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Trabalho Doméstico no Brasil: uma perspectiva social, racial, de gênero e as conquistas jurídicas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

NATHÁLIA CHICHÔRRO SCHÜTZ

TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA

SOCIAL, RACIAL, DE GÊNERO E AS CONQUISTAS JURÍDICAS

Florianópolis 2019

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NATHÁLIA CHICHÔRRO SCHÜTZ

TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL: UMA PERSPECTIVA SOCIAL, RACIAL, DE GÊNERO E AS CONQUISTAS JURÍDICAS

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direto do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Drª. Norma Sueli Padilha

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Schütz, Nathália Chichôrro

Trabalho Doméstico no Brasil: uma perspectiva social, racial, de gênero e as conquistas jurídicas/ Nathália Chichôrro Schütz ; orientadora, Norma Sueli Padilha, 2019.

96 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -

Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Graduação em Direito, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Direito do Trabalho. 3. Trabalho Doméstico. 4. Ampliação de Direitos. 5. Desigualdade Social. I. Padilha, Norma Sueli. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Direito. III. Título.

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Ao meu irmão, não apenas por abrir os caminhos e tornar a vida mais leve, mas também por saber, antes de mim, quem eu sou.

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AGRADECIMENTOS

Não fiz nenhuma travessia sozinha e para a conclusão dessa etapa não foi diferente. Para tecer qualquer agradecimento é necessário voltar ao passado quando tudo isso era tão distante, mas também tão próximo. Todos são fundamentais para a conclusão desse curso, uma vez que sempre estiveram comigo, me encorajando a conquistar meus sonhos e, através da companhia, fazendo com tudo fosse mais tranquilo.

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, por acreditarem sempre em mim e não medirem esforços para que meus sonhos fossem realizados. Por permitirem que eu me encontrasse profissionalmente e por me apoiarem sempre, sem medir esforços, para que eu seja feliz e realizada.

Ao meu irmão, por me abrir os olhos, o coração e a vida. Por me ensinar que dividir é, quase sempre, multiplicar; e por me encorajar a buscar sempre mais e não ficar na superficialidade. Por me encantar pelo universo do estudo, dos livros, das músicas e me dar a tranquilidade de ter sempre com quem contar na vida.

Aos meus avós que direta, ou indiretamente, contribuíram para que eu seja quem eu sou.

À Agnes, que ao contar sobre seus projetos de pesquisa, as aulas que leciona e pela ousadia de arriscar na vida, me incentiva a buscar o que desejo, a romper barreiras e a desbravar novos lugares.

Aos meus amigos, que estão comigo desde antes da faculdade e me compreendem, me aceitam e fazem com que eu me sinta acolhida e amada. Em especial ao Leandro, ao Samir e ao Fábio, que foram essenciais e comemoram comigo as minhas principais conquistas. Às minhas colegas de turma, especialmente a Alexandra, a Débora e a Karol, por compartilharem não apenas do aprendizado; mas também as alegrias e angústias, sendo fundamentais para deixar a graduação mais leve, me ajudarem a enfrentar os desafios dos últimos semestres e a persistir nos meus objetivos.

À Universidade Federal de Santa Catarina que através dos programas de inclusão tornou-se o pano de fundo para transformações pessoais, abrindo-me os olhos para vastidão do mundo e toda a beleza que nele existe.

Aos professores do CCJ que ensinaram que o direito se faz além dos tribunais, sendo necessário, sempre, reconhecer as fragilidades dos que nos cercam para, daí então, sermos justos. Agradeço em especial à professora Norma Sueli Padilha que aceitou, com muito carinho, o convite para me orientar e, reconhecendo o que gosto, indicou futuros caminhos.

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“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. (João Guimarães Rosa, 1956)

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RESUMO

A presente monografia busca avaliar se a Emenda Constitucional 72/2013 e outras legislações protetivas, ao ampliarem e assegurarem direitos aos empregados domésticos, foram instrumentos capazes de contribuir para promoção de alterações sociais a essa categoria de trabalhadores. A questão desenvolve-se a partir da identificação das raízes do trabalho doméstico no período escravocrata, e seu caráter precário, invisibilizado, subvalorizado e discriminado dentro da sociedade brasileira. Desempenhado, ainda hoje, principalmente por mulheres negras, o trabalho doméstico continua marginalizado e subvalorizado, tanto jurídica quanto socialmente. As poucas legislações existentes, conquistadas através de constantes reivindicações trabalhistas, não foram capazes de respaldar de maneira integral esses trabalhadores. A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 pode ser reconhecida como uma possibilidade de mudança, porém, mesmo assegurando alguns direitos e atribuindo uma maior visibilidade a essa classe trabalhadora, não a colocou em igualdade com os trabalhadores urbanos e rurais. A igualdade de direitos, tão almejada por essa classe trabalhadora, ainda não foi alcança, pois a Emenda Constitucional 72/2013 não revogou o parágrafo único do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil, mas apenas ampliou o rol de direitos concedidos aos empregados domésticos, mantendo a marginalidade legislativa e social desses trabalhadores. O presente trabalho foi desenvolvido através da aplicação do método indutivo.

Palavras-chaves: Trabalho Doméstico. Emenda Constitucional 72/2013. Igualdade de

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ABSTRACT

The following monograph questions if the Constitutional Amendment 72/2013 and other protective legislation, as they amply and ensure the rights of domestic workers, were instrumental to the promotion of social equality to this category of workers. The thesis departs from the identification of domestic work roots during slavery and its ensuing precariousness, invisibility, devaluation and discrimination within Brazil's society. Still mainly realized by black women, domestic work remains marginalized and devalued, both socially and juridical. The few existing legislation, achieved through constant workers claims, were not enough to support these workers integrally. The enactment of the Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 can be recognized as a possibility of advancement, but, even ensuring some rights and attributing greater visibility to this workers’ category, it didn't achieve their equality to the rural and urban workers. So longed for by the category, the equality of rights wasn't reached for the Constitutional Amendment didn't revoke the seventh article's single paragraph of the Constitution and thus only amplified the list of rights, maintaining the domestic workers at the margins of legislation. The inductive method was applied to realize this work.

Keywords: Domestic Labor. Constitutional Amendment 72/2013. Equality of Rights. Profile

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição percentual da população ocupada com 16 anos ou mais de idade, por

sexo e posição na ocupação – Brasil, 1995 e 2015...66

Tabela 2 - Proporção de Trabalhadores/as Domésticos/as no Total de Ocupados, por Sexo,

segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015...67

Tabela 3 - População Ocupada em trabalho Doméstico, por Sexo, segundo Cor/Raça e

Localização do Domicílio - Brasil, 1995 e 2015...67

Tabela 4 - Distribuição percentual da população feminina ocupada em trabalho Doméstico,

segundo faixa etária - Brasil, 1995 e 2015...68

Tabela 5 - Média de Anos de Estudo das Trabalhadoras Domésticas com 16 anos ou mais de

idade, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015...70

Tabela 6 - Rendimento Médio Mensal das Trabalhadoras Domésticas, segundo Cor/Raça -

Brasil, 1995 e 2015...71

Tabela 7 - Proporção de Trabalhadoras Domésticas que Possuem Carteira de Trabalho

Assinada, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e 2015...72

Tabela 8 - Proporção de Trabalhadoras Domésticas que residem no domicílio onde

trabalham, segundo Cor/Raça - Brasil, 1995 e

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 EC – Emenda Constitucional

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LC – Lei Complementar

OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios TST – Tribunal Superior do Trabalho

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 CONTEXTO HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO ... 18

