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Capítulo I – Enquadramento Teórico

2 FACTORES DE RISCO DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES

2.2 Factores Comportamentais e Psicossociais (Modificáveis)

2.2.2 Factores Psicossociais

2.2.2.4 A Personalidade e o Padrão de Comportamento Tipo A

Nos finais dos anos 50, os cardiologistas Friedman & Rosenman (1959), descreveram um padrão de comportamento caracterizado pela competitividade exagerada, sentido de urgência e impaciência, desejo de ser reconhecido, orientação para o desempenho, hostilidade e agressividade, estilo vocal explosivo e agitação motora, que estariam associados a uma maior probabilidade de contrair doenças cardiovasculares

(Bishop, 1994; Odgen, 1999). Este padrão de comportamento caracteriza o Padrão de Comportamento Tipo A (PCTA). Este conceito foi inicialmente definido como “um complexo de acção-emoção e pode ser observado em pessoas que estão constantemente numa luta contínua e incessante para atingir mais e mais objectivos, em cada vez menos tempo” (Friedman & Rosenman, 1974, p. 84).

Alguns estudos prospectivos desenvolvidos nas décadas de 60 e 70 demonstraram a evidência da relação entre o PCTA e as DCV em homens e mulheres. No Western Collaborative Group Study (WCGS) em que participaram mais de 3000 homens saudáveis, com idades compreendidas entre os 39 e os 59 anos, durante oito anos e meio, comprovou- se que os indivíduos com PCTA tinham duas vezes mais probabilidade de contrair doenças cardiovasculares do que os Tipo B, mesmo depois de controlados outros factores de risco, como os hábitos tabágicos, tensão arterial e níveis de colesterol sanguíneo (Rosenman et al., 1975). Os resultados obtidos foram corroborados pelo Framingham Heart Study (FHS), um outro estudo prospectivo com a duração de oito anos, em que participaram mais de 5000 homens e mulheres, com idades entre os 45 e os 77 anos. No FHS foi estabelecida uma relação entre o PCTA e a angina de peito, mas não foi estabelecida uma associação com o EAM (Eaker, Abbott & Kannel, 1989). Deste modo, surge alguma controvérsia na associação entre PCTA e as DCV, nomeadamente no facto de o PCTA ser factor de risco agravado de DCV nas pessoas em geral, mas não em outras que tenham outros factores de risco

(Mathews & Haynes, 1986).

Várias questões metodológicas têm sido referidas como importantes, na inconsistência dos dados, relativos a esta associação, como o tipo de instrumentos de avaliação utilizados e o tipo de amostra. Em geral, considera-se que os aspectos do PCTA, que são predictores das DCV, são a hostilidade, a impaciência e o sentido de urgência

(Brown & Fromm, 1987; Rhodewalt & Smith, 1991). De acordo com Brown & Fromm (1987), a impaciência e o sentido de urgência parecem estar mais associados a elevações crónicas da pressão arterial.

A forma como a PCTA se relaciona com as DCV é fundamentada no facto de os indivíduos com PCTA estarem sujeitos a um maior stress devido às suas próprias características comportamentais, e possuírem uma maior reactividade ao stress. Surge uma hiperestimulação do sistema nervoso simpático (SNS), especialmente em situações ambientais que criam desafios ou são ameaçadoras (Matthews & Haynes, 1986).

Consequentemente, dá-se uma elevação de catecolaminas e corticosteróides, aumento da pressão arterial e do batimento cardíaco, constrição arterial, libertação de ácidos gordos livres e aumento de agregação plaquetária (Friedman & Rosenman, 1974). Estas alterações fisiológicas podem estar na origem ou progressão da aterosclerose e arritmias.

2.2.2.5 A Hostilidade

Após alguns estudos prospectivos terem demonstrado resultados contraditórios na associação entre o PCTA e as doenças cardiovasculares, alguns investigadores voltaram a sua atenção para a hostilidade, que seria um componente fundamental do PCTA e que estaria relacionada com a predição da mortalidade e morbilidade das DCV (Everson et al., 1997; Lesperance, Frasure-Smith & Talajic, 1996; Williams, 1990). A hostilidade pode ser definida como uma predisposição para reagir com ira e irritação a um conjunto de situações frustrantes (Williams, Barefoot & Shekele, 1985). Outros autores defendem que a hostilidade é considerada um traço de personalidade, traduzindo-se por uma atitude fria e distante, que os interlocutores consideram “antipática”, expressões de antagonismo, crítica, cinismo, falta de cooperação, sem manifestações de cólera aberta (Bishop, 1994; Haynal, Pasini & Archinard, 1998).

Uma componente da hostilidade que parece relevante para a predição das doenças cardiovasculares, é o potencial para a hostilidade (PoHo), que pode ser definida como “uma tendência relativamente estável para reagir a vários acontecimentos indutores de frustração, através de respostas de ira, irritação, desgosto, ressentimento e/ou para expressar antagonismo, crítica, falta de cooperação e outros comportamentos desagradáveis” (Dembroski et al., 1985; cit. por Trigo, Rocha & Coelho, 2000, p.174). De acordo com Kop & Krantz (1997), existe alguma evidência de que os indivíduos com menos de 60 anos, apresentam uma maior associação entre a hostilidade e as DCV, provavelmente devido ao facto de as pessoas mais novas estarem sujeitas a situações que desencadeiam comportamentos hostis de uma forma mais frequente.

O mecanismo de acção subjacente à relação entre a hostilidade e as doenças cardiovasculares pode ser explicado pela reactividade psicofisiológica e baseia-se na asserção de que as “pessoas hostis” no seu quotidiano, apresentam uma hiper-reactividade fisiológica como resposta a stressores ambientais, levando a perturbações neuroendócrinas e cardiovasculares (Sul & Wan, 1993; Williams, 1991b), promovendo desta forma o desenvolvimento do processo da aterosclerose. Existe, também, alguma evidência de que as pessoas com hostilidade apresentam níveis mais elevados de cortisol e catecolaminas

(Pope & Smith, 1991; Suarez et al., 1998). Helmers e colaboradores (1993) constataram no seu estudo, que um EAM mais extenso estava associado a mulheres e homens de meia-idade, com valores elevados de hostilidade, quando comparados com os que tinham valores de hostilidade mais baixos.

Outras associações podem ser feitas entre a hostilidade e as DCV relacionadas com as consequências da própria hostilidade, nomeadamente ao nível do isolamento social, diminuição do suporte social e conflitos interpessoais, bem como uma maior propensão para a adopção de comportamentos de risco, (e.g. um maior consumo de álcool, tabaco, drogas, hábitos alimentares incorrectos e ausência de exercício físico), como resultado de estratégias de coping inadequadas para lidar com o stress (Hardy & Smith, 1988; Leiker & Hailey, 1988; Siegler et al., 1992). Um estudo realizado por Musante e colaboradores (1992) confirma alguns dos aspectos anteriores e salienta que as mulheres “hostis” têm uma tendência para um maior consumo de gorduras animais, e menor de fibras e cereais.