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Rede 39 - Família 7. Impacto Hidrelétrica. Triângulo. Guajará-Mirim

2 O SENTIDO CULTURALMENTE CONSTRUÍDO CONDUZINDO ÀS

3.3 O CENÁRIO DE PESQUISA E SUAS ESPECIFICIDADES

As comunidades inseridas nas cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim, embora sejam comunidades ribeirinhas (Rio Madeira e Rio Mamoré – figura 12) e possuam paisagens com valores, crenças e símbolos que transcendem as culturas individuais, pois fazem parte da cultura nacional, apresentam sentidos característicos, construídos culturalmente, que conduzem a pontos de vista particulares.

Porto Velho permanece em constante processo migratório, em um ir e vir de pessoas de diferentes regiões em busca de oportunidades de vida, enquanto Guajará-Mirim tem um constante ir e vir de estudantes, trabalhadores e turistas brasileiros e bolivianos. Fato que mantém essas comunidades em persistente construção ou especialização de sentidos, um processo condutor a novas maneiras de ser e de ver o mundo.

Ambas as cidades são formadas por diferentes comunidades, com diversas religiões, mitos e crenças. Para dar conta desse trabalho, que visou compreender os sentidos culturalmente construídos, as percepções e representações sociais dessas comunidades amazônicas sobre a água e toda a problemática que as envolve, entrevistaram-se colaboradores distintos. Cada um deles, também, com suas diferenças e especificidades: adultos amazônicos (natos) e não amazônicos (imigrantes) que têm na paisagem ribeirinha o seu mundo vivido, o seu lugar.

A escolha desses atores como informantes à pesquisa se deve aos seguintes motivos: os dois grupos são formados por uma rica diversidade, incluindo diferentes sentidos, conhecimentos e etnias. São atores que convivem lado a lado, mas muitos deles mantêm os seus costumes singulares a despeito da proximidade geográfica, dos contatos sociais frequentes e da mistura e influência dos meios de comunicação. Desse modo, por apresentarem tão rica diversidade de sentidos que conduzem aos significados culturais, esses atores interessaram à pesquisa.

O Bairro Triângulo (figuras 13 e 14), em Porto Velho, ao lado da área central e delimitado às margens do Rio Madeira, formado, inicialmente, pelas residências dos trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – EFMM, no início do século XIX. A partir dessa ocupação, vieram, também, comerciantes e seringueiros. O bairro recebeu esse nome em virtude de um triângulo de retorno das locomotivas da Ferrovia. Com cerca de 3.000 (três mil)34 moradias, seus habitantes estabeleceram, no decorrer dos anos, uma relação com o rio, com atividades que envolvem desde pesca até construções de embarcações. Na configuração da paisagem há uma forma específica de moradia urbana, que não exclui as práticas do viver ribeirinho, embora muitos deles tenham, também, ocupação em repartições públicas e privadas.

FIGURA 13 - Limite Centro - Bairro Triângulo – início da enchente 2013/2014 FONTE: A autora

A paisagem observada na comunidade desse bairro portovelhense abrange uma ampla gama de elementos culturais. Os elementos culturais são materializados nos valores, na produção de sentidos que conduzem aos significados, nos comportamentos das pessoas, resultando na cultura, pela interação destas com a paisagem urbana e a paisagem natural.

Essa paisagem cultural, à margem direita do Rio Madeira, ofereceu à pesquisa um mosaico das representações sociais do ser humano buscado, representações sociais produzidas nas diversas culturas que se encontram e interagem nesse espaço e diversas temporalidades.

FIGURA 14 - Vista Parcial do Bairro Triângulo. Porto Velho/RO FONTE: A autora (2013)

A Comunidade Agrovila (figura 15), na área rural, à esquerda do Rio Madeira, é formada por desalojados do seu lugar, a Cachoeira de Santo Antônio e seu entorno, espaço hoje ocupado pela Hidrelétrica35 que leva o mesmo nome, portanto, uma comunidade com no máximo 04 anos de existência, com cerca de 50 (cinquenta) famílias. Com a paisagem construída a partir de sentidos culturalmente construídos em cultura estrangeira à cultura ribeirinha, essa comunidade exigiu da pesquisadora um olhar que fosse além do que se vê, jardim, flores, casas de alvenaria e ruas planejadas, um olhar analítico que vasculhasse os recônditos desse ser humano amazônico além dessa paisagem e desvendasse os seus sentidos.