1.1 O PAPEL DA MULHER NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: DE MÃO-DE-OBRA BARATA À EXÉRCITO DE RESERVA ... 18

1.2 A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E O PATRIARCADO COMO DELIMITAÇÕES DO TRABALHO FEMININO A ESFERA DOMÉSTICA ... 24

1.3 TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL ... 27

1.3.1 Colônia ... 29

1.3.2 Império ... 32

1.3.3 República ... 34

1.4 AS LUTAS FEMINISTAS E O TRABALHO DOMÉSTICO ... 36

1.5 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DO TRABALHO DOMÉSTICO ... 39

1.6 QUEM É O EMPREGADO DOMÉSTICO? ... 41

2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL ... 43

2.1 TRABALHO DOMÉSTICO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA : DE 1916 A 1988 ... 43

2.1.1 Trabalho Doméstico no Código Civil de 1916 ... 45

2.1.2 O Decreto nº 16.107 de 1923 ... 46

2.1.3 O Decreto-Lei nº 3.078 de 1941 e o Decreto-Lei nº 5.452 de 1943 – A Consolidação das Leis do Trabalho ... 47

2.1.4 A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972 ... 49

2.2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E OS DIREITOS TRABALHISTAS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS ... 50

2.3 A CONVENÇÃO Nº 189 E A RESOLUÇÃO Nº 201 DA OIT: A ABERTURA PARA A AMPLIAÇÃO DE DIREITOS ... 53

2.4 A PEC 66/2012, A EMENDA CONSTITUCIONAL 72/2013 E A LEI COMPLEMENTAR 150/2015 ... 58

3 OS DIREITOS GARANTIDOS DE FORMA IMEDIATA COM A EC 72/2013 ... 64

3.1 O PERFIL DO TRABALHADOR DOMÉSTICO NO BRASIL HOJE ... 64

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3.2.1 A delimitação da jornada de trabalho e o pagamento de horas extras ... 76

3.2.2 Garantia e proteção do salário ... 81

3.2.3 Proibição da diferença salarial em razão de sexo, idade, cor ou estado civil ... 82

3.3 CRISTÍCAS À EC 72/2013: SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES? ... 85

4 CONCLUSÃO ... 88

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INTRODUÇÃO

No dia 02 de abril de 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional 72 que alterou a redação do parágrafo único do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil. Conhecida como “PEC das Domésticas”, a PEC 66/2012 resultou na Emenda Constitucional 72/2013, que ampliou o rol dos direitos dos empregados domésticos, numa tentativa de equalizar o tratamento concedido a eles ao dos empregados urbanos e rurais, uma vez que os trabalhadores domésticos, desde a colonização do Brasil, estão colocados às margens da legislação e da sociedade brasileira.

Partindo da análise das poucas modificações legislativas que asseguraram legalmente a classe trabalhadora doméstica no decorrer da história do Brasil, e da ineficácia das poucas modificações legislativas que aconteceram, defenderemos que essas medidas não foram capazes de modificar o cenário solidificado no período colonial brasileiro. Para isso, observaremos se a Emenda Constitucional 72/2013, considerada um marco legislativo nesse tema ao alargar os direitos concedidos aos trabalhadores, foi capaz de promover a plena igualdade de direitos, e, por conseguinte, alterar as estruturas sociais discriminatórias quanto ao perfil do trabalhador doméstico.

A hipótese levantada para solução do presente trabalho encontra-se respaldada na luta pelo reconhecimento do trabalhado realizado pelas mulheres. Desde a Revolução Industrial e, principalmente, com a consolidação da divisão sexual do trabalho, as mulheres trabalhadoras estiveram sempre à margem das legislações e dos serviços. Sendo delegadas aos trabalhos reprodutivos e de menor prestígio social, as mulheres, dentro da sociedade patriarcal, foram subvalorizadas, invisibilizadas e colocadas em subalternidade aos homens, cabendo a eles a responsabilidade pela família e pela execução de trabalhos produtivos e de maior prestígio. É a partir desse contexto e da delimitação da mulher à esfera doméstica que o trabalho doméstico emerge. No Brasil, além disso, essa forma de trabalho foi destinada principalmente às mulheres negras, sendo estabelecido desde, e como herança, do regime escravagista.

Diante dessa construção social do perfil do trabalhador doméstico, constata-se as principais motivações para a desproteção jurídica, mediante a não concessão de direitos destinados a essa classe trabalhadora, e a constante luta para serem respaldados legalmente.

Neste contexto, o objetivo geral da monografia está na compreensão das estruturas sociais que delimitam e restringem a concessão de direitos trabalhistas aos trabalhadores domésticos. Para tanto, fez-se necessário a utilização de objetivos específicos para melhor compreensão da construção social do trabalho doméstico. Assim, buscou-se demonstrar como

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a Revolução Industrial Inglesa, através da consolidação do modo de produção capitalista, delimitou o espaço de trabalho ocupado pelas mulheres, e como essa delimitação se refletiu na construção e no perfil do trabalho doméstico brasileiro e, também, na incapacidade das legislações protetivas de superarem essas desigualdades históricas.

A relevância e atualidade do tema residem não apenas na conquista trabalhista, mas também no reconhecimento social conferido ao trabalhador doméstico mediante a ampliação de direitos concedidos a essa classe trabalhadora. O trabalho doméstico, sobre tudo no Brasil, ao conjugar gênero, classe e raça, critérios marcados pelo viés discriminatório, ainda definem o perfil do trabalhador doméstico. Dessa forma, qualquer medida que vise equalizar direitos representa a luta constante a fim de superar preconceitos e discriminações enraizados na sociedade brasileira.

Para realização do trabalho utilizamos do método de abordagem indutivo, o qual, partindo da análise de um objeto específico, sejamos capazes de tirarmos conclusões gerais. Fizemos um levantamento bibliográfico, conjugando legislação (constitucional e infraconstitucional), argumentos doutrinários, artigos publicados em periódicos, anais e revistas eletrônicas, bem como de dados oriundos dos institutos de pesquisas, a fim de evidenciar que as legislações acerca do trabalho doméstico são tardias e escassas e podem ser compreendidas como uma forma de dominação, a fim de manter o status quo das estruturas sociais brasileiras. E essa análise também tem como fundo crítico uma teoria política feminista.

Para a apresentação de um panorama geral da formação e consolidação do trabalho doméstico no Brasil e das legislações concedidas a essa classe trabalhadora, dividimos o seguinte trabalho em três capítulos. O primeiro apresenta o contexto histórico – da Revolução Industrial até o Brasil República - de modo a demonstrar as características fundantes do trabalho doméstico, e de como a mulher negra tornou-se o rosto deste no Brasil. Nele também será demonstrada a importância das lutas motivadas pelo movimento feminista, que conjugadas com a organização sindical podem ser compreendidas como mecanismos contra a exploração dos trabalhadores domésticos, além de existirem como espaços de fortalecimento dessas reivindicações.

O segundo capítulo versa sobre a evolução legislativa do trabalho doméstico no Brasil. Ao perpassar pelas codificações que garantiram direitos e/ou disciplinaram o trabalho doméstico, será destacado como esse contexto histórico influi de maneira determinante nas legislações. Será destacado, também, a importância de organismos internacionais (através de suas conferências) para a modificação de legislações vigentes no Brasil.

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Por fim, no terceiro capítulo será traçado, através de dados fornecidos pelos institutos de pesquisas, o perfil do trabalhador doméstico no Brasil hoje, bem como a análise de alguns direitos conferidos de maneira imediata com a promulgação da Emenda Constitucional 72/2013. O capítulo final também busca questionar se mera previsão constitucional é capaz de promover e superar as desigualdades que moldam a realidade do trabalhado e do trabalhador doméstico no Brasil.

