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De acordo com Hahner91 essas lutas por reconhecimento de espaço e participação na vida pública faz com surja uma movimentação feminina que anseie por modificações nas

89 RAGO, 1997, p. 589. 90 Ibid., p. 603.

91 HAHNER, June E. Emancipação do Sexo Feminino: A luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Tradução de Eliane Lisboa. Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres, 2003, p. 25-26.

ordens econômica, social e política. O resultado pode ser observado através da conscientização da mulher enquanto ser humano e ser social.

Nota-se que desde o processo de abolição da escravatura existia uma contribuição feminina, mesmo que de maneira mais tímida. O primeiro grande passo foi na esfera educacional, pois, mesmo sendo membros da minoria alfabetizada, essas poucas mulheres buscavam, através da educação, a possibilidade para adquirir um maior grau de autonomia econômica e também social92. Outro fato importante a se observar, e que até 1932, data em que a campanha pelo sufrágio atingiu seu objetivo ao garantir às mulheres o direito ao voto, elas não participavam do processo político brasileiro. Esse direito foi assegurado pela Constituição do país, em 1934, porém, tal direito foi concedido apenas para as mulheres que tivessem o mesmo nível de alfabetização dos homens93.

Hahner94 salienta que essa luta era desigual entre as mulheres uma vez que tais direitos conquistados, como o direito à educação e ao voto, pertenciam às mulheres da classe alta e da classe média, quem eram as que conseguiam se estabelecer fora de casa assumindo diversas ocupações e cargos. Hahner ainda destaca que tal realidade não cabia às mulheres da classe baixa, uma vez que a relação delas com o trabalho era uma questão de sobrevivência95. O serviço doméstico era uma das atividades que mais empregava as mulheres pertencentes à classe baixa urbana. Essas trabalhadoras não possuíam liberdade pessoal ou de privacidade, visto que viviam nas casas de seus patrões eram vigiadas regularmente, e cabia a estes a regulamentação das condições de trabalho durante todo o período que passavam na sua residência96. Dessa maneira, o trabalho doméstico, destinado as mulheres pertencentes a

classe baixa, as suprimiam da vida pública e das dignidades mais básicas, pois, conforme aponta Hahner 97

Exceto quando dormiam, as domésticas ocupavam-se todos os dias da semana, e todas as suas horas, com os serviços da casa. Embora em teoria recebessem salário, além de casa e comida, geralmente sua renda era meramente simbólica. O preconceito com o trabalho feminino fora de casa e a necessidade que as mulheres mais aquinhoadas sentiam de que alguém executasse as permanentes tarefas de casa ajudavam a manter as domésticas nesses empregos mal pagos e fatingantes.

92 HAHNER, 2003, p. 27. 93 Ibid., p. 28-30. 94 Ibid., p.255. 95 Ibid., p.255. 96 HAHNER, 2003, p.217-218. 97 Ibid., p. 218.

O trabalho feminino nas camadas populares urbanas era composto, principalmente, por mulheres negras98. Apesar da abolição, em 1888, foram elas que continuaram a executar as

atividades domésticas e recebendo as piores remunerações, permanecendo praticamente inalterada as condições de emprego a essa parcela da população. É importante destacar que as discriminações de gênero, classe e raça continuaram a moldar a sociedade brasileira, visto as conquistas femininas quanto aos direitos conquistados - como o direito à educação, ao voto e a exercer as novas ocupações - não foram extensivas às mulheres das classes mais baixas e destinadas a posições consideradas socialmente inferiores.

A emergência do feminismo como movimento social criou as disposições necessárias para que a condição feminina viesse a ser objeto de estudo. Os primeiros relatos sobre a situação de trabalho da mulher no Brasil revelam que a preocupação estava centrada na incorporação ou expulsão da força de trabalho feminino, deixando de importar-se com as questões sociais e culturais que explicavam, também, a subordinação da mulher ao homem, bem como a inserção da mulher no espaço da reprodução familiar. Isso mais tarde mostrou-se significativo para as primeiras discussões sobre trabalho doméstico99.

O olhar feminista sobre o trabalho doméstico visa compreender o porquê da sua desqualificação e a sua relação com a inferioridade e invisibilidade feminina. A divisão sexual do trabalho, consolidada com a Revolução Industrial, possibilitou a subestimação das atividades realizadas pelas mulheres nas famílias. Observa-se que há uma confusão em relação a algumas atividades por não serem consideradas produtivas, uma vez que não geram mercadorias, fato este que corrobora com as movimentações feministas sobre a invisibilidade da mulher e seu trabalho100. Diante dessa invisibilidade criada sobre o trabalho doméstico, observam-se os porquês de ele ter sido negligenciado juridicamente por tantos anos. Mantendo uma relação íntima com uma segregação sócio histórica brasileira, que tem sua origem na relação entre casa grande e senzala, bem como a dificuldade de organização sindical, que se apresentam como fatores determinantes para a consolidação de direitos trabalhistas para essa categoria101.

98 Ibid.,p. 207.

99 BRUSCHINI, Cristina. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não-remunerado. Revista

Brasileira de Estudos de População, v. 23, n. 2, p. 331-353. 2006, p. 332.

100 MELO, Hildete Pereira de; CASTILHO, Marta. Trabalho reprodutivo no Brasil: Quem faz? Revista

Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v.13, n.1, p. 135-158, 2009, p. 139.

101 DAMACENO, Liliane Dias; CHAGAS, Sylvia Oliveira. Evolução do direito trabalhista do Empregado doméstico de 1916 a 2013 – PEC das domésticas. Cadernos de Graduação – Ciências Humanas e Sociais, v. 1, n. 17, p. 63-76, 2013, p. 67.

Na década de 1960, os movimentos feministas começam a se tornar mais comuns, ganhando uma maior visibilidade em todo o mundo. Através desses movimentos, as mulheres reivindicavam o reconhecimento da desigualdade entre homens e mulheres no exercício dos seus direitos trabalhistas, civis e políticos102. No Brasil, a luta por reconhecimento trabalhista passa pela resistência à colonialidade do poder através das associações e sindicatos das trabalhadoras domésticas, locais que foram de grande importância para afirmação da existência de cada trabalhadora doméstica e a partir dos quais se propunha refundar uma sociedade igualitária, socialmente justa e com respeito a todo ser humano103.

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