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A perspectiva Keynesiana e os anos de ouro do capitalismo: a experiência do

2 CAPITALISMO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL NA AMÉRICA LATINA: CONTRADIÇÕES E DESDOBRAMENTOS DA COMPLEXA

2.2 FASES DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SUAS MANIFESTAÇÕES NA CONCEPÇÃO DE ESTADO E DAS POLÍTICAS SOCIAIS: UMA

2.2.2 A perspectiva Keynesiana e os anos de ouro do capitalismo: a experiência do

Welfare State

As soluções apontadas para a crise de 1929 lograram ao modo de produção capitalista um dos grandes momentos de ascensão no século XX, impulsionado pelo apoio do Estado que adquiriu um caráter regulador e intervencionista na economia e envolveu-se com a garantia e o financiamento do seguro social, recebendo a denominação de Estado do Bem-Estar (Welfare State), Estado Providência ou Estado Social (PEREIRA, 2000). Assim, o sistema incorpora o planejamento estatal e o uso do fundo público que passam a ser estratégicos para o enfrentamento da crise estrutural do capitalismo, provocando um período de recuperação e estabilidade.

No que se refere às transformações operadas no padrão produtivo42, tem-se a introdução dos modelos Taylorista/Fordista de organização da mão-de-obra e da gestão

42 Esse modelo de organização da produção e gestão refere-se à segunda onda de transformação produtiva

que teve como base organizacional uma nova forma de gestão do trabalho, que protagonizou, no início do século passado, o paradigma taylorista-fordista. Esse modelo tornou o trabalho mais fragmentado,

no processo produtivo, através de duas fases principais. Primeiramente, pelo crescimento das grandes fábricas e pelo refinamento do sistema de maquinaria e do trabalho na perspectiva Taylorista, com a mão-de-obra especializada, a execução do trabalho submetida ao gerenciamento científico e a separação entre concepção e execução das atividades. Já o segundo momento caracteriza-se pela ascensão do Fordismo, em que se projetou o sistema de máquinas acopladas, aumentando a produção e o consumo em grande escala, processado através da produção em série de linhas de montagem, em que a rigidez do trabalho era expressa em um forte controle (FRIGOTTO, 1996).

Com a utilização desses “remédios” o período foi marcado pela expansão da indústria, tendo como estratégia econômica a combinação de produção em grande escala e consumo em massa, o que permitiu a acumulação do capital e a geração do excedente. Esse modelo de gestão do trabalho e de organização societária tornou-se a estratégia para o enfrentamento da crise, apoiado no referencial teórico Keynesiano, favorável à intervenção do Estado na economia, a fim de administrar o processo de acumulação emergente e as implicações sociopolíticas decorrentes.

Destaca-se que o princípio teórico Keynesiano teve como expoente John

Maynard Keynes, que propunha, para a retomada do crescimento econômico, a criação

de políticas reguladas e gestadas pelo aparelho estatal na economia, visando assegurar as condições para a atividade econômica, o consumo e o emprego. Essa orientação teórica passou a intensificar a sua liderança principalmente após a II Guerra Mundial, expressa “[...] num primeiro plano, nos eixos de concepção política e econômica dos governos, principalmente dos países de economia central e, num segundo plano, nas orientações de formulações sociais, tendo na intervenção do Estado a estratégia para as suas definições” (PERUZZO, 2007, p. 292).

Desse modo, estruturou-se um Estado “[...] financiador do crescimento, regulador da atividade produtiva e promotor do bem-estar social, ou seja, um Estado garantidor do crescimento econômico e de um mínimo padrão de vida para os cidadãos, conformando, dessa forma, o chamado Estado de Bem-Estar Social” (PERUZZO, 2007, p. 292).

intenso, rotineiro, hierarquizado e, ao mesmo tempo, não qualificado, mas com grande nível de especialização.