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FIGURA 15 - Vista parcial da Comunidade Agrovila. Porto Velho/RO FONTE: A autora (2013)

A Comunidade São Sebastião (figura 16), com cerca de 70 (setenta) famílias, é a mais antiga das comunidades pesquisadas, formada, inicialmente, por uma só família, os Rabelo que, nos anos 1950, receberam autorização do bispo, prelado de Porto Velho, Dom João Batista Costa, para ocupar os espaços em torno de onde se construiria, mais tarde, a Igreja de São Sebastião.

A organização da paisagem, nesse lugar, mostrou à pesquisa que essa organização ocorreu de acordo com o uso que se fez da terra. Percebe-se nessas paisagens uma composição de tonalidades que se altera no dia, na noite, no amanhecer e no anoitecer. Enquanto a manhã oferece o nascer do sol sobre o Rio Madeira aos sujeitos do lugar, no entardecer, o próprio lugar transforma-se na mais bela paisagem portovelhense com o pôr do sol sobre ela.

Pequenas áreas do verde escuro das paisagens naturais misturam-se às árvores frutíferas, flores e pimenteiras, mas essas cores mudam com a chegada das águas, as inundações e os desbarrancamentos, antes em períodos bem marcados,

hoje, com a chegada das Hidrelétricas36, sem tempo ou hora, outros tons surgem para compor o mosaico sobre essas paisagens.

FIGURA 16 - Vista Parcial dos espaços comunitários da Comunidade São Sebastião. Porto Velho FONTE: A autora (2013)

As Comunidades Maravilha (figura 17) e Niterói (figura 18), com um total de 200 (duzentas) famílias, à margem esquerda do Rio Madeira, na área rural de Porto Velho, com paisagens naturais compostas de lago, igarapés, nascentes e espaços humanizados, também forneceram à pesquisa sentidos culturais próprios e significantes.

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Hidrelétrica de Santo Antônio, a cinco (05) quilômetros do centro de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, e Jirau, a cento e trinta e cinco (135) quilômetros dessa capital.

Com paisagens culturais ricas em sentidos, percepções e representações, essas comunidades apresentam concepções de vida significativas que, em um relacionamento com os grandes campos funcionais da sociedade portovelhense, conseguem preservar sentidos com características predominantemente rurais.

FIGURA 17 - Vista Parcial dos espaços comunitários da Comunidade Maravilha. Porto Velho FONTE: A autora (2013)

A pesquisa ocorreu com a integração dos colaboradores, coconstrutores deste estudo, que possibilitaram os resultados das análises e as respostas às indagações iniciais e assim se pôde desvendar os seus sentidos culturalmente construídos, suas percepções e suas representações sociais sobre a água e a problemática que a envolve.

Com a pesquisa em campo, desvendou-se o ser humano amazônico dessas paisagens pela representação oral e pelo cenário natural do lugar visto e sentido por eles. De outro modo, a busca pelo sentido, percepção e representação social dessas comunidades sobre a água e fornecidos pelas narrativas e imagens (mapas mentais) consistiu, em todo o decorrer deste estudo, em uma representação vista e sentida

pelo sujeito do lugar, aqui entendido no sentido coletivo, dinâmico, de construção de sua história.

FIGURA 18 - Vista Parcial da Comunidade Niterói. Porto Velho/RO FONTE: A autora (2013)

Os enunciados se constituíram das palavras e imagens, portanto, emergiram tornando evidente o sentido da água percebido. Uma dimensão na qual a água pôde ser observada enquanto representação. Lembrando que o olhar às paisagens que se mostram aos olhos não são suficientes para explicar as representações expressas nessas paisagens.

Desse modo, para compreender esses sentidos, percepções e representações sociais a partir das paisagens desses cenários, entendeu-se necessário realizar uma leitura do universo simbólico criado e recriado pelos colaboradores e assim possibilitar o estabelecimento de relações acerca daquilo que esse ser humano amazônico foi capaz de criar em relação ao ambiente no qual ele vivencia suas experiências (ALMEIDA, 2003).

Com a compreensão de que a forma de mediação das representações se manifestarem está na palavra, maneira mais evidente de comunicação existente entre os indivíduos, utilizaram-se as teorias de Frege (1978), Moscovici (2011), Berger e Luckmann (2012), Bakhtin/Volochinov (1999) e de outros autores que dialogam com a compreensão do sentido no olhar geográfico e contribuíram para a compreensão do sentido na enunciação e no processo dialógico, com a certeza de que, quando se trata da comunicação da vida cotidiana, a palavra é fundamental (MINAYO, 2007).

3.4 A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS PAISAGENS OBSERVADAS E A