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Sendo uma das ocupações mais antigas e importantes, o trabalho doméstico se apresenta, ainda hoje, como uma perpetuação das hierarquias baseadas em gênero, classe e raça. Tendo como características históricas dominantes a comunhão das desigualdades e da desvalorização do trabalho reprodutivo, o trabalho doméstico no Brasil foi designado, consequentemente, às mulheres negras estando, portanto, intimamente relacionado à escravidão, ao colonialismo e a outras formas de servidão228.

Delegado prioritariamente às mulheres, os afazeres domésticos em nossa sociedade são características intrínsecas do feminino, independente da classe social a qual a mulher pertença, bem como independe do fato de que a mulher trabalhe, ou não, fora do lar. Porém, quando os afazeres domésticos são realizados fora de suas casas, eles passam a constituir relação empregatícia, devendo, portanto, serem formalizados mediante contrato de trabalho, e apresentar como contraprestação a remuneração em bens ou espécies. Nestes casos, as mulheres que executam as tarefas nessas condições pré-estabelecidas passam a receber a denominação de empregadas domésticas229.

Marcado pela invisibilidade e subvalorização, o trabalho doméstico se apresenta, principalmente às mulheres de classes mais baixas, como a porta de entrada no mercado de trabalho230. Neste sentido, Lilian Arruda Marques e Solange Sanches231, destacam que o

trabalho doméstico é uma das formas de superação de adversidades sócio-econômicas, ou seja, é através do trabalho que uma pessoa em situação de pobreza pode alcançar condições de vida digna. As autoras prosseguem demonstrando que

No Brasil, as discriminações associadas a gênero e raça estão na matriz das desigualdades, contribuindo para a permanência da pobreza e da exclusão social. Foram produzidas historicamente e são produzidas cotidianamente no mercado de

228 OIT. Trabalho doméstico no Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010.pp. 16- 17.. Disponível: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo- brasilia/documents/publication/wcms_230639.pdf>. Acesso em: 16 mai.2019.

229 BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. A bipolaridade do Trabalho Feminino no Brasil Contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, nº11, julho/2000, p. 70. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742000000200003&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 19 mai.2019.

230 OIT. Trabalho doméstico no Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010.p. 11.

Disponível: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-

brasilia/documents/publication/wcms_230639.pdf>. Acesso em: 16 mai.2019.

231 MARQUES, Lilian Arruda; SANCHES, Solange. Desigualdades de Gênero e Raça no Mercado de

Trabalho: tendências recentes. In: Igualdade de gênero e raça no trabalho: avanços e desafios. Brasília: OIT,

trabalho e na sociedade. Incorporar a dimensão de gênero e raça à análise do mercado de trabalho implica assumir que a posição da mulher e dos negros é desigual em relação aos homens e aos brancos e que questões como emprego e desemprego, trabalho precário e remuneração, entre outras, manifestam-se e são vividas de forma desigual entre esses trabalhadores e trabalhadoras232.

Em 06 de março de 2017 foi divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada233 (Ipea), através do projeto “Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça” 234 a análise de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios235 (Pnad) ao longo de 20 anos (1995 a 2015). O estudo disponibiliza dados sobre diversas temáticas da vida social236 como população, chefia da família, educação, saúde, previdência e assistência social, mercado de trabalho, trabalho doméstico remunerado, habitação e saneamento, acesso a bens duráveis e exclusão digital, pobreza, distribuição e desigualdade, uso do tempo e, por fim, vitimização.

Observar os dados recentes quanto ao trabalhado doméstico é se reaproximar das mesmas características históricas que o definiram e perceber que elas perduram no tempo237. Segundo os dados do projeto “Retratos das Desigualdades de Gênero e de Raça” o trabalho doméstico no Brasil continua a ser realizado primordialmente por mulheres negras238 de faixa etária entre 30 e 59 anos, a grande maioria sem carteira profissional de trabalho assinada, e

232 MARQUES, Lilian Arruda; SANCHES, Solange. Desigualdades de Gênero e Raça no Mercado de

Trabalho: tendências recentes. In: Igualdade de gênero e raça no trabalho: avanços e desafios. Brasília: OIT,

2010. p. 54.

233 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é “ uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros”. IPEA - Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada. O Ipea Quem Somos? Disponível em:

<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1226&Itemid=68>. Acesso em: 14 mai. 2019.

234 O projeto “Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça” foi criado em 2004 e hoje em dia é “resultado de uma parceria entre Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres) e SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania)” que objetiva “disponibilizar informações sobre a situação de mulheres, homens, negros e brancos em nosso país”. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Retratos da Desigualdades de Gênero e Raça. Disponível em: <

http://www.ipea.gov.br/retrato/apresentacao.html>. Acesso em: 14 mai.2019.

