• Nenhum resultado encontrado

A pesquisa com crianças traz consigo peculiaridades, que exigem do pesquisador posturas responsáveis enquanto profissional, mas, sobretudo, de ser humano. Rocha (2012) ao retratar o fazer pesquisa, traz um aspecto essencial nesta ação: o caráter de construção reflexiva. De acordo com seu pensamento, esse caráter suscita no pesquisador posturas, que se delineiam na epistemologia e nas decisões frente ao estudo pretendido durante todo o seu percurso, havendo necessidade de ter com clareza, sua concepção de mundo, de vida e de ser humano em que se defende e acredita.

Optou-se pela escuta de crianças hospitalizadas e/ou em atendimento ambulatorial hemodialítico com insuficiência renal crônica, em busca de conhecer e analisar os impactos que tais tratamentos lhes ocasionam, tanto em sua vida como em seu processo de escolarização. Para Rocha (2012, p.56) ao defender a pesquisa com crianças, destaca-se:

[...] a valorização das suas vozes e, portanto, da apreensão que fazem dos seus mundos sociais, não como meros objetos passivos, mas como sujeitos participantes, que interpretam, significam, e constroem realidades sociais, que emergem dos significados atribuídos às suas vivências e experiências.

Compreender a realidade de determinado grupo social, promove deslocamento da realidade em que se vive para dar espaço à transposição do “eu” ao lugar do outro e se conheça, assim, efetivamente e concretamente suas experiências, vivências, perspectivas e expectativas. Esta transposição iniciou-se há alguns anos atrás, onde surgiu a possibilidade de estar para e com crianças em processo de hospitalização. Neste espaço, houve a oportunidade de conviver, compartilhar e, sobretudo, tornar-se aliada na conquista de seus direitos, sonhos e desejos. O sentimento atribuído a elas ultrapassava a dimensão da enfermidade em que as acometia, não anulando-as em sua importância, mas promovendo um olhar diferenciado ao que vivenciavam, como forma de resgatá-las dos estereótipos, que classificam uma pessoa ao estar doente. Assim, este olhar não se prendia às limitações e/ou submissões impostas, mas direcionava-se no intuito

de transformar o contexto em que estavam inseridas, buscando alicerces para ressignificar a instituição hospitalar.

Estar doente pode parecer algo superior a qualquer obstáculo vivenciado e de fato trata-se de aproximar-se da luta em busca de bens preciosos: saúde e vida. Assim, é desconcertante estar suscetível a sofrimentos físicos, psíquicos e até mesmo à morte e compreendê-los no tocante ao público infantil, torna-se mais delicado. Presenciar este cenário necessitou e exigiu posturas diferenciadas no papel de pesquisadora. Todo o percurso trilhado até a consolidação da pesquisa de mestrado perpassou por diversas experiências como enfatizadas anteriormente na justificativa desta pesquisa.

No entanto, o olhar inicial com o contexto da pesquisa pretendida foi ressignificado, no intuito de não permitir que o fato de estarem enfermas, moldasse o olhar investigativo da pesquisadora nesta ação, diminuindo-as à patologia em que estavam acometidas. Pelo contrário, o olhar a partir daquele momento, era impulsionado pela convicção de que permaneciam capazes de realizar todos os desejos, prosseguir com suas atividades, brincando, sorrindo, estudando, sendo felizes, ainda com suas limitações. Corroborando com esse pensamento, Qvortrup, Corsaro e Honig (2009, p. 3), ao discorrerem sobre a pesquisa com crianças, afirmam que:

[...] os estudos da criança não negam, claro, que as crianças são pessoas pequenas, mas este facto não as torna menos humanas. Como referem, por vezes, fica-se com a impressão que a sua pequenez nos conduz a, conceptualmente, as encarcerar num micromundo ou num mundo de particularismos.