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1 CONTEXTO HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO

1.1 O PAPEL DA MULHER NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: DE MÃO-DE-OBRA BARATA À EXÉRCITO DE RESERVA

Com a Revolução Industrial1 iniciada na Europa, mas precisamente na Inglaterra e na França, foi possível reconhecer os reflexos que os séculos anteriores acarretaram na organização econômica, tecnológica e social2 dos séculos XVIII e XIX. Esse período representará uma virada na dinâmica das relações sociais e estruturais, principalmente na esfera empregatícia, como será demonstrado a seguir.

A Revolução Industrial apresenta-se como resultado da crise do sistema feudal, modo de produção que perdurou na Europa durante a Idade Média. O modelo de produção feudal não condizia mais com o novo tempo, pois com o acumulo de capital nas mãos dos senhores feudais começa a surgir um novo modo de produção. O século XVII marca a última fase da transição da economia feudal para a economia capitalista3.

De acordo com Hobsbawn4, o século XVIII apresenta uma forte expansão demográfica, uma crescente urbanização e a fabricação e o comércio supriam as dificuldades oriundas da agricultura. Essa mudança de tempo pode ser representada pela substituição da agricultura, que demandava muito tempo, a incorporação do comércio e das manufaturas que poderiam ser vistas como atividades ativas, determinadas e otimistas.

Através da ascensão do capitalismo como modo de produção, que impulsionou a Revolução Industrial, passa-se de um sistema agrário e artesanal para o industrial. Há o surgimento das máquinas movidas a vapor, a criação das primeiras fábricas, da produção em série fatos que modificaram a execução do trabalho e redefiniram as ocupações dos empregados.

Todos esses acontecimentos provocaram uma nova concepção das relações sociais, essas passando a se estabelecer no dinheiro, na propriedade privada e na acumulação de capital, conforme conceitua Eric Hobsbawn

1 Neste momento será trabalhado apenas a Revolução Industrial Inglesa e a ascensão do capitalismo a fim de delimitar a pesquisa e observar como essas transformações influenciaram e influem nos acontecimentos recentes. 2 Segundo Eric J. Hobsbawn “A Revolução Industrial não foi uma mera aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração de crescimento em virtude da transformação econômica e social - e através dela.”. HOBSBAWN. Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003a, p.33.

3 HOBSBAWN, Eric J. . As origens da revolução industrial. São Paulo: Global, 1979, p. 7-9. 4 Ibid p.38.

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Se o capitalismo deve triunfar, então a estrutura da sociedade feudal ou agrária deve sofrer uma revolução. A divisão social do trabalho deve ser muito elaborada se se deseja incrementar a produtividade e a força social do trabalho deve ser redistribuída radicalmente - da agricultura à indústria - enquanto persista esta situação5

Com a transferência da produção agrária para a industrial, a população também faz um deslocamento do campo para a cidade, resultando num aumento significativo de pessoas vivendo nas cidades. Para a economia industrial esse excedente de mão-de-obra6, acarretado

pelo aumento populacional, era algo desejável, uma vez que a indústria necessitava dele para se desenvolver.

O contingente de trabalhadores conseguidos pelas indústrias era alto, porém, faltava trabalhadores qualificados e com habilidades para desenvolver o novo ofício. Dessa forma, faz-se necessário a “setorização” dos trabalhadores de acordo com as suas competências, bem como moldarem-se ao um novo estilo de produção. Nesse sentido, explana Hobsbawn7.

Todo operário tinha que aprender a trabalhar de maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente. A mão-de-obra tinha também que aprender a responder aos incentivos monetários.

Essa “setorização” do trabalhador é a gênese do que se chama divisão social do trabalho. Decorrida do modo de produção capitalista, ela não pode ser comparada à divisão de tarefa, ofícios ou especialidades da produção através da sociedade, pois, apesar de todas as sociedades conhecidas dividirem suas tarefas, elas não as dividiam de maneira sistemática a fim de que o trabalho fosse realizado através de especialidade produtiva em operações limitadas de modo a gerar excedente e lucro8.

Diante das novas exigências impostas pelas indústrias, tornou-se necessário repensar e realocar os trabalhadores. É nesse período que as mulheres começam a exercer atividades nas fábricas. A entrada da mulher no mercado trabalho é movida pelas dificuldades que seus maridos, os chefes das famílias, encontravam em sustentar suas famílias devido aos baixos

5 Ibid, p.20.

6 Segundo Hobsbawn “O novo sistema (...) consistia em três elementos. O primeiro era a divisão da população ativa entre empregadores capitalistas e trabalhadores que nada possuíam senão sua força de trabalho, que vendiam em troca de salários. O segundo era a produção na “fábrica”, uma combinação de máquinas especializadas com mão-de-obra humana especializada, (...). O terceiro elemento era a dominação de toda a economia – na verdade, de toda a vida – pela procura e acumulação de lucro por parte dos capitalistas”. HOBSBAWN. Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, 2003a, p.62.

7 HOBSBAWN. Eric J. . A Era das revoluções. Rio de Janeiro. 16 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003b, p. 79. 8 BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: A degradação do trabalho no século XX. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 70.

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salários que recebiam, necessitando da contribuição da mulher não mais apenas na esfera reprodutiva, mas também na esfera produtiva9.

É a partir dessa nova situação instaurada pela Revolução Industrial que emerge a figura do trabalho feminino e infantil, pois, segundo Hobsbawn “nas fábricas onde a disciplina do operariado era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres e crianças”10. Mantoux11 também relaciona o emprego da mulher, bem como da criança, à docilidade, delicadeza e leveza dos gestos, bem como ao baixo custo12. Dessa maneira, constata-se que o capitalismo, desde sua gênese, apropria-se do trabalho feminino a fim de com ele conquistar mais ganhos.

Existia também, segundo Hobsbawn13, uma relutância dos homens em trabalharem nas fábricas, pois ao se subordinarem a esse tipo de serviço perdiam sua independência, sendo essa outras das razões pela qual as mulheres e as crianças representavam a maior parcela de trabalhadores nas fábricas. No ano de 1823, apenas 23% dos trabalhadores nas fábricas de tecido eram do sexo masculino.

Essa realocação da mulher e do homem em espaços distintos no trabalho fabril, atua, principalmente, no espaço de produção. Segundo Mendonça14 a esfera produtiva se apresenta como local central na vida dos seres humanos, uma vez que é através dela que nos tornamos seres sociais, e não pela mera existência. Se o espaço de produção é ambiente de centralidade da vida dos seres humanos pode-se dizer que as divisões ocorridas nestes espaços influem de maneira decisiva na vida em sociedade. Conforme aponta Harry Braverman “a divisão social do trabalho é aparentemente inerente característica do trabalho humano tão logo ele se converte em trabalho social, isto é, trabalho executado na sociedade e através dela” 15.

9 BOTTINI, Lucia Mamus; BATISTA, Roberto Leme. O Trabalho da Mulher durante a Revolução Industrial Inglesa (1780 – 1850). In: Os desafios da Escola Pública Paranaense na perspectiva do professor PDE: artigos.

v.1. 2013, p.3. Disponível em: <

http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_fafipa_hist_arti go_lucia_mamus_bottini.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2019.

