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2 CAPITALISMO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL NA AMÉRICA LATINA: CONTRADIÇÕES E DESDOBRAMENTOS DA COMPLEXA

2.1 TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E A CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS NA SOCIEDADE DE CLASSES

2.1.3 Funções do Estado e das políticas sociais

O desenvolvimento do Estado34 tem sido identificado pela literatura a partir da criação e expansão de “[...] um poder central possuidor de efetivo controle dos meios de coerção, contínua soberania sobre um dado território e a habilidade de arrecadar tributos regularmente, juntamente com um estável sistema judicial” (FLEURY, 1994, p. 143- 144).

Partindo-se de tal premissa, compreende-se que o Estado concentra os diferentes interesses presentes na sociedade, ao passo em que as políticas públicas representam espaços de disputa, que tem como resultantes avanços e retrocessos que conformam esse histórico “jogo de forças”. Diante disso, o Estado desempenha papel fundamental para a manutenção da ordem e de algum tipo de estabilidade, de onde também extrai sua legitimidade. Nesse processo político, busca a aceitação e a legitimação da ordem social, assumindo a função de manter em níveis administráveis as desigualdades sociais e especialmente as tensões provenientes delas: a exploração do trabalho, as manifestações de resistência, a pobreza, entre outras.

Sob esse aspecto, historicamente o Estado necessitou atender parte das demandas da população, por intermédio das políticas sociais, pois somente assim poderiam ser controlados eventuais conflitos sociais, econômicos e políticos. Assim, o controle social exercido pelo Estado sobre os indivíduos e grupos, realizado a partir de diversos mecanismos e recursos, dentre os quais as políticas sociais, possibilita a manutenção da ordem e assegura o comportamento individual e de grupos, levando a conformidade e ao cumprimento das regras e preceitos vigentes na sociedade.

34 Conforme explicitado anteriormente, não se está utilizando o termo Estado de forma genérica, mas faz-

se referência ao Estado burguês, capitalista, que se tornou hegemônico com a ascensão da burguesia sobre o mundo feudal e com o domínio da economia de mercado a partir da revolução industrial.

É nessa perspectiva que o Estado desempenha atividades ligadas ao controle da

pobreza, utilizando-se como uma das ferramentas as políticas sociais, que são pensadas

como mecanismos que contribuem diretamente para a legitimação da ordem vigente, tornando-se um dos instrumentos de dominação (PASTORINI, 1998). Desse modo, as políticas sociais são compreendidas como ações públicas que integram o elenco de estratégias utilizadas pelo Estado com vistas à reprodução da força de trabalho e a preservação da ordem socioeconômica e política vigente.

Assim, as circunstâncias pelas quais o Estado aciona tais mecanismos relaciona- se à manutenção da “estrutura de dominação econômica e política burguesa”, tendo como uma das proposições centrais a “necessidade de garantir a integração da força de trabalho na relação de assalariamento, portanto submetida à ordem do capital” (PAIVA; OURIQUES, 2006, p. 168). Ou seja, a funcionalidade da política social em sua gênese histórica se expressa nos processos de preservação e controle dos trabalhadores formais, mediante a regulamentação das relações trabalhistas.

Com isso não se está considerando as políticas sociais por um viés unilateral, apenas se está dando ênfase à função política – que necessariamente precisa ser pensada nos seus aspectos contraditórios, que envolvem a luta de classes –, não deixando de se considerar, a partir de uma perspectiva de totalidade, as funções econômicas e sociais que compõe as políticas sociais, já que elas são o resultado contraditório, tenso e instável das lutas entre o capital e trabalho e, portanto não são apenas funcionais ao capital, mas servem aos interesses das classes trabalhadoras (MONTAÑO, 1998). Não são as classes subalternas que as “conquistam” e o Estado também não é aquele que “concede”, mas representam conquistas tanto para os setores subalternos, como para o Estado e para as classes dominantes (PASTORINI, 1998).

Nessa perspectiva, “as políticas sociais – fortemente inscritas na regulação salarial formal – desempenham um papel estratégico na manutenção dos esquemas de coesão social, mas também contribuem para a organização do mercado capitalista, ao favorecer a participação dos trabalhadores como consumidores” (PAIVA; OURIQUES, 2006, p. 168).

