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Rede 39 - Família 7. Impacto Hidrelétrica. Triângulo. Guajará-Mirim

2 O SENTIDO CULTURALMENTE CONSTRUÍDO CONDUZINDO ÀS

2.1 A PERCEPÇÃO: DOS SENTIDOS À VISUALIZAÇÃO DAS PAISAGENS

A Geografia Cultural, alicerçada em temas como a história da cultura no espaço, ecologia cultural e paisagens culturais, desde o seu surgimento, conviveu com críticas severas relacionadas a questões conceituais e metodológicas, fato que conduziu seus estudos, temporariamente, a uma visível e sentida negligência (1940-1950) (CORRÊA, 1999).

No entanto, na década de 1950, um novo paradigma aos estudos geográficos surge com o estudo das localizações. Inclui-se nesses estudos o conceito de redes na definição de espaço. O espaço está organizado porque está estruturado em redes de relações sociais e econômicas, em redes de vias de

transporte e de comunicação e em redes urbanas, que concretizam os efeitos da combinação dessas redes (CLAVAL, 2002 p.18).

Com a ideia do espaço quebrada a partir da visão naturalista, cedendo a uma ideia funcionalista, surgem movimentos de discussão que ressaltam e alertam para o fato de que a Geografia pouco falava sobre os homens, os seres que se apropriam de espaços, modificam paisagens e dão sentidos aos lugares.

Com essas inquietações, já no início de 1960, a partir das discussões de John K. Wright, David Lowenthal lança trabalhos nos quais discute o fato de que a Geografia deveria abarcar os vários modos de observação, o consciente e o inconsciente, o objetivo e o subjetivo, o fortuito e o deliberado, o literal e o esquemático, desenvolvendo uma renovação e ampliação do objeto da Geografia (HOLZER, 1996).

Inicia-se um novo modo de pensar a Geografia, com um enfoque cultural. Na resposta a essas inquietações surgem autores como de Yi Fu Tuan e Anne Buttimer que trazem em suas obras um novo pensar sobre a relação do homem com o mundo em que vive (SERPA, 2001; HOLZER, 1996). Houve, então, o ressurgimento da perspectiva cultural na Geografia25 ou, como foi denominada, uma nova Geografia Cultural. Trazendo consigo denominações diversas como a Geografia Fenomenológica, a Geografia da Percepção, a Geografia Humanística ou, enfim, a Geografia Humanista. (OLIVEIRA, 2001; SEABRA, 1999; HOLZER, 1992).

Com estudos fenomenológicos na Geografia, o sentido que conduz aos significados culturais também começa a interessar, com o entendimento de que, para conhecer esse homem que ocupa o mundo, é necessário conhecer os princípios e as origens do significado e da experiência. Essa compreensão é concernente a fenômenos tais como ansiedade, comportamento, conduta, religião, lugar e topofilia, que não podem ser explicitados somente pela observação e medição, mas que devem, primeiro, ser vividos para serem compreendidos como eles realmente são (TUAN, 2012).

Desse modo a Geografia Cultural passa a ser vista como um modo filosófico de reflexão a respeito da experiência consciente e uma tentativa para explicar os sentidos culturalmente construídos e seus significados culturais. Com essa

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A forte atenção por estudos da cultura pela Geografia tem sido compreendida como uma retomada da Geografia Cultural, muito embora o enfoque predominante da abordagem atual seja bastante

abrangência, essa metodologia passa a ser utilizada como aporte para entender o mundo enquanto espaço vivido e de vivência a partir do qual o ser humano, habitante de um mundo físico e social, constrói sentidos dentro de uma determinada cultura. Também como isso influi diretamente sobre os significados e as intencionalidades de sua consciência, na qual são construídas e estabelecidas as experiências, fato que envolve mais do que apenas compreensões cognitivas, sendo o espaço um conjunto contínuo e dinâmico onde o experimentador vive, se desloca, percebe e valoriza as coisas, constrói sentidos e atribui significados (BUTTIMER, 1982; LOWENTHAL, 1982; RELPH, 1975; TUAN, 2012).