235 A Pnad existiu durante 49 anos (1967 a 2016) apresentando anualmente foi um “importante instrumento para formulação, validação e avaliação de políticas orientadas para o desenvolvimento socioeconômico da população

e a melhoria das condições de vida no País”. Disponível em:

<https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9127-pesquisa-nacional-por-amostra-de- domicilios.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 14 mai.2019.

236 Segundo os indicadores do estudo. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores.html>. Acesso em: 14 mai.2019.

237 OIT. Trabalho doméstico no Brasil: rumo ao reconhecimento institucional. Brasília: ILO, 2010, pp. 17-18.

Disponível: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-

brasilia/documents/publication/wcms_230639.pdf>. Acesso em: 16 mai.2019.

238 Considerando que o trabalho doméstico é majoritariamente realizado por mulheres, optamos por utilizar a expressão “trabalhadoras domésticas”, bem como atentar aos dados referente ao trabalho doméstico feminino.

com menos de 9 (anos) de estudo completos, conforme será demonstrado nas tabelas239 a

seguir.

Diante disso, ao observar a distribuição da população ocupada, por sexo, nos anos de 1995 e 2015 (conforme Tabela 1), constata-se que houve um pequeno aumento na proporção de trabalhadores domésticos240, pois em 1995 eram 0,8% da população ocupada e em 2015 essa categoria corresponde a 1%. Contudo, nota-se que a prevalência, no quesito trabalho doméstico, ainda é feminina, mesmo que a pesquisa tenha demonstrado uma pequena redução, passando de 16,8% para 14,3% do total de trabalhadoras com 16 anos ou mais.

Apesar da redução sofrida ao longo dos 20 (vinte) anos pode-se verificar que o trabalho doméstico é a segunda categoria que mais emprega as mulheres, ficando atrás, apenas, do trabalho por conta própria, que detém 17,4% das mulheres ocupadas. Os dados apresentados demonstram que ainda cabe às mulheres desempenharem as tarefas domésticas, bem como a responsabilidade pelo cuidado infantil, limitando a elas o acesso ao emprego, em especial aos empregos mais privilegiados socialmente241.

Tabela 1 – Distribuição percentual da população ocupada com 16 anos ou mais de idade, por sexo e posição na ocupação - Brasil, 1995 e 2015242.

Ocupação Masculino Feminino

1995 2015 1995 2015

Funcionário Público/Militar 5,4 5,7 9,7 10,5

Empregado com carteira assinada 34,1 41,3 24 36

Empregado sem carteira assinada 19,9 15,9 9,9 11,2

Conta Própria 28,1 27,2 17,4 17,4

Empregador 5,6 4,7 2 2,4

Empregado Doméstico 0,8 1 16,8 14,3

239 As tabelas presentes no trabalho foram confeccionadas pela autora visto a necessidade de retratar apenas um

período. Todos os dados estão disponíveis em: <

http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_trabalho_domestico_remunerado.html>. Acesso em: 14 mai.2019. 240 Segundo o DIEESE “a ocupação nos Serviços Domésticos engloba atividades como : “cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a),quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa. Neste setor, os poucos homens nele alocados ganham mais do que as mulheres, pois costumam exercer atividades de cozinheiros, jardineiros, caseiros ou motoristas, para as quais a remuneração tende a ser maior”. DIEESE. O emprego doméstico no Brasil. Estudos e Pesquisas, n. 68, ago. 2013. Disponível em:< https://www.dieese.org.br/estudosetorial/2013/estPesq68empregoDomestico.pdf>. Acesso em: 22 maio 2019.pp. 4-5.

241 OIT. Manual de capacitação e informação sobre gênero, raça, pobreza e emprego: guia para o leitor. Brasília: OIT, 200, p. 28.

242 Os dados utilizados no trabalhado serão apenas dos anos de 1995 e 2015, bem como de modo geral o Brasil, a fim de delimitar a pesquisa, visto que se busca retratar o perfil do trabalhador doméstico no Brasil de hoje.

Outros 6,1 4,2 20,2 8,3 Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC243

Outra característica modular do perfil da trabalhadora doméstica é a questão da raça. No Brasil, 18% das mulheres negras, no total de ocupadas, são trabalhadoras domésticas (Tabela 2). Quando se observa apenas a ocupação “trabalho doméstico”, esse número salta para 65,1% de mulheres negras em detrimento de 34,9% de trabalhadoras brancas, conforme demonstrado abaixo na tabela 3, ressaltando que o passado marcado pela escravidão ainda perdura.