O Estado43 funcionava como um promotor das condições necessárias para dinamizar a economia, através da manutenção do poder de compra dos trabalhadores e da socialização dos custos de reprodução da força de trabalho, através da destinação de fundo público para a ampliação dos serviços sociais, constituía-se numa espécie de salário indireto aos trabalhadores, o que favorecia a economia, ao permitir que eles aplicassem suas rendas no consumo. Ou seja, o uso do fundo público tornava-se estratégico, beneficiando diretamente e indiretamente o capital privado, ao assumir parte dos custos de reprodução da força de trabalho (OLIVEIRA, 1996). No que se refere à política social:

[...] como mecanismo que socializa os custos da reprodução da força de trabalho para o conjunto da sociedade, é uma dessas estratégias acionadas nessa nova fase de regulação capitalista. Tornada não somente necessária, devido ao acirramento da luta de classe, mas, sobretudo possível, com a expansão da extração da mais-valia, é fundamental para o aproveitamento produtivo do excedente a ser valorizado (PAIVA; OURIQUES, 2006, p.168).

Assim, o Estado tinha seu papel interventor bem definido, enquanto promotor do desenvolvimento econômico e social e assumia o compromisso com serviços sociais universais, como saúde e educação, além da estratégia de desenvolvimento capitalista com a garantia do pleno emprego. As políticas sociais do Estado em gestão de concepção social-democrata “[...] contrastam com a concepção liberal, pois tentam garantir – sob o conceito de direitos sociais – as mesmas condições de vida, independentemente da inserção ou não no mercado de trabalho” (LAURELL, 2002, p. 155).

Com esse modelo, a economia avançou, resultando em um grande crescimento econômico, assim como produziu modificações na forma de vida e na sociabilidade dos

43 O Estado assumiu uma série de obrigações, “na medida em que a produção de massa, que envolvia

pesados investimentos em capital fixo, requeria condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa; o Estado esforçava-se para controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento público – em setores como o transporte, os equipamentos públicos, etc. – vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação, etc. Além disso, o poder estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção” (HARVEY, 2003, p. 129).

trabalhadores,44 em decorrência das mudanças ocorridas com a operacionalização do ideário fordista45 na esfera da produção.

O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operacionalização do sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por fabricar em quantidades cada vez maiores (HARVEY, 2003, p. 122).

Destarte, o fundo público, utilizado para o financiamento direto ao capital privado e indireto na reprodução da força de trabalho, foi um dos fatores que permitiu a revolução na base técnica do processo produtivo e a internacionalização produtiva e financeira da economia capitalista.

Porém, “[...] o crescimento fenomenal da expansão de pós-guerra dependeu de uma série de compromissos e reposicionamentos por parte dos principais atores dos processos de desenvolvimento capitalista” (HARVEY, 2003, p. 125), fazendo com que, após três gloriosas décadas de crescimento, os primeiros sinais de esgotamento do modelo de organização do trabalho coincidiram, justamente com o processo de internacionalização da economia (impulsionado pelo fundo público estatal), pois este retirava parte dos ganhos fiscais, sem, no entanto, deixar de utilizar fundo público para o financiamento da reprodução do capital e da força de trabalho.

A regulação Keynesiana funcionou enquanto a reprodução do capital, os aumentos da produtividade, a elevação do salário real, se circunscreveram aos limites – relativos, por certo – da territorialidade nacional dos processos de interação daqueles componentes da renda e do produto. Deve-se assinalar, desde logo, que aquela circularidade foi possível graças ao padrão de financiamento público do Welfare State, um dos fatores, entre outros, aliás, que levaram à crescente internacionalização. Ultrapassados certos limites, a

44 A racionalização e a simplificação dos processos de trabalho através da eliminação de tempo e

movimentos necessários exigiram transformações na forma de vida e no comportamento da força de trabalho para além da fábrica, ou seja, impactando nas relações sociais (IAMAMOTO, 2007).

45 Henry Ford (1863-1947) foi um importante engenheiro americano e fundador da Ford Motor Company,

tendo criado e implantado o primeiro sistema de produção em série, que revolucionou a indústria automobilística por baratear os custos e diminuir o tempo de produção de automóveis padronizados. Neste sistema de produção (conhecido como fordismo), o automóvel passava por uma esteira de montagem em movimento e cada operário tinha uma função específica (peças, pneus, pintura, etc.), permitindo que o tempo de produção fosse reduzido (e assim a jornada de trabalho) e, consequentemente, seus custos.

internacionalização produtiva e financeira dissolveu relativamente a circularidade nacional dos processos de retroalimentação, pois, desterritorializam-se o investimento e a renda, mas o padrão de financiamento público do Welfare State não pôde [..] desterritorializar-se (OLIVEIRA, 1996, p.91).