Essa convicção permitia à pesquisadora adentrar no universo da infância conhecendo-as melhor e nas singelezas que envolviam suas vidas, através do olhar sensível, abstrair a essência do que falavam, gesticulavam e até mesmo os silêncios manifestados durante as entrevistas semiestruturadas com as crianças selecionadas para a pesquisa. Essas posturas permitiram aproximação à realidade que vivenciavam, possibilitando um alcance mais concreto na descoberta de subjetividades, que caracterizavam as crianças pesquisadas. Dessa forma, Dornelles e Fernandes (2015, p. 67) enfatizam que:

[...] é a exigência de ir para além destes micromundos e particularismos que nos move, quando defendemos modos de fazer pesquisa com crianças que as respeitem como sujeitos ativos, sendo para tal fundamental mobilizar a sua participação, mais ou menos implicada, nos processos de pesquisa.

Considerar esse pensamento permite ao pesquisador a participação nas vivências e experiências das crianças e de suas famílias, através dos modos de fazer pesquisa, que medeiam uma relação saudável durante todo o percurso metodológico trilhado. A partir dessas considerações, são construídos métodos de alcance à criança, através da estruturação de toda a

pesquisa com enfoque específico ao público infantil. Campos (2005) ao falar da importância de ouvir crianças em pesquisas científicas traz algumas considerações pertinentes relacionadas ao envolvimento e participação, o papel das crianças nas pesquisas, bem como os aspectos éticos e afirma que:

[...] a necessidade de captar a visão das crianças é urgente, pois é a partir de suas vozes que medidas de proteção e de atendimento mais prementes serão tomadas pelas equipes de intervenção externas. Nesse contexto, os problemas adquirem maior nitidez e suas recomendações podem se ajustar a situações mais amenas. (CAMPOS, 2005, p.37).

As questões apontadas referem-se ás contribuições das crianças em pesquisas que visam compreender o universo infantil, pois permitem aproximações às suas necessidades e intervenções mais coerentes, que contribuam para a qualidade de vida destas, bem como seu bem estar. Assim, Campos (2005, p. 38) traz apontamentos referentes à definição do papel das crianças nas pesquisas e a necessidade da consideração de alguns fatores por parte do pesquisador:

1. a idade: crianças menores sentem dificuldade em se expressarem oralmente; outras formas de expressão podem ser utilizadas, como jogos e desenhos;

2. o gênero: em muitas culturas as meninas não possuem o mesmo poder que os meninos;

3. o tempo: envolver as crianças na pesquisa requer tempo, ajudar as crianças a encontrar formas de se expressar é trabalhoso e consome tempo;

4. a escuta ao adultos próximos a elas: ao dar a palavra às crianças, é preciso levar em conta também a escuta aos adultos próximos a elas, que podem se sentir excluídos e perceber essa situação como injusta; também é preciso cuidado como os adultos que desejam se interpor entre o pesquisador e as crianças.

5. o nível de desenvolvimento da linguagem e escolaridade: crianças escolarizadas já adquiriram um modelo escolar de reagir a perguntas, sentindo mais dificuldade em se expressar livremente do que as que ainda não tiveram essa experiência.

6. Quais crianças são ouvidas dentro de um grupo: são as mais comunicativas? As que possuem maior liderança? Elas são representativas do grupo?

Essas considerações são bastante pertinentes, pois torna mais nítida a visibilidade das crianças no contexto da pesquisa, especialmente quando o meio em que estão inseridas, possui delicadezas e necessidade de cautela, a exemplo, o hospital. Pensar na pesquisa com crianças em processo de hospitalização e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico exigiu da pesquisadora a análise de todos esses critérios apontados, para chegar ao alcance de meios mais propícios às crianças, que as deixassem mais à vontade e contribuíssem para a amenização de possíveis desconfortos durante a pesquisa. Diante disso, foram estabelecidos critérios pertinentes, que embasaram a estruturação de toda pesquisa, como poderá ser visto nos itens a seguir.