Como o sentido é construído culturalmente, a percepção que resulta desses sentidos tende a ser seletiva, criativa, fugaz, inexata, generalizada, estereotipada e, justamente porque imprecisa, “[...] as impressões parcialmente heterogêneas sobre o mundo em geral sempre são mais convenientes do que os detalhes exatos a propósito de um pequeno segmento do mundo” (LOWENTHAL, 1982, p. 122).

Embora sejam natos do ser humano os cinco sentidos, esse ser aprende a utilizá-los a favor de sua cultura. Por exemplo: o conceito de beleza está intimamente ligado à cultura, a maneira de compreender o mundo. O que é belo em uma determinada cultura não o é em outra. Cada visão do mundo é única, pois cada pessoa habita, escolhe e reage ao meio de diferentes maneiras, influenciadas pelos seus sentimentos, visões particulares, e, sobretudo, contemplando as paisagens com suas imagens particulares, em seu próprio e particular estender-se para o mundo (TUAN, 2012).

O ser humano nasce com os órgãos do sentido, mas esses seus sentidos são fortemente influenciados pela cultura a que esse ser pertence. Tais influências dão lugar ao que chamamos, aqui, de sentido culturalmente construído. Esses sentidos culturalmente construídos são responsáveis pelos vieses culturais, pontos de vista, crenças e valores. Há, portanto, valores próprios de cada cultura determinantes do tipo de experiências a serem vivenciadas individualmente, assim como há valores que, embora sejam expressos de forma diversa em cada cultura, são comuns a todas as culturas.

Os sentidos sempre estiveram presentes no olhar geográfico. É pela percepção, com o uso e a prática desses sentidos que o geógrafo passou a estudar as suas categorias: paisagem, espaço, lugar e território, com uma visão que, inicialmente, queria ser neutra (CLAVAL, 2010).

Compreende-se, neste estudo, a partir da unidade de sentido em Frege (1978), a percepção como Tuan a descreve: “[...] tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados ou bloqueados” (Tuan, 2012, p. 18). É o produto dos sentidos culturalmente construídos, pois, se muito do que percebemos tem valor para nós, para a nossa sobrevivência biológica, e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura, tudo que percebemos está ligado aos sentidos culturalmente construídos.

Portanto, com essa compreensão, faz-se uma adaptação do esquema explicativo sobre o processo perceptivo de Del Rio (1999) na figura 05:

Figura 05 - Representação do Processo Perceptivo a partir dos Sentidos Culturalmente Construídos Fonte: Del Rio (1999, p. 03). Adaptado pela autora (2013)

A partir dessa compreensão, reafirma-se a importância da cultura para que o homem/mulher perceba e dê importância às suas visões, aos odores que sente, aos sons que ouve etc. Por isso, ao teorizar caminhos que conduzam às percepções de homens e mulheres pertencentes a comunidades amazônicas, há consciência de

que os sentidos construídos culturalmente são importantes para a formação de um ponto de vista, de um juízo de valor e significados de toda uma comunidade.

Desse modo, na busca das percepções do ser humano amazônico, procurou-se observar como esse ser vê a sua própria paisagem, suas casas, seus caminhos, seu lugar. Como esse humano modifica as paisagens e dá sentido à sua vida, não só com seus sentidos natos, mas sim com os sentidos culturalmente construídos pela comunicação com seus pares, com a influência das mídias que chegam até ela, outros envolvimentos e trocas culturais.

Lembrando também que, como não há uma só cultura amazônica, mas várias, a visão e pontos de vista contidos nela variam de acordo com os interesses das diferentes comunidades que nela habitam e dos diferentes grupos que sobre ela depositam seus interesses. Assim como a Amazônia para os de culturas e sentidos diferentes não é a mesma para os amazônicos, mas, devido aos vieses culturais, cada grupo tenta fazer valer a sua verdade do que seja a Amazônia: “Esse jogo de verdades é parte do jogo de poder que se trava na e sobre ela” (GONÇALVES, 2001, p. 17).