Tabela 2 - Proporção de Trabalhadores/as Domésticos/as no Total de Ocupados, por Sexo, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015.

Região Cor/Raça Total Masculino Feminino

1995 2015 1995 2015 1995 2015

Brasil

Total 7,4 6,6 0,8 1,0 7,3 4,3

Branca 5,9 5,1 0,9 0,9 3,4 0,3

Negra 9,3 8,0 0,9 1,0 2,5 8,0

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

Nota-se, também, ao analisar os dados da Tabela 3 que a diferença na proporção entre trabalhadoras domésticas brancas e negras aumentou. Em 1995 o Brasil contava com 44,2% de trabalhadoras domésticas da raça branca em detrimento de 55,8% da raça negra. Porém, os dados de 2015 demonstram que esse número sofreu alteração, agora com 34,9% de trabalhadoras da raça branca e 65,1% da raça negra.

Tabela 3 - População Ocupada em Trabalho Doméstico, por Sexo, segundo Cor/Raça e Localização do Domicílio - Brasil, 1995 e 2015

Região Cor/Raça Mulheres Porcentagem (%)

1995 2015 1995 2015

Brasil Total 4.764.840 5.755.600 100 100

Branca 2.104.297 2.008.289 44,2 34,9

Negra 2.660.543 3.747.311 55,8 65,1

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

No período de realização da pesquisa utilizada como referência para o trabalho – 1995 a 2015 - observa-se que o perfil do trabalhador doméstico mantém-se constante, apresentando pouquíssimas variações, e nenhuma delas capaz de alterar o perfil do trabalhador

doméstico244. A constância das características do perfil das trabalhadoras domésticas, ainda predominantemente feminino e negro, demonstra que as barreiras socioculturais associadas a gênero e raça não foram rompidas, de modo a reforçar a posição desfavorável do reconhecimento desse grupo na sociedade245.

Com relação à faixa etária (Tabela 4) constata-se que a faixa que mais concentrou trabalhadoras domésticas, no ano de 2015, é dos 30 aos 44 anos, valor correspondente a 40,6% da população feminina ocupada em trabalho doméstico. Em seguida, aparece a faixa etária dos 45 aos 59 anos, com 35,6%. Percebe-se, assim, que a idade média da trabalhadora doméstica brasileira está dentro do intervalo de 30 a 59 anos, visto que é nessa faixa que se concentra 76,2% dessa classe trabalhadora.

Tabela 4 - Distribuição percentual da população feminina ocupada em trabalho doméstico, segundo faixa etária - Brasil, 1995 e 2015

Cor/Raça Faixa Etária 1995 2015

Total 10 a 15 anos 8,6 0,9 16 a 17 anos 7,6 1,5 18 a 24 anos 22,4 6,6 25 a 29 anos 12,9 7,0 30 a 44 anos 32,3 40,6 45 a 59 anos 13,6 35,6

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

Ressalta-se, também, que no período analisado no presente trabalho há uma mudança significativa na faixa etária das trabalhadoras domésticas. Se em 1995 o perfil era de uma trabalhadora jovem-adulta, uma vez que a maior parte (67,7%) das trabalhadoras domésticas tinha entre 18 e 44 anos, atualmente esse perfil concentra-se na idade adulta. Outro ponto importante a se observar é a expressiva redução do percentual de trabalhadoras domésticas entre 10 e 17 anos, ou seja, a redução do trabalho doméstico infantil. No ano de 1995 tinha-se uma porcentagem de 16,2% de trabalhadoras domésticas nessa faixa etária. Em contra- partida, no ano de 2015 essa porcentagem caiu para 2,4%.

244 IPEA. Apresentação da pesquisa “Retratos das Desigualdades de Gênero e Raça”. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/170306_apresentacao_retrato.pdf>. Acesso em: 14 mai.2019.

245 OIT. Manual de capacitação e informação sobre gênero, raça, pobreza e emprego: guia para o leitor. Brasília: OIT, 2005. p.28.

