• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – Enquadramento Teórico

5. REPRESENTAÇÕES DE DOENÇA E O ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO

5.1 Definição e Modelos

Os comportamentos adoptados pelos seres humanos para manterem a saúde e evitarem e controlarem as doenças, reflectem as suas histórias idiossincráticas, médicas e psicossociais. Estas histórias são organizadas em esquemas que permitem às pessoas construir significados sobre as doenças e adoptar medidas comportamentais para evitar e tratar as mesmas (e.g. exercício físico, medidas dietéticas, tomar medicação, procura de cuidados médicos, adesão terapêutica...). É a construção de significados sobre o “estar doente” que origina o conceito de representações de doença, também denominado de crenças, percepções ou cognições de doença (Croyle & Barger, 1993). As “representações de doença” podem ser definidas como “crenças implícitas do senso comum que o paciente tem sobre as suas doenças” (Leventhal, Meyer & Nerenz, 1980; Leventhal & Nerenz 1985, cit. por Odgen, 1999, p. 56).

Os trabalhos de Leventhal, Meyer & Nerenz (1980); Leventhal, Nerenz & Steele

(1984); Leventhal & Crouch (1997) demonstraram que as representações de doença podem ser alicerçadas em cinco dimensões ou componentes cognitivas: a) identidade (refere-se a uma etiqueta que a pessoa usa para descrever uma doença e os sintomas associados); b) causa percepcionada da doença (ideias pessoais sobre as causas da doença); c) dimensão temporal (diz respeito à crença do tempo que a doença irá durar); d) consequências (crenças sobre os possíveis efeitos ou consequências na vida dos doentes); e) possibilidade de cura ou controlo da doença (crença de que a doença pode ser tratada ou não, e se as consequências da doença podem ser controladas pelos próprios ou por outros).

Ao associar esta abordagem das representações de doença aos modelos de resolução de problemas, Leventhal e colaboradores (1980; 1985) formularam o Modelo de Auto-Regulação de Doença. Os conceitos principais deste modelo prendem-se com a avaliação que as pessoas fazem das ameaças à sua saúde, utilizando o conhecimento e esquemas pré-existentes (representações de doença) que, por seu lado, conduzem a uma acção comportamental, no sentido de evitar ou controlar essa ameaça. Este modelo implica que o doente tenha um papel activo nos processos de saúde e doença, pois as ideias e

pensamentos do doente podem ser desenvolvidos ou alterados com a experiência de novos sintomas ou informação recebida. Segundo Leventhal, Leventhal & Cameron (2001), as pessoas funcionam como sistemas de auto-regulação.

As representações iniciais de um problema de saúde que são construídas por uma pessoa (e.g. a dor que sinto no peito deve ter sido provocada por ter fumado muitos cigarros ontem à noite)

levam a procedimentos de coping específicos (e.g. fumar menos; tomar analgésicos) que, por sua vez, são avaliados pela sua eficácia. Se a pessoa verificar que o procedimento de coping utilizado não foi eficaz para o alívio da dor, pode optar por outra estratégia de coping ou então pode alterar a sua perspectiva sobre a natureza do problema (e.g. a dor nunca mais passa - deve ser algo mais sério do que aquilo que estava a pensar), e iniciar respostas comportamentais dirigidas ao novo problema (ex. procurar ajuda médica). Neste sentido, o processo de auto- regulação ocorre ao longo de três fases: interpretação (do problema), coping (como lidar com o problema), e avaliação (se a estratégia de coping foi eficaz).

No Modelo de Auto-Regulação, a adaptação a uma doença específica é resultado de um processo de resolução de problemas, no qual a decisão de realizar determinadas acções reflecte a compreensão (representação) de uma ameaça à saúde, da capacidade pessoal para a controlar, e da experiência pessoal de custos e benefícios da utilização de um determinado procedimento. De acordo com Leventhal & Crouch (1997), o processo de adaptação é baseado em crenças e avaliações do senso comum. As representações da ameaça à saúde, os procedimentos de coping utilizados para controlar a doença e a avaliação final do processo de adaptação, são um produto das competências e compreensão individual.

Segundo Leventhal, Leventhal & Schaefer (1992), as ameaças à saúde são processadas em dois níveis: somático e emocional. Atendendo a determinados estímulos internos e/ou externos, as pessoas processam a informação somática que experimentam, concebem os planos e/ou procedimentos de coping para lidar com os sintomas e avaliam se os procedimentos foram ou não eficazes. De uma forma similar é processada a informação emocional (Fig.1).

Figura 1. Modelo de Auto-Regulação de Leventhal (Adaptado de Leventhal, Leventhal & Schaefer, 1991).

A interdependência entre os dois níveis, que envolve a ligação entre os sistemas psicológico e fisiológico, constitui uma outra característica deste modelo. Por exemplo, as emoções podem afectar as representações ou o coping com a doença, gerando ou aumentando as sensações somáticas e os sentimentos de vulnerabilidade (Johnson & Tversky, 1983), reforçando ou minimizando as percepções de severidade da doença (Ditto, Jemmott & Darley, 1988), cit. por Leventhal, Leventhal & Cameron, 2001). Os processos subjacentes à construção das representações de doença, à selecção e execução dos procedimentos de coping e às suas interacções com os processos emocionais, constituem a dinâmica da auto- regulação.

