo estes consagrados como direitos e garantias fundamentais. Os direitos sociais são, portanto, uma dimensão dos direitos fundamentais com os quais o Estado, mediante o que foi estabelecido na norma constitucional, busca possibilitar melhores condições de vida aos mais fracos. A concessão de tais direitos serve como mecanismo de equilíbrio para superação das desigualdades213.

Conforme aponta Daniela Vasconcellos Gomes214a Constituição de 1988 não foi capaz de atenuar as injustiças históricas as quais essa classe trabalhadora foi submetida, perpetuando a limitação, ou até mesmo a exclusão, de direitos assegurados aos trabalhadores domésticos nas legislações brasileiras. Ressalta, portanto, que

Os direitos trabalhistas são essenciais para a cidadania e para a transformação social, pois o Direito do Trabalho não apenas busca conciliar os interesses de empregados e empregadores, como deve contribuir para a justiça social, proporcionando aos trabalhadores condições dignas de vida215

Quanto aos direitos que ficaram pendentes de regulamentação em 1º de junho de 2015, quando foi sancionada a Lei Complementar nº 150216, eles foram regularizados. A nova Lei revoga o Decreto-Lei 5.859/72, amplia os direitos conferidos aos empregados domésticos217, apresenta um novo conceito de empregado doméstico.

Art. 1o Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei218.

O novo conceito de empregado doméstico não se difere ao apresentado anteriormente no Decreto-Lei nº 5.859/72. Porém, há uma ressalva apresentada na nova redação ao determinar uma assiduidade de “mais de 2 (dois) dias por semana”. Ressalta-se que essa peculiaridade não encontra amparo teórico ou jurídico para que, daí então, seja configurada a

212 Conforme a Constituição Federal de 1988 em seu Art 5º § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais têm aplicação imediata. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccvil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 29 abr.2019. 213 SILVA, 2005, p. 286.

214 GOMES, 2005, p. 235. 215 Ibid., p. 235.

216 BRASIL. Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm>. Acesso em: 30 abr. 2019.

217 GOMES, 2017, p. 251.

218 BRASIL. Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm>. Acesso em: 27 abr. 2019.

relação de empregatícia219. A preocupação apresentada diante desse conceito sedimentado na

legislação é a marginalização histórica a qual essa classe trabalhadora enfrentou para ver seus direitos jurídicos assegurados220. A habitualidade exigida na lei parece ser mais um

empecilhos aos trabalhadores domésticos visto que não se mostra como pré-requisito para configuração da relação empregatícia para outros trabalhadores

Várias outras profissões conseguem o vínculo de emprego, mesmo com frequência de um ou dois dias por semana, bastando lembrar os exemplos do professor ou do médico, os quais, em muitos casos, comparecem um ou dois dias por semana a uma escola ou ao plantão hospitalar, mas nem por isso deixam de preencher o requisito da habitualidade para os fins da relação de emprego. Ser habitual é ser razoavelmente esperado. Ser habitual não é preencher 44h semanais221

Apesar da peculiaridade apresentada, a Lei Complementar 150/2015 – que regulamentou a Emenda Constitucional 72/2013 – representa um avanço no que tange a eficácia dos direitos humanos fundamentais aos trabalhadores domésticos. Isso ocorre devido promoção dos direitos conferidos a essa classe trabalhadora, após quase um século de exclusão legislativa. Sabe-se, portanto, que o trabalhador doméstico “sempre teve menor proteção jurídica em comparação aos demais trabalhadores, evidenciando a vulnerabilidade social, e o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana” 222.

É somente com o advento da Emenda Constitucional 72/2013 e sua posterior regularização com a Lei Complementar 150/2015 que os trabalhadores domésticos passaram a ser respaldados de forma mais igualitária aos demais trabalhadores. Porém, o tratamento somente será plenamente igual quando ocorrer com a inclusão dessa classe trabalhadora no

caput do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil223.

Se, conforme a justificativa da Proposta da Emenda Constitucional 66/2012, um dos entraves reside no aumento dos encargos financeiros aos empregadores domésticos, por outro lado desponta a necessidade de se ter garantidos, no ordenamento jurídico brasileiro, os direitos assegurados a essa classe trabalhadora224. Mas do que reparar a desigualdade jurídica existente entre os trabalhadores domésticos e as demais diversas classes de trabalhadores através da concessão dos direitos trabalhistas, as legislações em questão buscaram resgatar a dignidade dos empregados domésticos. Conforme pontua Daniela Vasconcellos Gomes

219 SILVA, Homero Batista Mateus da. Obscuridades da LC 150/2015. Revista eletrônica [do] Tribunal

Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 5, n. 52, p. 51-66, jul. 2016. P. 51.

220SILVA, 2016, p.51.

221 Ibid., p.51.

222 GOMES, 2017, p. 264. 223 Ibid. p. 247.

A dignidade humana do trabalhador somente é alcançada quando este é valorizado de forma efetiva, não apenas remunerado por sua força de trabalho de forma condizente, mas respeitado enquanto ser humano. O respeito ao trabalhador é o verdadeiro objeto das normas de Direito do Trabalho, que são essenciais para a melhoria da condição social. Assim, a transformação social buscada pela sociedade brasileira somente pode ocorrer com a efetiva garantia de direitos trabalhistas, já que o trabalho não é apenas direito fundamental social elencado no art 6º da Constituição Federal de 1988, mas verdadeiro instrumento de concretização da dignidade humana225.

Dessa forma, conforme aponta Colgano226 a reforma constitucional ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos em cinco grupos de tutela, a saber, jornada, salário, extinção contratual, meio ambiente de trabalho e isonomia de tratamento no trabalho. Já Lei Complementar 150/2015 consagrou um avanço trabalhista, jurídico e social aos trabalhadores domésticos, uma vez que efetiva os direitos e garantias fundamentais, sedimentados no princípio da dignidade humana. E isto ocorre com a “concretização dos valores sociais e a formação de uma ordem ético-constitucional voltada para o desenvolvimento do trabalhador doméstico e da realização do direito humano e fundamental ao trabalho decente doméstico”227.

225 Ibid., p. 273.

226 COLGANO, 2013, p. 200.

227 CALSING, Renata de Assis; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Trabalho decente doméstico: a nova Lei complementar 150/2015. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 5, n. 52, jul. 2016, p. 75.

3 OS DIREITOS GARANTIDOS DE FORMA IMEDIATA COM A EC 72/2013

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