10 HOBSBAWN, 2003b, p.80.

11 Segundo Mantoux (s/d): (..) a contratação maciça de mulheres e, principalmente, de crianças. O trabalho nas fiações era fácil de aprender, exigia muito pouca força muscular. Para algumas operações, o pequeno porte das crianças e a finura de seus dedos faziam delas os melhores auxiliares das máquinas. Eram preferidas ainda por outras razões, mais decisivas. Sua fraqueza era a garantia de sua docilidade: podiam ser reduzidas, sem muito esforço, a um estado de obediência passiva, ao qual os homens feitos não deixavam facilmente dobrar. MANTOUX, Paul. A Revolução Industrial no século XVIII. São Paulo: Editora da UNESP/Ucitec, s/d, pp. 418-419.

12 [...] Os salários mais baixos eram, como sempre os das mulheres e crianças; por isso preferidas, em detrimento dos homens. Ibid, p.435-436.

13 HOBSBAWN. 2003a. p.64.

14 MENDONÇA, Elaine Cristina. Divisão Sexual do Trabalho no espaço doméstico: Um estudo preliminar com mulheres pertencentes à burguesia e ao proletariado.2009. 70 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2009, p.11.

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Com o objetivo de manter as estruturas do modo de produção capitalista, nota-se uma mudança social que se dá não apenas na divisão social do trabalho, mas também na divisão sexual do trabalho, de modo a intensificar a exploração, subordinação, opressão da mulher pelo homem. Surge como consequência dessa desigualdade de gênero, a ideia de que a mulher e o homem são diferentes não apenas biologicamente, mas também socialmente, devendo, portanto, cada um exercer papéis sociais distintos16. Constata-se, então, que a Revolução Industrial pode ser compreendida como uma revolução no sentido estrito da palavra, pois apresentou diversas modificações pelas quais a sociedade passou nos séculos XVIII e XIX.

Com a Revolução Industrial também surge uma nova classe social: a dos operários. Classe essa que era explorada pelos industriais capitalistas em troca de baixos salários, bem como sujeitava-se a condições precárias a fim de manter-se no emprego. Isso ocorre pois, conforme Braverman17 o empregador (capitalista) necessita da ampliação do seu capital e, para isso, se utiliza de diversos meios, como obrigar o trabalhador a trabalhar jornadas mais longas possível bem como optar pela utilização dos mais produtivos meios de trabalho. Tudo isso acontecia em vista de uma produção maior de excedente e maior lucro. De acordo com Gorz18 “a organização hierárquica do trabalho não tem como função social a eficácia técnica, mas a acumulação.” A busca pela acumulação faz com que o empregado perca a liberdade de decidir como e quando quer trabalhar, executando suas tarefas apenas nas condições que o patrão determinar, completa19.

É a partir da tomada de consciência de classe que emergem os primeiros movimentos operários20 – ludismo e cartismo - a partir dos quais os trabalhadores reivindicavam melhores

condições de trabalho, salário e buscavam, dentre outros pedidos, o direito ao voto.

Segundo Hobsbawn21 o movimento operário pode ser visto como uma resposta ao

grito do homem miserável. A resposta obtida é a consciência de classe e a ambição de classe. Através desses movimentos, os pobres se organizavam na classe operária, sendo ela uma classe específica e distinta da classe dos patrões. Sendo assim, a Revolução Industrial trouxe aos trabalhadores a necessidade de mobilização permanente.

16 MENDONÇA, 2009., p.8. 17 BRAVERMAN, 1987, p. 58.

18 GORZ, André. Crítica da Divisão do Trabalho: escolhidos e apresentados por André Gorz; Tradução Estela dos Santos Abreu. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.41.

19 Ibid, p.41.

20 Segundo Hobsbawn, o Ludismo é um movimento operário formado por um “ Grupo de trabalhadores ingleses que, entre 1811 e 1816, se rebelaram e destruíram máquinas têxteis, pois acreditavam que elas eram responsáveis pelo desemprego”. HOBSBAWN, 1979, p.65.

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As movimentações operárias também apresentam um viés feminino, uma vez que a inserção da mulher no mercado de trabalho não foi fácil e provocou mudanças estruturais significativas. Ao sair de casa para trabalharem nas fábricas as mulheres assumem uma dupla jornada de trabalho, mas seus salários não correspondem ao trabalho realizado, e suas atividades laborais são desenvolvidas em ambientes precários e insalubres. Além disso, nas fábricas, as mulheres eram vítimas de assédio e violência sexual, tanto pelos trabalhadores quanto pelos empregadores, conforme explica Rago22

As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidação física, da desqualificação intelectual ao assedio sexual, elas tiveram sempre de lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido – pelos homens – como naturalmente masculino. Esses obstáculos não se limitavam ao processo de produção; começavam pela própria hostilidade com que o trabalho feminino fora do lar era tratado no interior da família.

Com a Revolução Industrial Inglesa e com o trabalho nas fábricas, tornou-se evidente como as relações de gênero influíram de maneira determinante nas posições ocupadas pelos homens e pelas mulheres na sociedade, e também revela como essa desigualdade permeia as relações empregatícias.

Da mesma maneira, com a introdução crescente de máquinas e dos avanços tecnológicos das fábricas, a partir do século XVIII, o aumento nos índices de desemprego apresenta um impacto maior no emprego de mulheres. Chantal Rogerat23 ao escrever sobre a questão do desemprego, mesmo o que ocorre nas últimas duas décadas, observa que se deve levar em conta que há diferença entre os desempregados dos dois sexos. O desemprego feminino está correlacionado diretamente à questão da marginalidade, precarização e exclusão que as mulheres sofrem na sociedade.

A precarização pode ser compreendida de dois modos sendo um deles relacionada ao emprego a qual está intimamente relacionada à questão do desemprego e do trabalho temporário e a outra relacionada à precarização do trabalho a qual se molda na qualificação e reconhecimento no trabalho24.

A precarização do trabalho e do emprego culminada com a dificuldade de encontrar maneiras efetivas de consolidar os direitos individuais e coletivos são ferramentas que

22 RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In. DEL PRIORE, Mary (org). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p. 581-582.

23 ROGERAT, Chantal. Desemprego. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 49-50.

24 APPAY, Béatrice; THÉBAUD-MONY, Annie. Precarização Social.In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 193.

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entravam, ainda mais, o trabalho feminino. Conforme explana Appay e Thébaud-Mony25 “a

precarização torna, assim, pouco eficaz um conjunto de instrumentos jurídicos que supostamente deveriam combater a discriminação contra as mulheres”.

A precarização repousa sobre a ideia de que o trunfo de uma sociedade pode ser auferido em relação ao crescimento econômico da mesma, deixando de lado a possibilidade de mudanças sociais em vista de uma reestruturação produtiva. Dessa maneira, Appay e Thébaud-Mony constatam que a legitimidade pode ser explicada através das relações sociais do trabalho pois

Sua legitimidade social e cultural se apoia nas relações sociais de dominação, em particular nas relações sociais de sexo. Tanto na vertente das reestruturações produtivas como do campo da saúde no trabalho, a precarização social encontra sua legitimidade nas formas instituídas da divisão do trabalho social (isto é, do trabalho na produção e na vida familiar, social e política), entre homens e mulheres26.

Os processos de precarização do trabalho em conjunto com a informalidade do trabalho que vai surgindo devido ao aumento do número de desempregadas caminham para um novo estágio das relações empregatícias nas quais as mulheres adquirem outra função: a de reserva de trabalho. Segundo Braverman27 isso acontece pela conjugação de dois fatores

determinantes: pagamento mais baixo e maior disponibilidade para o mercado de trabalho. Esse exército de reserva está intimamente relacionado à quantidade de desempregados, pois no modo de produção capitalista, o desempregado não pode ser compreendido como uma aberração, mas sim como uma mecanismo fundamental para se manter como sistema em funcionamento. Conforme Braverman28 explana esse exército de reserva é formado,

principalmente “pela massa das mulheres que, como donas de casa ou domésticas, constituem uma reserva para as ‘ocupações femininas’”.

