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Rede 39 - Família 7. Impacto Hidrelétrica. Triângulo. Guajará-Mirim

5 DESVENDANDO AS LÓGICAS DE COMUNIDADES AMAZÔNICAS

5.1 O PAPEL DA ÁGUA NA CONFIGURAÇÃO DOS SUJEITOS E NO

Os sentidos culturalmente construídos, responsáveis pelos valores culturais, percepções e representações sociais que integram a paisagem cultural de comunidades diversas, dizem muito da interação desses elementos humanos com o meio ambiente. A partir desse sentido, a valorização dos elementos naturais pode variar de indivíduo para indivíduo, assim como a própria atribuição de significados e a forma de organizar o espaço e o lugar é explicada a partir desses sentidos culturais, pois são eles, os sentidos culturalmente construídos, que influenciam intensamente o comportamento e os valores humanos.

Essa capacidade de perceber o espaço, de aprender e de socializar conhecimento numa região como a Amazônia, implica na capacidade de manter inter-relações, alicerçadas pela linguagem e comunicação com o outro, numa intensa troca de saberes, baseada na construção de novos sentidos que possibilitam a reavaliação e/ou especialização desses sentidos culturais.

O homem/mulher pode conhecer um lugar pela habilidade do olhar, podendo ser de forma íntima ou conceitual (símbolos), buscando captar imagens que revelam o ambiente, a paisagem nas diferentes nuances (SOUSA, 2012). No entanto, “O olho não é um instrumento neutro. O que nós vemos nos agrada, nos incomoda ou nos faz medo. O olhar participa da experiência emotiva e, por vezes, estética, que temos dos lugares” (CLAVAL,1999, p. 83).

O ser humano, pelos sentidos e práticas interlocutivas, cria a si próprio e ao seu mundo, decodifica os lugares, troca experiências espaciais, se interroga sobre a vida e o desconhecido. No entanto, a percepção visual, assim como as demais percepções, é seletiva e o observador capta algumas características que sua cultura o conduziu a valorizar. Assim, sob os vieses culturais, a valorização ou não de elementos naturais é conduzido por esses sentidos culturalmente construídos.

Embora a visão seja um órgão essencial à percepção das qualidades plásticas do mundo exterior, nas comunidades amazônicas notou-se que a

apreciação da água vai além da visão, ou seja, vai muito além das qualidades plásticas e da apreciação do belo ou não belo. Os sentidos culturalmente construídos do ser humano amazônico permitem-lhe valorizar a água e ver além do que esse elemento natural representa para pessoas estranhas ao lugar.

Os olhos desses homens/mulheres amazônicos obtêm determinadas informações, algumas mais precisas e detalhadas, mas sem desconsiderar a função dos demais sentidos colaboradores na percepção do espaço, na composição dos lugares vividos, respeitados, amados e indesejados. Os sentidos colaboram nessa produção social da qual faz parte a linguagem (CLAVAL,1999).

Observou-se, portanto, que esses sentidos culturalmente construídos permitem que a água tenha um espaço privilegiado nas vidas de seus habitantes, seja pela subsistência que ela proporciona ou pelo contato diário com essa água desde a infância. Ressalta-se que a origem do espaço privilegiado da água na vida desses amazônicos reside nesses importantes papéis: a subsistência e a convivência.

Ademais, os sentidos desses seres humanos amazônicos, além de dar à água um espaço privilegiado, também permitem, por meio de suas memórias e sua identidade, apreciar o seu mundo vivido e fazer do espaço de vivência cercado de água o seu lugar. Um lugar no qual a água cumpre um importante papel na configuração desses sujeitos e no tecido social das comunidades observadas. Dentre os papéis que a água cumpre nessa configuração dos sujeitos e no tecido social dessas comunidades, sobressaíram os seguintes:

a. O papel da água alimento: água tem o papel de fornecer alimento (peixe, irrigação para plantação, subsistência, etc.).

b. O papel da água como fundamental p/ vida: água representa a vida, sem ela não é possível a vida.

c. O papel da água como lazer/diversão: água como uma forma de diversão, de lazer.

d. O papel da água como natureza/fartura: água representa a natureza, é sinônimo de fartura. e. O papel da água como paz de espírito: água dá paz de espírito, uma sensação de felicidade. f. O papel da água como saúde: água contribui para uma vida saudável.

g. O papel da água como sustento/sobrevivência: água é o meio para o sustento das pessoas, gera renda, trabalho (pesca).

A importância dada à água por esses humanos amazônicos foi registrada na totalidade das entrevistas, como referência em seu viver e em suas memórias individuais e coletivas. Desse modo, a água da subsistência e do conviver desde a infância não é vista somente como um recurso, ela é mais, é vista como sinônimo de vida, de união do grupo, a água dá ao indivíduo o sentimento de pertença ao lugar. Por isso mesmo tão presente na oralidade desses colaboradores, como se pode observar no gráfico 1:

Gráfico 1 - Importância dada à água pelos sujeitos da pesquisa

Fonte: A autora

Observa-se que, com sentidos construídos culturalmente em espaços distintos, os entrevistados das comunidades do Bairro Triângulo, de Guajará-Mirim, e das comunidades observadas de Porto Velho compartilham sentidos sobre a importância da água em suas vidas.

No entanto cada uma das comunidades tem noções específicas sobre o papel dela. (05) Cinco dos (06) seis entrevistados de Guajará-Mirim mencionaram a água como importante para o lazer. (11) Onze dos (25) vinte e cinco entrevistados de Porto Velho citaram a importância da água à subsistência e sobrevivência de suas famílias e de suas comunidades, como se observa no gráfico 2:

1 2 4 5 7 9 9 15 papel_agua_natureza/fartura papel_agua_saude papel_agua_fundamental p/ vida papel_agua_paz de espirito papel_agua_alimento papel_agua_lazer/diversao papel_agua_sustento/sobrevivencia papel_agua_uso papel da água Número de entrevistados

Gráfico 2 – O Papel da água na configuração do sujeito amazônico

Fonte: A Autora

Confirma-se, desse modo, que os sentimentos dos amazônicos, em relação ao espaço da água, é amplo, pois representa todo o seu modo de vida em sociedade, com todos os seus significados expressos nas suas práticas sociais, sistemas simbólicos e imaginários, constituindo-se no lócus da construção da identidade espacial desses grupos.