Assim, o padrão de financiamento público começou a ser questionado, pois os investimentos estavam atrelados aos necessários ganhos fiscais correspondentes, porém, com a internacionalização parte desses ganhos passaram a ser retirados, ao passo que o uso do fundo público continuou tendo de exercer importante função.

Dessa forma, tal modelo começou a apresentar os seus limites no final da década de 60 e início da de 70,46 após um longo ciclo de expansão, provocando uma crise que foi caracterizada de diversas formas, mas que em geral foi marcada pelo esgotamento de um longo período de acumulação, tendo entre seus traços mais característicos47 a saturação do modelo de gestão e organização do trabalho e o questionamento ao padrão intervencionista Estatal.

Algumas medidas de estímulo chegaram a ser desenvolvidas entre 1970 e 1973, objetivando aumentar as taxas de acumulação nos países de economia desenvolvida, liderados pelos Estados Unidos. As “medidas de superexpansão” conseguiram aumentar temporariamente a acumulação, a partir de duas medidas, de um lado, a internacionalização do grande capital e, de outro, a aceleração da economia norte- americana, que transferia estímulos às outras economias através de uma abertura crescente, financiando a expansão dos setores exportadores, principalmente na Europa e no Japão (BELUZZO; COUTINHO, 1982).

46 Os anos de 1969 e 1970 foram de recessão econômica, que foi acompanhada de medidas de

“superexpansão”, de 1971 a 1973, sob a liderança dos Estados Unidos da América - EUA, que lograram êxito temporário, mas que culminaram na crise de 1974. Contudo, “[...] a despeito de todos os descontentamentos e de todas as tensões manifestas, o núcleo essencial do regime fordista manteve-se firme ao menos até 1973 [...] (HARVEY, 2003, p. 134).

47 Além do esgotamento do padrão de acumulação taylorista-fordista, em responder à retração do

consumo, os demais traços mais evidentes da crise estrutural do capitalismo foram: (a) a queda da taxa de lucro – decorrente principalmente do aumento do preço da força de trabalho após – 45 e também da ampliação da luta de classes nos anos 60, reduzindo os níveis de produtividade do capital e acentuando uma tendência decrescente da taxa de lucro; (b) a relativa autonomia da esfera financeira frente aos capitais produtivos, em que o capital financeiro passou a ser um campo prioritário para a especulação, resultando na nova fase do processo de internacionalização; (c) a maior concentração de capitais, resultante das fusões entre empresas monopolistas e oligopolistas; (d) a crise do Estado de Bem-Estar Social e de seus mecanismos de funcionamento, provocando crise fiscal, a necessidade de retração dos gastos públicos e o deslocamento para o capital privado; (e) e a tendência generalizada de desregulamentação e flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho (ANTUNES, 2007).

Entretanto, o sistema monetário internacional – que estava em crise desde 1968, pelo déficit estrutural do balanço de pagamentos norte-americano, causado pelas despesas militares (Vietnã) e pelo movimento de expansão de capitais – passou a sofrer com as pressões inflacionárias, que levaram a uma nova desvalorização do dólar, em decorrência da ampliação dos preços de matérias-primas e alimentos, acarretando pressões de custo sobre a produção (BELUZZO; COUTINHO, 1982).

Assim, a crise energética (petróleo) foi um dos aspectos cruciais da crise estrutural, porém não a sua matriz, pois as suas raízes já estavam presentes, tendo como principal indicador “[...] a queda acentuada da taxa de inversão em todos os países que lideravam a expansão [...]. Nessas condições, a quadruplicação dos preços do petróleo em outubro de 1973 funcionou simplesmente como um detonador da crise e não como sua causa [...]” (BELUZZO; COUTINHO, 1982). Dessa forma, em que pese o fato de o padrão de produção baseado no consumo de massa de bens duráveis impor alta utilização de recursos energéticos e matérias-primas e, assim, aumentar seu preço relativo, isso não explica todos os fatores que foram determinantes para a crise, a elevação da inflação e as taxas de acumulação negativas.

