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1.3 TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL

1.3.2 Império

Com a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, as relações entre a colônia Brasil e a metrópole Portugal se modificam e refletem isso nas condições socais e econômicas do Brasil Império. O período Imperial brasileiro estende-se da independência até 15 de novembro de 1889, com a proclamação da República. É nesse período que os movimentos abolicionistas começam a se articular e conquistam alguns ganhos, porém nenhum deles é muito significativo para a população negra escrava. Dentre as conquistas conseguidas, destaca-se a extinção do tráfico negreiro, em 185065; em 1871 a Lei do Ventre Livre66 - tornando livre os filhos de escravos nascidos após a promulgação desta lei -, e em 1885 a Lei dos Sexagenários que concedeu a liberdade aos escravos maiores de 65 anos67.

Toda essa movimentação, que teve a influência da elite industrial, resultou, em 13 de maio de 1888, na promulgação da Lei Áurea, que libertou os escravos. As leis que surgiram após a promulgação não trouxeram uma modificação substancial, pois a necessidade de possuir um teto e ter o que comer, bem como o sentimento de pertencimento e acolhimento, fez com que as escravas libertas permanecessem morando e laborando com antigos senhores68. Segundo Alencastro69 apesar da existência e das conquistas dos movimentos abolicionistas o Brasil Império não foi capaz de dissolver os vínculos com o passado escravistas, mas sim a retoma e a reconstrói em um novo contexto de país independente

Após a abolição da escravatura há uma modificação nas relações sociais e trabalhistas, uma vez que não se fala mais em senhora e escrava, mas sim em patroa e empregada70. Consoante à abolição emerge o medo social que pode ser reconhecido como fator contribuinte para a mudança de mão-de-obra nos serviços domésticos, pois as mulheres brancas (patroas) passam a se preocupar mais com as atividades domésticas, uma vez que as mulheres negras

65 BRASIL. Lei 581, de 4 de setembro de 1850. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM581.htm>. Acesso em: 08 abr 2019.

66 ARQUIVO NACIONAL. Lei do Ventre Livre. Disponível em: <

http://www.arquivonacional.gov.br/br/ultimas-noticias/736-lei-do-ventre-livre.html>. Acesso em: 08 abr 2019. 67 SILVA, Deide Fátima da; LORETO, Maria das Dores Saraiva de; BIFANO, Amélia Carla Sobrinho. Ensaio da história do trabalho doméstico no Brasil: um trabalho invisível. Caderno de Direito, Piracicaba, v.17, n.32, p. 409-438, 2017, p. 419. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas- unimep/index.php/cd/article/view/3052>. Acesso em: 10 mar.2019.

68 BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das Trabalhadoras Domésticas no Brasil: teorias da descolonização e saberes subalternos, 2007, 287s. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais, Brasília-DF, 2007, pp.229-230.

69 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.). História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), p. 17.

70 SANTOS apud SILVA, Deide Fátima da; LORETO, Maria das Dores Saraiva de; BIFANO, Amélia Carla Sobrinho. op.cit., 2017, p. 420.

(empregadas) passam a serem vistas como desleixadas, sujas e incompetentes. Apesar disso, estas acabam se sujeitando à coação e imposições que mantém estruturas escravistas a fim de verem garantidos seus empregos. A cultura que instaurou o medo social é um reflexo da entrada de mão-de-obra imigrante europeia ocorrida neste período. Segundo Slenes71 o regime de trabalho no colonato muito se difere do regime de trabalho no escravismo; devendo, portanto, ser adaptado à nova realidade, apontando que a primeira modificação diz às casas dos trabalhadores

Na época escravista, era comum nas grandes propriedades (..), as senzalas se localizarem logo atrás ou ao lado da casa-grande, em volta do “pátio” ou do terreiro de café. Também era comum, (..), as portas se abrirem para o terreiro, permitindo ao senhor e ao feitor manter uma vigilância a moradia dos escravos, já que muitas atividades domésticas eram feitas fora das casas. Quando chegaram os imigrantes, pelo menos alguns fazendeiros tentaram alojá-los em antigas senzalas. Os colonos, no entanto, não gostaram do plano arquitetônico, semelhante ao de uma cadeia, e insistiram em mudanças. Os senhores aceitaram, despreocupados que estavam agora da fuga de trabalhadores que não eram mais semoventes72.

Diante do relato, aufere-se que as relações empregatícias passam por uma modificação, de maneira em que os empregadores passam a “concorrer entre si para atrair trabalhadores” de forma que acabam por atender aos pedidos e fazer à vontade dos imigrantes73. Se no Brasil Colônia a dicotomia existente no trabalho feminino dizia respeito a relação senhora e escrava, no Brasil Império essa relação é modificada e passam a figurar nos polos a mulher negra, africana e recém liberta e a mulher branca, europeia, migrante. Até 13 de maio de 1888 – quando foi extinta a escravidão no Brasil - cabia às escravas o trabalho pesado, elas eram subordinadas a trocar favores sexuais pela sua alforria74.

A extinção do trabalho escravo faz com que surja um êxodo de ex-escravos das fazendas, que se dividiram em dois grupos: os que sentiam que lhes bastavam a alforria e os que achavam necessário persistir na consolidação por mais direitos75. A divisão não ocorre

apenas com o grupo de escravos, mas também com os de senhores, uma vez que havia os que acreditaram que a liberdade resultaria em gratidão do ex-escravo e que as relações afetivas criadas pela convivência manteriam eles no trabalho, e, em contra partida, o outro grupo

71 SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.).

História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das

Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), p. 284.

72SLENES, 1999, p. 284.

73 Ibid., p. 286-287. 74 Ibid., p. 287-288.

75 CASTRO, Hebe M. Mattos de. Laços de família e direitos no final da escravidão. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.). História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), pp. 364-368.

acreditava que alforria incondicional acarretaria em sérios danos ao mercado de trabalho e seus interesses76.

É a partir dessas modificações sociais que é possível compreender como se consolidará o trabalho doméstico no Brasil República. No período colonial o trabalho doméstico pode ser apresentado como feminino, negro e escravo. No Brasil Império é possível notar que não há modificações significativas, apesar das conquistas dos movimentos abolicionistas e do abalo estrutural ocasionado pela entrada de mão-de-obra europeia. Porém, tais avanços não forma marcantes e decisivos para a modificação do perfil do trabalhador doméstico.

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