A redução do trabalho doméstico infantil é algo valioso. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho246 (TST), o trabalho desenvolvido por crianças, além de roubá-las a infância, dificulta sua a assiduidade na escola e atrapalha a interação com outras crianças. Quando a prestação de serviço doméstico na casa de terceiros é realizada por crianças e adolescentes, apesar de ser uma das formas mais tradicionais e comuns de trabalho infantil, invisibiliza a criança para a sociedade, bem como a coloca numa posição mais vulnerável e, consequentemente, de maior exploração, considerando a dificuldade da criança se proteger247. Segundo Josiane Veronese248

O trabalho infantil doméstico reproduz as múltiplas condições de exclusão, representando a efetiva violação dos direitos fundamentais, legitimando a negligência com os direitos infantis e expondo a criança e o adolescente às variadas condições de exploração e violência. Daí a importância em se compreender os mecanismos de proteção jurídica da criança e do adolescente como estratégia de resistência à opressão.

Dessa forma, a redução apresentada demonstra a efetividade da campanha, de iniciativa do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, que desde 2012 visa conscientizar a sociedade brasileira acerca da existência do trabalho infantil, além de buscar maneiras para sua erradicação249.

No que diz respeito ao grau de escolaridade (Tabela 5), constata-se que a média de anos de estudo é de 6,7 anos, ou seja, a grande maioria das trabalhadoras domésticas não tem o ensino fundamental completo, uma vez que o mesmo, desde 2005, tem duração de 9 (nove) anos250 no Brasil.

246TST. Trabalho Infantil Doméstico. Disponível em: <

http://www.tst.jus.br/web/combatetrabalhoinfantil/trabalho-infantil-domestico>. Acesso em 15 mai. 2019.

247TST. Trabalho Infantil Doméstico. Disponível em:

http://www.tst.jus.br/web/combatetrabalhoinfantil/trabalho-infantil-domestico. Acesso em 15 mai.2019.

248 VERONESE, Josiane Rose Petry; CUSTÓDIO, André Viana. Trabalho Infantil Doméstico no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.p. 118.

249TST. Combate Trabalho Infantil. Disponível em: <

http://www.tst.jus.br/web/combatetrabalhoinfantil/inicio/-/asset_publisher/2aO8/content/trabalho-infantil- domestico-e-proibido-mas-ainda-persiste?inheritRedirect=false>. Acesso em: 15 mai.2019.

250 Segundo o Ministério da Educação a discussão para a ampliação do ensino fundamental para nove anos, teve início em 2004, sendo implantado em algumas regiões em 2005 e apresentado o ano de 2010 como data limite para adequação de todo Brasil A proposta do MEC para ampliação é “assegurar a toda criança um tempo mais longo de convívio escolar, amis oportunidades de aprender e um ensino de qualidade”. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/ensino-fundamental-de-nove-anos>. Acesso em: 15 mai.2019.

Tabela 5 - Média de Anos de Estudo das Trabalhadoras Domésticas com 16 anos ou mais de idade, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015

Região Cor/Raça 1995 2015

Brasil

Total 3,9 6,7

Branca 4,2 6,9

Negra 3,8 6,6

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

A baixa escolaridade das empregadas domésticas apresenta correlação direta com o fato de o emprego ser realizado, principalmente, por mulheres oriundas de famílias de classes mais baixas e/ou migrantes. Conforme aponta Maria Angela Germaque Álvaro251 “a pobreza, a necessidade econômica e a falta de preparação para outros tipos de trabalho estariam agindo na orientação de tais mulheres para essa ocupação”. Em muitos casos, o emprego doméstico não se apresenta como uma opção a ser escolhida, mas sim a “escolha” diante da ausência de possibilidades para que essas mulheres se insiram no mercado de trabalho.

Apesar de o grau de escolaridade continuar baixo, houve um aumento na média de anos de estudo das Trabalhadoras Domésticas passando de 3,9 anos, em 1995 para 6,7 em 2015. Quando observado em relação às mulheres negras, nota-se um acréscimo expressivo, indo de 3,8 anos em 1995 para 6,6 anos em 2015. Constatar essa melhoria na média dos anos de estudos representa um avanço satisfatório, porém esse avanço está mais atrelado à investimentos educacionais por parte do Estado do que por mudanças estruturais decorrentes da própria atividade252.

Ao traçar o perfil da trabalhadora doméstica no Brasil hoje, é importante atentar para o rendimento médio dessa classe trabalhadora (Tabela 6). Considerando que o salário mínimo em 2015253 correspondia a R$788,00 (setecentos e oitenta e oito reais), observa-se algo interessante: a média nacional do rendimento da trabalhadora doméstica é 6,1% inferior ao salário mínimo vigente à época.

251 ÁLVARO, Maria Angela Germaque. Trabalho Doméstico e Desigualdade Social. Revista Enfoques, Rio de Janeiro, v. 11(1), março 2012. p, 117.

252 ÁLVARO, 2012, p. 118.