Também em relação a esse argumento, Saffiotti29 aponta “o capitalismo é visto como um regime deletério ao desenvolvimento das potencialidades femininas”, uma vez que é através dele que há a opressão da mulher através da retirada de suas funções econômicas. Porém, é por causa dessa situação que há uma conscientização da posição da mulher de forma a buscar soluções através de lutas por liberação30.

25 Ibid., p. 194. 26 Ibid., p.195.

27 BRAVERMAN, 1987, p. 326. 28 BRAVERMAN, 1987, p. 326-327.

29 SAFFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. O Trabalho Feminino sob o Capitalismo dependente: Opressão e Discriminação, 1987, p. 407.

30 SAFFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade. Petrópolis: Vozes, 1978.

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1.2 A DIVISÃO SEXUAL E O PATRIARCADO COMO DELIMITAÇÕES DO TRABALHO FEMININO À ESFERA DOMÉSTICA

Se num primeiro momento o trabalho feminino foi visto como lucrativo, por ser mais barato, agora ele passa a incomodar a classe trabalhadora masculina. A divisão social do trabalho, consubstanciada na condição social dos trabalhadores, dá lugar a divisão sexual do trabalho, a qual, Danièle Kergoat e Helena Hirata31 definem como

Uma forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fato prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa é formula é modulada histórica e socialmente. Tem como característica, a desigualdade prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções de maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares, etc).

A divisão sexual do trabalho é estabelecida e fundamentada segundo o sexo, sendo este o viés definidor e norteador de como o trabalho será organizado e estruturado32. Neste

sentido, Flávia Biroli33 explana como a divisão sexual do trabalho busca delimitar os locais

que as mulheres ocupam

Falar de divisão sexual do trabalho é tocar no que vem sendo definido, historicamente, como trabalho de mulher, competência de mulher, lugar de mulher. E, claro, nas consequências dessas classificações. As hierarquias de gênero, classe e raça não são explicáveis sem que se leve em conta essa divisão, que produz, ao mesmo tempo, identidades, vantagens e desvantagens. Muitas das percepções sobre quem somos no mundo, o que representamos para as pessoas próximas e o nosso papel na sociedade estão relacionadas à divisão sexual do trabalho.

A divisão sexual do trabalho não pode ser vista como uma forma de divisão das tarefas de modo as tornarem complementares, mas sim demonstra uma relação de poder com o qual os homens subordinam as mulheres. Conforme explana Kergoat34, essa divisão baseia-se em dois princípios básicos: hierarquização e separação. Aquela consiste no fato de considerar que o homem, ou o trabalho do homem, vale mais do que o da mulher. Já a separação diz respeito a delimitar qual o serviço/trabalho poderá ser realizado pelas mulheres.

31 HIRATA, Helena; KERGOAT, Danièle. Novas configurações da Divisão Sexual do Trabalho. Tradução de Fátima Murad. Cadernos de Pesquisa, v.37, n. 132, p. 595-609, set./dez. 2007, p. 599.

32 SAFFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, Patriarcado e Violência. São Paulo: Editora: Fundação Perseu Abramo, 2ª reimpr, 2011, p. 58.

33 BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: os limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 21.

34 KERGOAT, Danièle. Divisão Sexual do Trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 68.

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Ocasionada por tensões de grupos antagônicos, a divisão sexual do trabalho tende a resultar em fenômenos sociais passíveis de serem segregadores ou unificadores. Dessa maneira, falar em divisão sexual do trabalho é “ir além de uma simples constatação de desigualdades: é articular a descrição do real com uma reflexão sobre os processos pelos quais a sociedade utiliza a diferenciação para hierarquizar essas atividades”35.

A delimitação oriunda da divisão sexual do trabalho fundamenta-se sobre a perspectiva do patriarcado, uma vez que ele busca limitar a mulher ao espaço doméstico, sendo ela subordinada e subalterna ao homem, exercendo, portanto, atividades reprodutivas. Conforme elucida Saffiotti36, as sociedades patriarcais são responsáveis pela disseminação cultural da discriminação contra seus elementos femininos, e o resultado pode ser observado no desrespeito a essa parcela da sociedade de forma que manter essa estrutura configura-se como uma capacidade de não promoção da justiça social.

O patriarcado, que nasce de uma sociedade capitalista, não está consubstanciado na ideia de uma distribuição igualitária do produto social, bem como não busca considerar todos os membros da sociedade de forma igual e nem permitir que eles possam desenvolver todas as suas potencialidades37. Conforme expõe Saffiotti38, a cultura patriarcal não pode ser compreendida como uma forma de discriminação em si, mas sim como uma forma de manter um modo de produção discriminador, sendo ele capaz de facilitar o processo de marginalização dos grupos sociais com os quais não se consegue, ou não se quer, manter o vinculo, como no caso das minorias religiosas, das minorias étnicas e das mulheres. Com as mulheres, o patriarcado não busca fomentar a discriminação, mas sim “trabalha” na ideia de manter a extensa massa trabalhadora feminina dentro do lar.

Delimitar a mulher ao espaço doméstico, assim como sobre os olhos e abraçada pelo homem, força a mulher a ser assimilada pelo patriarcado, sob o argumento de obter proteção através da obediência. De acordo com Saffiotti39 a proteção pode ser compreendida, a mínimo ou longo prazo, como uma forma de exploração e dominação, revelando que dessa forma as “mulheres jamais alcançaram a categoria de indíviduos” e consequentemente de cidadãs, uma vez que “o conceito de cidadão, rigorosamente, constitui-se pelo indivíduo”.

35 Ibid., p. 72.

36 SAFFIOTTI, 1987, p. 408. 37 Ibid., p. 408.

38 Ibid., p. 408.

39 SAFFIOTTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, Patriarcado e Violência. São Paulo: Editora: Fundação Perseu Abramo, 2ª reimpr, 2011, p. 128

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Christine Delphie40, em seu artigo intitulado Teorias do Patriarcado, expõe que o

conceito de patriarca é antigo uma vez que a expressão era utilizada para designar os ocupantes dos altos cargos da Igreja, fazendo remissão aos primeiros chefes de famílias. É no século XIX quando acontece essa “virada” das relações sociais, impulsionada e solidificada com a Revolução Industrial e com o modo de produção capitalista, que o conceito de patriarcado também se modifica. O novo conceito pode ser compreendido como uma forma de designar a formação social onde o poder é exercido pelos homens. É, também, a partir dessa transformação social que se sedimentam as questões de gênero de forma mais latente, visto que o homem passa a exercer uma dominação sobre a mulher de maneira a oprimi-la, sujeita-la, subordiná-la41.

A partir disso, Delphie42 constata que os termos patriarcado, gênero (sistema de gênero) e relações sociais de sexo (relações sociais de gênero) descrevem, de maneira comum, relações coletivas. Ou seja, baseiam-se na generalidade e na coletividade, não designando atividades individuais e/ou setores específicos da sociedade, como seria o caso do machismo e do sexismo que estão relacionados a questões mais intersubjetivas. Segundo Saffiotti43 todas as sociedades baseadas na cultura do patriarcado apresentam justificativas culturais sobre a questão de discriminação feminina. Observa-se, portanto, que é nas relações trabalhistas que mais aflora a distinção entre homens e mulheres, uma vez que a exploração feminina fomentada pelo modo de produção capitalista e sedimentada pelo patriarcado evidencia essa distinção.