As políticas sociais resultam, portanto, da ação do Estado; entretanto, o conflito entre as classes sociais repercute sobre as ações empreendidas pelo mesmo. Ou seja, ao propor as políticas sociais o Estado o faz na expectativa de assegurar condições de produção e reprodução do sistema, contudo, as pressões sociais advindas do conflito de

classes, por vezes, fazem com que as medidas tomadas ampliem a sua ação, a depender da correlação das forças estabelecidas.

Desse modo, o Estado concentra os diferentes interesses em disputa entre as classes sociais, sendo as políticas sociais uma expressão de suas lutas e contradições. A partir dessa compreensão, define-se política social como processo e resultante das relações contraditórias que se estabelecem, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem processos de produção e de reprodução do capitalismo (BOSCHETTI; BEHRING, 2007).

[...] a política social, nas sociedades capitalistas, longe de ser uma instância neutra voltada ao bem-estar e à igualdade social, é um campo de intensas contradições e conflitos de interesses, marcado pela permanente tensão entre interesses públicos e privados, entre lutas por direitos coletivos e o uso instrumental do Estado a favor de uma ordem econômica que produz e reproduz continuamente as desigualdades sociais e a pobreza (ALGEBAILE, 2005, p. 74).

Cabe salientar que, da mesma forma que o Estado, as políticas sociais não podem ser analisadas estritamente como mecanismos que contribuem para a reprodução do modo de produção capitalista; pelo contrário, devem ser pensadas como uma correlação de forças entre as classes, como uma mediação entre a sociedade civil e o Estado, o que reflete sua dupla característica, de “coerção e consenso, de concessão e conquista” (PASTORINI, 1998, p. 76).

Desse modo, como parte da dinâmica relacional do poder, o desenvolvimento de uma política social pública:

[...] diz respeito ao estabelecimento de relações de mediação entre Estado e sociedade a partir da emergência política de uma questão, isto é, a partir do momento em que as forças que a sustentam são capazes de inseri-la na arena política como uma demanda que requer resposta por parte do poder público (FLEURY, 1994, p. 130).

Assim, é preciso considerar que o registro histórico-político se constitui em um vínculo igualmente determinante das políticas sociais, já que “[...] a sua implantação resulta também dialeticamente da luta dos trabalhadores por direitos sociais” (PAIVA; OURIQUES, 2006, p. 169).

As políticas sociais, depositárias de uma materialidade e de uma potencialidade contraditória, necessitam ser compreendidas como resultado: a) das lutas das classes dominadas por melhores condições de vida; b) como estratégia de conquista de hegemonia das classes dominantes (através da busca da direção, do consenso e da legitimação da ordem estabelecida); c) como meio de controle de eventuais crises sociais; d) da socialização dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho (que antes era uma carga exclusiva para o empregador) (PASTORINI, 1998).

No decorrer deste primeiro item foram tratadas brevemente as transformações societárias ocorridas na passagem do século XIX ao século XX, destacando o contexto de acirramento da concorrência capitalista e seus impactos na questão social, que determinam os antecedentes históricos das políticas sociais. Além dos aspectos conjunturais, foram abordados os aspectos econômicos, políticos e sociais que confluíram para a constituição dos direitos numa sociedade de classe, bem como, foram sintetizadas as funções do Estado – que concentra os diferentes interesses presentes na sociedade – e, das políticas sociais, que representam espaços de disputa, que possuem como resultantes avanços e retrocessos que conformam esse histórico “jogo de forças”.

Resta salientar que tem-se a compreensão de que o Estado e as políticas sociais assumem funções específicas e diferenciadas de acordo com o paradigma teórico orientador das formulações econômicas, sociais e políticas de cada período, no modo de produção capitalista. Assim, as mudanças da sociedade capitalista ao longo dos séculos XIX e XX apoiaram-se em vertentes do pensamento econômico, as quais se sucederam: inicialmente, o liberalismo clássico e neoclássico, após, o keynesianismo e, por fim o neoliberalismo, que, conforme dito traduzem a configuração de atuação do Estado e das políticas sociais.

Visando adentrar a este debate, organiza-se o próximo item a partir de um recorte histórico, em que situam-se as três vertentes teóricas do pensamento econômico que nortearam diferentes fases do modo de produção capitalista, incidindo diretamente em mudanças na produção, na configuração do Estado e das políticas sociais e, consequentemente, na sociedade.

2.2 FASES DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SUAS MANIFESTAÇÕES

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