Partindo-se de tais premissas pode-se aferir que a crise do padrão de produção expressava, em parte, um quadro mais complexo, dado pela crise estrutural do capitalismo e pelo questionamento a ação do Estado48. As determinações que explicam o processo de crise, apontados pela literatura econômica, são a “[...] progressiva saturação dos mercados internos de bens de consumo duráveis, a concorrência intercapitalista e a crise fiscal e inflacionária, que provocou a retração dos investimentos” (FRIGOTTO, 1996, p.73).

Desse modo, concomitantemente aos aspectos econômicos, passou-se a apontar o esgotamento do mecanismo de “regulação” do Estado de Bem-Estar Social pelo referencial Keynesiano, que lhe dava orientações e que vigorou em vários países do capitalismo avançado durante o pós-guerra, principalmente na Europa.

48 Deste modo, pode-se sintetizar que “[...] o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a

incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo em larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes” (HARVEY, 2003, p. 135).

Na Europa e nos EUA, o Estado de Bem-Estar Social foi a forma mais expressiva pela qual a sociedade capitalista buscou a regulação de conflitos sociais em torno do acesso à riqueza. [...] Ou seja, foi a solução para a crise capitalista [crise de 1929]. Depois, o mesmo Estado de Bem-Estar Social passou a ser apontado como a causa da crise (SILVA, 2004, p. 82).

Assim, as políticas estatais que financiaram o padrão de acumulação capitalista por mais de 40 anos passaram a ser fortemente criticadas, projetando a retomada do referencial teórico liberal, sob novas roupagens, o neoliberalismo; que sendo contrário aos processos de planejamento do Estado, provocou a retomada da defesa das “leis naturais do mercado”, favoráveis à redução do Estado em sua dimensão pública,49 principalmente através de cortes nos “gastos” sociais (FRIGOTTO, 1996). De acordo com essa concepção:

[...] a solução da crise consiste em reconstruir o mercado, a competição e o individualismo. Isto significa, por um lado, eliminar a intervenção do Estado na economia, tanto nas funções de planejamento e condução como enquanto agente econômico direto, através da privatização e desregulamentação das atividades econômicas (LAURELL, 2002, p. 162).

Entretanto, o significado da desconstrução do Welfare está atrelado ao processo mais amplo da ofensiva do capital, ou seja, não se constitui apenas numa resposta a “crise do padrão de financiamento público”, mas assinala a liquidação do “capitalismo democrático” que vigorou por trinta anos, revelando a incompatibilidade de uma conexão durável entre dinâmica capitalista, supressão de pobreza absoluta e redução de desigualdades. Ela indica que o capitalismo contemporâneo mostra-se cada vez menos capaz de suportar reformas viabilizadoras da ampliação de direitos sociais (NETTO, 2006).

Desse modo, as crises de 1929 e dos anos 70 expressam os processos de crises cíclicas, as quais possuem a mesma gênese estrutural, porém materialidades específicas (FRIGOTTO, 1996). Assim, a crise do modo de produção capitalista dos anos 70 possui raízes históricas, compostas por desdobramentos realizados para o enfrentamento da crise precedente, expressando, contraditoriamente, as estratégias utilizadas para a superação da crise de 1929. Ou seja, diante de uma situação de crise o capitalismo

49 Esse modelo teve nos governos de Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos Estados Unidos, suas âncoras

encontra formas de enfrentá-la de maneira a não afetar seus pilares essenciais, objetivando reorganizar e manter a ordem, utilizando-se para isso de novos e antigos mecanismos.

Partindo de tais premissas, no próximo subitem abordar-se-á o processo de reorganização do modo de produção capitalista ocorrido a partir da década de 70, por meio de um conjunto de transformações processadas nas formas de produção e gestão do trabalho, no referencial teórico de regulação e no papel do Estado.

2.2.3 A ascensão do referencial (neo) liberal: a garantia de direitos sociais colocada

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