Saffiotti44 expõe que patriarcado pode ser compreendido como uma relação específica

ao contrário da relação de gênero, - que apresenta uma conceito mais amplo -, uma vez que se trata de uma relação hierarquizada de seres em posições socialmente desiguais; representando, portanto, a exploração das classes dominantes. Se o patriarcado se consolida na hierarquização das classes observa-se que surge, a partir daí, uma delimitação dos espaços socais ocupados pelo homem e pela mulher. Essa delimitação está centrada nas relações sociais de sexo. Segundo Paterman apud Lamoureux45 as modernas teorias do contrato sexual podem ser compreendidas como mecanismos que

40 DELPHY, Christine. Patriarcado (teorias do). In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 173–178.

41 Ibid., p. 173.

42 DELPHY, Christine. op.cit., 2009, p. 178. 43 SAFFIOTTI, 1987, p. 408.

44 SAFFIOTTI, 2011, p. 118.

45 PATERMAN 1988 apud Lamoureux, Diane. Público/Privado. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009,p.209.

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Conduzem a uma definição da esfera pública centrada num indivíduo cujas características essenciais são a independência, a responsabilidade e a razão. Quanto a esfera privada, ela se reduz cada vez mais à intimidade e à família, uma vez que a economia moderna sai da esfera doméstica para se tornar social mediante o duplo mecanismo do mercado e da divisão social do trabalho

Restringir a mulher à esfera privada é limitar suas capacidades e a colocar em um local onde ela não venha a incomodar e continue a reproduzir as suas atividades “naturais”. Com escopo do patriarcado, considera-se a esfera privada o local onde as mulheres passam a executar as tarefas domésticas e, por consequência, tornam-se invisíveis ao trabalho desenvolvido na sociedade46. Segundo Fougeyrollas-Schwebel47 é no espaço privado, mas precisamente no ambiente doméstico, que a mulher encontraria o local primordial para desenvolver suas atividades laborais, pois, são nesses espaços em que há a conjugação das características laborais intrínsecas femininas e sua expressão completa: a docilidade para realização do trabalho e o exercício de cuidado com o outro.

Ante essa imposição da esfera doméstica à mulher e da delegação do trabalho a ser desenvolvido por ela, pode-se observar que nem sempre a mulher que desempenhará o trabalho doméstico, de forma prioritária, é a mãe da família. Em muitos casos há uma transferência do trabalho doméstico para a imigrante, bem como para mulheres pertencentes as classes mais baixas. Dessa forma, para compreender o trabalho doméstico é necessário analisar não apenas um fato isolado, mas as combinações entre relações de sexo, de classe e de raça48. A conjugação de desses fatores bem como a submissão da mulher a atividades precárias e a posterior realocação da mulher como exército de reserva modificam o cenário do trabalho feminino que, através da cultura do patriarcado, a invisibiliza dentro do espaço privado, local onde passa a executar as tarefas domésticas.

1.3 TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL

Falar do trabalho doméstico no Brasil é remeter-se ao período escravocrata, uma vez que é nessa época em que os escravos, de forma primordial as mulheres e as crianças, laboram no interior das residências dos proprietários das fazendas. Sendo assim, depreende-se o

46 FOURGEYROLLAS-SCHWEBEL, Dominique. Trabalho Doméstico. In: HIRATA, H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009, p. 256-257.

47 Ibid., pp. 258-259. 48 Ibid., p. 261.

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porquê dessa forma de trabalho ser desvalorizada e de custosas modificações trabalhistas49.

Em seu livro intitulado “Gênero, patriarcado, violência”, Saffiotti50 demonstra a correlação

existente entre escravismo, racismo e sexismo bem como a forma como esses elementos são fundantes para a compreensão do trabalho doméstico no Brasil

Sexismo e racismo são irmãos gêmeos. Na gênese do escravismo constava um tratamento distinto dispensado a homens e a mulheres. Eis por que o racismo, base do escravismo, independentemente das características físicas ou culturais do povo conquistado, nasceu no mesmo momento histórico em que nasceu o sexismo. Quando um povo conquistava outro, submetia-o a seus desejos e suas necessidades. Os homens eram temidos, em virtude de representarem grande risco de revolta, já que dispõe, em média, de mais força física que as mulheres, sendo, ainda, treinados para enfrentar os perigos. Assim, eram sumariamente eliminados, assassinados. As mulheres eram preservadas, pois serviam a três propósitos: constituíam força de trabalho, importante fator de produção nas sociedades sem tecnologia ou possuidoras de tecnologias rudimentares; eram reprodutoras desta força de trabalho, assegurando a continuidade da produção e da própria sociedade; prestavam (cediam) serviços sexuais aos homens do povo vitorioso. Aí estão as raízes do sexismo, ou seja, tão velho quanto o racismo.

Calvet51 salienta que a história do trabalho doméstico no Brasil foi caracterizada pelo

trabalho feminino negro onde as mulheres desempenhavam diversas atividades nas residências que laboravam, cabendo às escravas executar afazeres domésticos de forma a atender as necessidades da família de seu senhor. Assim, serviam de amas de leite aos recém-nascidos bem como eram responsáveis pelas mais diversas atividades domésticas que iam desde cozinhar, arrumar a casa, cuidar das roupas até servir de companhia para as demais mulheres da casa e, não era raro, havia as que ainda deveriam manter relações sexuais com seus proprietários ou os filhos deles.

Na construção social do Brasil nota-se que houve o favorecimento de uma pequena parcela da população que está intimamente relacionado à questão de raça, classe e gênero. Na esfera trabalhista fica nítida a diferença existente entre gêneros desde as sociedades mais primitivas, visto que na formação da conjuntura do capitalismo e do patriarcado as mulheres tiveram que assumir as condições mais degradantes, com menor remuneração e sendo direcionadas a posições específicas52.

A história do trabalho doméstico no Brasil miscigena-se com a história da construção e da formação da sociedade brasileira e esta está intimamente relacionada aos ciclos

49 CALVET, Felipe. A Evolução Legislativa do Trabalhador Doméstico. In: GUNTHER, L. E.; MANDALOZZO, S. S. N. Trabalho doméstico: teoria e prática da Emenda Constitucional 72, de 2013. Curitiba: Juruá, 2013, p.87.

50 SAFFIOTTI, 2011, p.124-125. 51 CALVET, 2013, p. 87. 52 BIROLI, 2018, p. 22-23.

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econômicos que compuseram a história. Dessa forma, conceitua Gilberto Freyre53 que a

formação social do Brasil pode ser compreendida como tendo no cerne de sua atividade econômica a monocultura açucareira, e dela resultando uma sociedade patriarcal, agrária, escravista e mestiça. Assim, as construções sociais e vínculos empregatícios existentes na sociedade brasileira apresentam características semelhantes, uma vez que, o Brasil é um país de industrialização tardia e os reflexos do período colonial têm influência direta nos trabalhos realizados até hoje.

Sérgio Buarque de Holanda54 expõe a necessidade de se compreender que a formação do Brasil contemporâneo está diretamente ligada às origens da sociedade brasileira, ou seja, está atrelada à colonização e ao seu legado cultural, político e institucional. O que vivemos agora no país é reflexo de todo um período histórico e de uma cultura instituída por processo não tão democrático que visou privilegiar e favorecer uma pequena parcela da população brasileira.