253 Conforme Decreto nº 8.381, de 29 de dezembro de 2014. BRASIL. Deccreto nº 8.381, de 29 de dezembro

de 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8381.htm>.

Tabela 6 - Rendimento Médio Mensal das Trabalhadoras Domésticas, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015 Região Cor/Raça 1995 2015 Brasil Total 450,5 739,5 Branca 491,8 824,4 Negra 417,8 694,1

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

Em consonância com a média nacional, as trabalhadoras domésticas negras recebiam, em 2015, 11,9% a menos do que o salário mínimo. Em contrapartida, contrariando o que foi exposto, está o rendimento médio da trabalhadora doméstica branca, pois em 2015 elas recebiam 4,6% a mais que o salário mínimo nacional e 18,7% a mais que as trabalhadoras da raça negra. Essa discrepância encontra explicação no histórico social brasileiro, como aponta Margareth Rago

As mulheres negras, por sua vez, após a Abolição dos escravos, continuaram trabalhando nos setores os mais desqualificados recebendo salários baixíssimos e péssimo tratamento. Sabemos que sua condição social quase não se alterou, mesmo depois da Abolição e da formação do mercado de trabalho livre no Brasil254.

Delgado255 ressalta que a onerosidade é um dos elementos fáticos-jurídicos da relação empregatícia, podendo ser compreendida como a contraprestação econômica retributiva pela prestação de serviços realizado pelo empregado, podendo vir a se formalizar como salário ou remuneração.

Salário e remuneração são, portanto, parcelas que atestam que a relação empregatícia se formalizou bem como denunciam que o contrato de trabalho foi firmado com intuito oneroso256. Segundo Delgado “salário é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho” 257. Remuneração, conforme pontua o autor, é a inclusão, no conjunto do salário, das gorjetas recebidas pelo empregado por meio de terceiros258.

O salário é um dos temas centrais das lutas dos trabalhadores, portanto, observar o valor concedido às trabalhadoras domésticas é uma maneira de compreender como se

254 RAGO, 1997, p. 582. 255DELGADO, 2012, p.707. 256 DELGADO, 2012, p 707. 257 Ibid., p.707. 258 Ibid., p. 708.

configura essa relação de emprego. Dentre as características centrais259 do salário, destaco o caráter alimentar e a persistência ou continuidade. O caráter alimentar260 decorrendo do papel socioeconômico que a parcela detém, visando assegurar o atendimento das necessidades pessoais e essenciais do empregado e de sua família. Já a persistência ou continuidade decorrem do fato da prestação ser de trato sucessivo, ou seja, repete-se ao longo do contrato de trabalho de forma que nem a teoria da imprevisão ou a força maior constituem fatos capazes de desobrigar o empregador ao não cumprimento de sua obrigação261.

Quanto à porcentagem de trabalhadoras domésticas que possuem a carteira de trabalho assinada (Tabela 7), observa-se que houve um aumento; porém, a grande maioria das trabalhadoras domésticas ainda não possuem carteira de trabalho assinada. O número altíssimo de trabalhadoras domésticas sem carteira de trabalho assinada é muito próximo entre as trabalhadoras brancas e negras, aquelas apresentando 67,5% e estas 70,7% de trabalhadoras domésticas sem carteira assinada.

Tabela 7 - Proporção de Trabalhadoras Domésticas que Possuem Carteira de Trabalho Assinada, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015

Branca 1995 Negra 1995 Branca 2015 Negra 2015

Com carteira assinada 19,5 16,4 32,5 29,3

Sem carteira assinada 80,5 83,6 67,5 70,7

Fonte: Adaptado de: Pnad/ IBGE Elaboração: IPEA/DISOC/ NINSOC

O Tribunal Superior do Trabalho262 destaca a importância das atividades laborais desenvolvidas pelo empregado constarem registradas na carteira de trabalho. Além de ser o instrumento que registra a vida profissional é através dela que se assegura ao trabalhador alguns direitos como seguro-desemprego, aposentadoria e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, direitos esses garantidos em conformidade com informações contidas na carteira de trabalho.

259 Segundo Godinho “As características centrais do salário, conforme sistematização efetuada pela doutrina, são as seguintes: caráter alimentar; caráter “forfetário”; indisponibilidade, irredutibilidade, periodicidade;

persistência ou continuidade; natureza composta; tendência à determinação heterônoma; pós-numeração”.

Ibid. p. 733. 260 Ibid. p.733. 261 Ibid.,p.734.

262 TST. Trabalhador deve exigir assinatura da carteira para assegurar seus direitos. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/trabalhador-deve-exigir-assinatura-da-carteira-

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