Outro aspecto crucial associado ao Modelo de Auto-Regulação envolve as interacções entre as características concretas e abstractas das representações, quer da doença quer da própria pessoa (Leventhal, Leventhal & Cameron, 2001). Estes autores salientam que há uma relação da idade e de determinados aspectos da personalidade (ex. motivação para aderir ao tratamento, capacidade para lidar com a dor, etc.) com as características concretas (ex.

Estímulos Internos e externos Representações da doença e tratamento Representações das emoções (medo/distress) Coping Coping Avaliação Avaliação

experiência de sintomas), com a identidade fornecida à doença a partir dos sintomas que experimentam e com a antecipação dos sintomas ou a experiência somática do tratamento. Ao nível abstracto (ex. memória acerca de doenças), as representações da doença (ex. crenças acerca do tempo de vida, expectativas sobre o tratamento médico ou cirúrgico, etc.) interagem com outros factores do auto-sistema, como os sentimentos de vulnerabilidade ou de auto- eficácia para adoptar determinados hábitos de saúde.

Leventhal, Nerenz & Steele (1984) referem que os seres humanos lidam com a doença através do processamento de três principais fontes de informação: 1) informação geral disponível na cultura (ex. linguagem utilizada para etiquetar e descrever doenças, e tratamentos específicos, estigma associado a determinadas doenças, organização dos cuidados de saúde, política de saúde); 2) comunicação com o meio envolvente (ex. partilha de informação com familiares, amigos, professores, mass media); 3) experiência pessoal do doente em relação à doença (ex. ter um segundo EAM). Os autores sugerem que as representações individuais da ameaça à saúde, a selecção e avaliação dos procedimentos de coping reflectem as suas percepções

(representações) das atitudes e crenças, e do ambiente cultural e pessoal. Assim, os factores sociais e culturais influenciam o modo como as pessoas percepcionam os sintomas. A informação sobre a doença é transmitida através de outras pessoas (médico, família, amigos, mass media...). Quando existe falta de conhecimento ou os esquemas existentes de doença não encontram significado para a experiência de determinados sintomas, a informação social torna-se um importante factor no processo de avaliação dos mesmos (Leventhal & Diefenbach, 1991).

O principal motivo que leva as pessoas a procurar cuidados de saúde relaciona-se com a experiência de sintomas. A percepção de sintomas pode ser considerada como a tomada de consciência individual de alterações nas funções corporais. Dor, transpiração, náusea ou febre, podem levar as pessoas a pensar que estão doentes e a ter comportamentos para controlar o sintoma e/ou a doença, nomeadamente na procura de cuidados médicos. A experiência de sintomas leva a pessoa a estabelecer uma associação entre estes e o conhecimento contido nos esquemas pessoais de doença, de forma a avaliar a ameaça que aqueles representam para a saúde (Leventhal, Leventhal & Cameron, 2001).

De acordo com Bishop (1991), a informação contida nos esquemas de doença, constitui um protótipo ou base de conhecimento que permite a comparação e interpretação dos sintomas corporais. Se os sintomas actuais apresentam alguma semelhança com o protótipo de doença pessoal, então esta pode fazer interpretações sobre o seu estado de

efectuadas tendo por base episódios de doença e não protótipos de doença. De uma forma geral, a interpretação e resposta aos sintomas inicia-se com uma procura activa na memória a longo prazo de episódios de doença, numa tentativa de estabelecer comparações entre o estado actual e a experiência prévia de doença. Diversos processos cognitivos-perceptuais estão envolvidos na forma como os sintomas são percebidos e interpretados, nomeadamente os factores individuais, psicológicos, culturais e sociais (Cioffi, 1991; Croyle, 1992; Pennebaker, 1983).

Ao nível individual, existem diferenças no que diz respeito ao foco atencional. Há pessoas que prestam mais atenção aos seus estados internos, enquanto que outras estão mais atentos a factores externos e, portanto, menos sensíveis a mudanças internas

(Pennebaker, 1982). Este foco, quer seja interno ou externo, pode ter resultados positivos, dependendo dos efeitos desejados e da atenção ou distracção dos sintomas físicos.

Outro aspecto importante relaciona-se com a influência das emoções e cognições no conteúdo e activação dos esquemas de doença (Leventhal & Diefenbach, 1991; Skelton & Pennebaker, 1982). Estes autores apontam o papel preponderante das emoções e das cognições na percepção dos sintomas, sobretudo nos estudos da dor. O estado de humor negativo está relacionado com um aumento da intensidade da dor (Verbrugge, 1985),

Em conclusão, as representações de doença são responsáveis pela interpretação e resposta aos sintomas corporais, baseiam-se em esquemas de doença e envolvem diversos processos cognitivos. A comparação entre os sintomas actuais e a história prévia de doença influencia a interpretação do estatuto da doença e a identidade do conjunto de sintomas. Esta interpretação é mediada por factores pessoais (auto-sistema) e por factores do ambiente. De acordo com Weinman & Petrie (1997) as percepções de doença são determinantes principais do prognóstico e adaptação às doenças crónicas, como as DCV.