Dessa maneira, entender os ciclos econômicos vinculados aos períodos históricos em que foi dividida a história do Brasil e o seu papel na formação da sociedade brasileira é de suma importância para desvendar as lutas, os entraves e as conquistas na esfera trabalhista, principalmente no que tange ao trabalho doméstico.

1.3.1 Colônia

O período colonial brasileiro, compreendido entre 1500 e 182255, marcou

profundamente a formação da sociedade brasileira56. Desde a chegada das primeiras caravelas até a independência, o Brasil consolidou-se como um país agroexportador de riquezas naturais cujo comércio era realizado através do trabalho escravo, onde negros e negras desempenhavam o trabalho braçal nas lavouras e para as famílias de seus proprietários.

53 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 51. ed. São Paulo: Global, 2006, p.98.

54 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 28. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 179. 55 AGÊNCIA BRASIL. Colônia. Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/noticias/cultura/2010/01/colonia>. Acesso em 08 abr 2019.

56 Segundo Algranti “Nos primeiros séculos da colonização, a organização familiar e a vida doméstica não poderiam deixar de ser influenciadas por alguns dos elementos que marcaram profundamente a formação da sociedade brasileira e o modo de vida de seus habitantes.(...) Além disso, o próprio caráter de uma sociedade estratificada, na qual a condição legal e racial dividia os indivíduos ente brancos, negros, livre e escravos”. ALGRANTI, Leila Mezan. Famílias e vida doméstica. In: SOUZA, Laura de Melo e (Org.). História da vida

privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

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Os ciclos econômicos influenciaram de maneira decisiva na formação das cidades e da cultura do povo brasileiro. Segundo Saffiotti57 “o processo da colonização brasileira

constituiu, não de uma implantação de um sistema econômico feudal, mas o estabelecimento de uma economia colonial dependente servindo aos interesses do florescente capitalismo mercantil europeu”. Esse sistema de fornecimento, exploração e dominação podem ser observados em diversos setores da sociedade. Com relação à mulher, e principalmente à mulher negra e escrava, analisar esse período é essencial para compreensão das justificativas para exclusão da mulher dos espaços sociais e da sua delimitação a espaços aos quais elas desempenhem ocupações essencialmente e reconhecidamente femininas58.

A época do Brasil colônia representa mais de três séculos na formação social do país, podendo ser considerado como a gênese do trabalho doméstico no Brasil, uma vez que, como será observado, as características desse tempo permanecem vivas até os dias atuais. Em resumo, pode-se depreender que o trabalho doméstico era realizado por mulheres, em especial pelas negras, ou seja, baseia-se no trabalho escravo. Assim, aponta Algranti59

Dois elementos marcam profundamente as atividades dos colonos no interior dos domicílios e a sua rotina cotidiana: a escravidão e a falta de produtos, que estimulou a produção doméstica. A necessidade de mão-de-obra levou os primeiros colonizadores à busca incessante de soluções que pudessem sanar o problema. Num primeiro momento, são os gentios da terra que farão os serviços da casa, ensinando os colonos a viver nos trópicos e a aproveitar os recursos existentes para suprir as necessidades básicas. Conforme a colonização avançava e as técnicas de transformação dos produtos iam sendo assimiladas e adaptadas, eles seriam substituídos rapidamente pelos escravos africanos, que passam a predominar como força de trabalho tanto no campo como na cidade, constituindo o elemento fundamental da vida econômica e social da Colônia.

Segundo Algranti60 é a partir dessa delimitação instituída a partir do critério racial e que resulta nas distintas ocupações exercidas pelas mulheres brancas e pelas mulheres negras; pelas mulheres livres e pelas mulheres escravas. Dessa forma, Algranti61 completa que

O estudo da condição de vida das mulheres da Colônia percorre, sem dúvida, os limites entre o espaço público e o privado, e as fronteiras estabelecidas por uma sociedade onde condição legal, econômica e diferenciações raciais entre as personagens eram fatores extremamente significativos

57 SAFFIOTTI, 1978, p. 75. 58 Ibid., p. 87.

59 ALGRANTI, 1997, p. 142-143.

60 ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas: Mulheres da Colônia: Condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. 2ª ed. José Olympio: Rio de Janeiro, 1999, p. 54.

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Analisar o trabalho doméstico a partir da perspectiva racial é essencial para compreender os entraves e as poucas alterações legislativas ocorridas nessa área. Observa-se, desde então, uma dicotomia entre o espaço ocupado pela mulher branca e o espaço ocupado pela mulher negra. As distinções de gênero e de raça consolidam-se e tornam-se marcante na compreensão do trabalho doméstico e sua invisibilidade. Conforme Saffiotti62 aponta

À mulher branca da casa-grande desempenhava, via de regra, importante papel no comando e supervisão das atividades que se desenvolviam no lar. É preciso não esquecer que aquelas atividades não diziam respeito meramente a serviços, que, hoje, são designados domésticos. A senhora não dirigia apenas o trabalho da escravaria na cozinha, mas também na fiação, na tecelagem, na costura; supervisionava a confecção de rendas, e o bordado, a feitura da comida dos escravos, os serviços do pomar e do jardim, o cuidado das crianças e dos animais domésticos, providenciava tudo para o brilho das atividades comemorativas, que reuniam toda a parentela.

Algranti63 destaca ainda que neste período havia uma grande influência da cultura portuguesa na colônia refletindo no trabalho feminino, de modo que cabia à mulher a responsabilidade pelo provimento de alimentos para a família, organização da casa e pela confecção de trabalhos manuais, os quais, segundo a lógica patriarcal, evitavam a ociosidade, maus pensamentos e ações – um preconceito muito comum na realidade daquele tempo - e cabia às escravas a execução dos serviços de limpeza e preparo da casa.

Entende-se, portanto, que o trabalho doméstico - realizado por as mulheres negras e escravas – era consolidado na esfera privada da casa-grande, porém as criadas residiam nas senzalas, ou seja, local distinto do da execução do trabalho. A relação estabelecida entre a senhora e a escrava era uma relação de dependência. Cabia à senhora e ao senhor prestar proteção, alimentação, moradia, roupas aos seus criados e criadas devendo estes, em contraprestação, responder com obediência e fidelidade64.

Diante desses fatos apresentados, observa-se que a formação estrutural do trabalho doméstico no Brasil é firmada através do sistema escravista, patriarcal, hierarquizado e feminino. As distinções de gênero e de raça configuram como fator determinante para compreender a “cara” do empregado doméstico e o porquê de sua exclusão e invisibilidade até os dias atuais e os entraves legislativos enfrentados por essa classe trabalhadora.

62 SAFFIOTTI, 1978, p.99. 63 ALGRANTI, 1997, p. 122.

64 GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência: criadas e seus patrões no Rio de Janeiro – 1860 – 1910. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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1.3.2 Império

Com a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, as relações entre a colônia Brasil e a metrópole Portugal se modificam e refletem isso nas condições socais e econômicas do Brasil Império. O período Imperial brasileiro estende-se da independência até 15 de novembro de 1889, com a proclamação da República. É nesse período que os movimentos abolicionistas começam a se articular e conquistam alguns ganhos, porém nenhum deles é muito significativo para a população negra escrava. Dentre as conquistas conseguidas, destaca-se a extinção do tráfico negreiro, em 185065; em 1871 a Lei do Ventre Livre66 - tornando livre os filhos de escravos nascidos após a promulgação desta lei -, e em 1885 a Lei dos Sexagenários que concedeu a liberdade aos escravos maiores de 65 anos67.

Toda essa movimentação, que teve a influência da elite industrial, resultou, em 13 de maio de 1888, na promulgação da Lei Áurea, que libertou os escravos. As leis que surgiram após a promulgação não trouxeram uma modificação substancial, pois a necessidade de possuir um teto e ter o que comer, bem como o sentimento de pertencimento e acolhimento, fez com que as escravas libertas permanecessem morando e laborando com antigos senhores68. Segundo Alencastro69 apesar da existência e das conquistas dos movimentos abolicionistas o Brasil Império não foi capaz de dissolver os vínculos com o passado escravistas, mas sim a retoma e a reconstrói em um novo contexto de país independente

Após a abolição da escravatura há uma modificação nas relações sociais e trabalhistas, uma vez que não se fala mais em senhora e escrava, mas sim em patroa e empregada70. Consoante à abolição emerge o medo social que pode ser reconhecido como fator contribuinte para a mudança de mão-de-obra nos serviços domésticos, pois as mulheres brancas (patroas) passam a se preocupar mais com as atividades domésticas, uma vez que as mulheres negras

65 BRASIL. Lei 581, de 4 de setembro de 1850. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM581.htm>. Acesso em: 08 abr 2019.

66 ARQUIVO NACIONAL. Lei do Ventre Livre. Disponível em: <

http://www.arquivonacional.gov.br/br/ultimas-noticias/736-lei-do-ventre-livre.html>. Acesso em: 08 abr 2019. 67 SILVA, Deide Fátima da; LORETO, Maria das Dores Saraiva de; BIFANO, Amélia Carla Sobrinho. Ensaio da história do trabalho doméstico no Brasil: um trabalho invisível. Caderno de Direito, Piracicaba, v.17, n.32, p. 409-438, 2017, p. 419. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/cd/article/view/3052>. Acesso em: 10 mar.2019.

68 BERNARDINO-COSTA, Joaze. Sindicatos das Trabalhadoras Domésticas no Brasil: teorias da descolonização e saberes subalternos, 2007, 287s. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais, Brasília-DF, 2007, pp.229-230.

69 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem privada no Império. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.). História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), p. 17.

70 SANTOS apud SILVA, Deide Fátima da; LORETO, Maria das Dores Saraiva de; BIFANO, Amélia Carla Sobrinho. op.cit., 2017, p. 420.

(33)

(empregadas) passam a serem vistas como desleixadas, sujas e incompetentes. Apesar disso, estas acabam se sujeitando à coação e imposições que mantém estruturas escravistas a fim de verem garantidos seus empregos. A cultura que instaurou o medo social é um reflexo da entrada de mão-de-obra imigrante europeia ocorrida neste período. Segundo Slenes71 o regime de trabalho no colonato muito se difere do regime de trabalho no escravismo; devendo, portanto, ser adaptado à nova realidade, apontando que a primeira modificação diz às casas dos trabalhadores

Na época escravista, era comum nas grandes propriedades (..), as senzalas se localizarem logo atrás ou ao lado da casa-grande, em volta do “pátio” ou do terreiro de café. Também era comum, (..), as portas se abrirem para o terreiro, permitindo ao senhor e ao feitor manter uma vigilância a moradia dos escravos, já que muitas atividades domésticas eram feitas fora das casas. Quando chegaram os imigrantes, pelo menos alguns fazendeiros tentaram alojá-los em antigas senzalas. Os colonos, no entanto, não gostaram do plano arquitetônico, semelhante ao de uma cadeia, e insistiram em mudanças. Os senhores aceitaram, despreocupados que estavam agora da fuga de trabalhadores que não eram mais semoventes72.

Diante do relato, aufere-se que as relações empregatícias passam por uma modificação, de maneira em que os empregadores passam a “concorrer entre si para atrair trabalhadores” de forma que acabam por atender aos pedidos e fazer à vontade dos imigrantes73. Se no Brasil Colônia a dicotomia existente no trabalho feminino dizia respeito a relação senhora e escrava, no Brasil Império essa relação é modificada e passam a figurar nos polos a mulher negra, africana e recém liberta e a mulher branca, europeia, migrante. Até 13 de maio de 1888 – quando foi extinta a escravidão no Brasil - cabia às escravas o trabalho pesado, elas eram subordinadas a trocar favores sexuais pela sua alforria74.

A extinção do trabalho escravo faz com que surja um êxodo de ex-escravos das fazendas, que se dividiram em dois grupos: os que sentiam que lhes bastavam a alforria e os que achavam necessário persistir na consolidação por mais direitos75. A divisão não ocorre

apenas com o grupo de escravos, mas também com os de senhores, uma vez que havia os que acreditaram que a liberdade resultaria em gratidão do ex-escravo e que as relações afetivas criadas pela convivência manteriam eles no trabalho, e, em contra partida, o outro grupo

71 SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste paulista. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.).

História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das

Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), p. 284.

72SLENES, 1999, p. 284.

73 Ibid., p. 286-287. 74 Ibid., p. 287-288.

75 CASTRO, Hebe M. Mattos de. Laços de família e direitos no final da escravidão. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de e (Org.). História da vida privada no Brasil: império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 (História da vida privada no Brasil 2), pp. 364-368.

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acreditava que alforria incondicional acarretaria em sérios danos ao mercado de trabalho e seus interesses76.

É a partir dessas modificações sociais que é possível compreender como se consolidará o trabalho doméstico no Brasil República. No período colonial o trabalho doméstico pode ser apresentado como feminino, negro e escravo. No Brasil Império é possível notar que não há modificações significativas, apesar das conquistas dos movimentos abolicionistas e do abalo estrutural ocasionado pela entrada de mão-de-obra europeia. Porém, tais avanços não forma marcantes e decisivos para a modificação do perfil do trabalhador doméstico.

1.3.3 República

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 inicia-se uma nova fase na história do Brasil que se estende até o atual momento, podendo este período ser subdividido em cinco fases77: República Velha, Era Vargas, República Populista, Ditadura Militar e Nova República. Esse novo período que emerge no Brasil traz uma realidade diversa78 dos períodos anteriores, principalmente no que tange à esfera trabalhista: como realocar os ex-escravos, agora livres, no mercado de trabalho e conjugar a mão-de-obra recém liberta com a dos imigrantes europeus recém-chegados79.

Conforme aponta Fausto80, os imigrantes contribuíram para que a paisagem social do

Centro-Sul do país apresentasse uma roupagem diversa da que perdurava no país até então, modificando os hábitos de higiene, alimentação e costumes, além de uma nova ética em relação ao trabalho. Segundo Bernardino-Costa81, nesse contexto, coube às ex-escravas negras

a realização das atividades domésticas, mas agora, remuneradas e permanecendo nas casas onde já residiam em troca de proteção. Essa proteção diz respeito a promoção dos cuidados

76 CASTRO,, 1999, p. 372.

77 PORTAL BRASIL. Período republicano teve início em 1889, com a proclamação da República pelo Marechal Deodoro. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/noticias/cultura/2009/11/brasil-republica>. Acesso em: 08 abri 2019.

78 Conforme descreve Fausto “A base da República seria constituída de cidadãos, representados na direção do Estado por um presidente eleito e pelo Congresso”. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12ª ed. 1ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 245.

79 Segundo Fausto “O Brasil foi um dos país receptores dos milhões de europeus e asiáticos que vieram para as Américas em busca de oportunidade de trabalho e ascensão social”. FAUSTO, Boris. op.cit., 2006, p. 275. 80 FAUSTO, Boris, 2006, p. 281.

Referências

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