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A rotina do contexto hospitalar no ponto de vista dedutivo pode ser determinada pelos procedimentos médicos e hospitalares, considerando o almejo pelo alcance à saúde, fator predominante nesse contexto. No entanto, pode ser demarcada pela intervenção de outros profissionais, ou mesmo readaptadas e ressignificadas pelas próprias crianças, dependendo de como veem o hospital. Uma criança pode receber atendimento de profissionais de todas as áreas de conhecimento e não se envolver, assim como não receber atendimento, além dos contemplados pela área médica e, ainda, assim conseguir ressignificar seu contexto, através da imaginação, da criatividade e capacidade de reinvenção.

Assim, as rotinas podem ser diversas e, considerando essa perspectiva, foi questionado às crianças: Como é seu dia no hospital?. A pergunta permitiu, através do olhar da criança, averiguar além de como ocorrem às práticas pedagógicas no hospital e em quais espaços, buscar formas de ressignificações, que pudessem amenizar os impactos

disso, as crianças se expressaram com pontos de vista, que caracterizaram suas rotinas no contexto hospitalar e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico, contemplando fatores determinantes relativos ao seu cotidiano.

Tabela 9 – Caracterização da rotina no contexto hospitalar e/ou atendimento ambulatorial

hemodialítico pelas crianças pesquisadas.

CRIANÇAS CATEGORIAS f %

A, B, D, E, G, I, J Realização de atividades rotineiras do dia a dia

7 70%

A, B, C, D Frequência à brinquedoteca hospitalar para realização de atividades ludo-pedagógicas

e brincadeiras.

4 40%

A, F, G, I Realização da hemodiálise. 4 40%

B Utilização de dispositivos móveis para assistir desenhos animados e séries.

1 10%

C, H Realização de desenhos, pinturas e

brincadeiras no leito das enfermarias pediátricas e na hemodiálise.

1 10%

Fonte: Elaborado pela Autora (2016).

Como explanado na Tabela 9, a maioria das crianças, correspondendo 70% da totalidade, caracterizou a rotina hospitalar pelas atividades do dia a dia, abrangendo suas necessidades básicas, como: alimentar-se, dormir, tomar banho, porém revelando ociosidade ao tempo, que necessitam estar em consonância com esses contextos: da hospitalização e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico. No entanto, foi possível observar algumas manifestações de atividades ludo-pedagógicas, que se diferenciavam dos aspectos comuns e contemplavam a rotina hospitalar. É importante enfatizar que apesar de serem demonstradas algumas categorias, ambas estão relacionadas, bem como destacar que as crianças por muitas vezes se expressaram em mais de uma resposta, caracterizando o contexto hospitalar e os fatores mais determinantes em relação à rotina que vivenciam. Assim, algumas categorias e destaque da fala das crianças estarão intercaladas, porém interpretadas considerando todo um contexto. Serão destacadas também falas mais determinantes de cada categoria, considerando que algumas crianças foram bem sucintas em relação ao hospital.

As falas seguintes demonstrarão esses fatores mais concretamente. Destaca-se especificamente as falas das Crianças A e B por representarem bem a rotina das demais crianças que foram menos detalhistas. Algumas delas serão explanadas em pequenos diálogos entre pesquisadora/criança, durante o processo de entrevista e, a partir de pontos em comum,

entre necessidades básicas, idas à hemodiálise e à brinquedoteca: “Eu só acho ruim, quando eu tenho que fazer a hemodiálise... mas quando não... é... o meu dia é melhor. Eu só faço assistir na brinquedoteca, dormir, banhar”. (Criança A)

A Criança A restringe e especifica sua rotina, declarando sua insatisfação em dias de hemodiálise, revelando ser ruim quando necessita realizar o procedimento. Durante as sessões de hemodiálise, foi possível observar uma criança pouco participativa às atividades propostas pela Equipe da Terapia Ocupacional e Psicologia, muitas vezes negando-se participar, dormindo praticamente durante o tempo de submissão à hemodiálise e evitando socializações. Porém, complementando esse olhar, enfatizou que os dias nos quais não havia a necessidade da hemodiálise, os mesmos tornavam-se melhores. A pesquisa de Bizarro (2011) aponta que as crianças em hemodiálise e/ou estão acometidas por uma enfermidade apresentam um significativo mal-estar psicológico pela dependência desse procedimento. A Criança A, ao retratar que o dia é melhor pela oportunidade de realizar atividades mais próximas de suas vivências anteriores, apresenta momentos de ressignificação do seu dia a dia.

A partir dessa perspectiva, foi possível estabelecer relações ao que diferenciava a rotina da criança em boa ou ruim em seu ponto de vista, de forma que amenizasse os impactos causados pela hospitalização e processo de hemodiálise. Em seu discurso e das demais crianças, foi perceptível a importância do acesso à “brinquedoteca hospitalar”, localizada no mesmo andar da enfermaria pediátrica em que estavam e era frequentada por todas as crianças e adolescentes hospitalizados. Como afirmam Fontes e Vasconcellos (2007) o brincar para a criança em tratamento de saúde, especialmente a sala de recreação pode ser representada por um espaço seguro, que proporciona prazer às crianças ao poderem se manifestar, através dos momentos lúdicos. Este espaço é sempre muito bem representado pelas crianças, desde as manifestações iniciais em seus discursos.

Uma das primeiras atividades enfatizada pela criança proporcionada pela brinquedoteca foi a possibilidade de assistir TV, diferenciando-se um pouco da rotina hospitalar. Complementando, destaca-se a fala da Criança B, que caracteriza sua rotina em: atividades rotineiras do dia a dia, frequência à brinquedoteca hospitalar e utilização de dispositivos móveis no leito.

Meu dia? De manhã eu acordo, e só tomo café de manhã... café da manhã, e a única coisa que eu faço é pegar o celular e assistir. Aí meu dia, eu durmo de tarde e fico sentado ali assistindo o Chaves. Aí depois eu venho pra cá, janto, merendo, aí... aí eu durmo... de noite eu janto... e vou dormir de novo. Antes da cirurgia... eu acordava, tomava café da manhã, e eu ia assistir lá naquele centro. Aí eu voltava, merendava, a merenda de... de manhã... e ia brincar na brinquedoteca. Aí voltava, almoçava,

Sorriso)

Percebeu-se na fala da Criança B, rotinas diferenciadas e compatíveis às situações vivenciadas no contexto hospitalar, de acordo com suas necessidades clínicas, ou seja, no anteceder e após cirurgia. Assim, a rotina dessa criança, antes da cirurgia, mostrou-se mais ampla, englobando além das atividades rotineiras do dia a dia, idas à brinquedoteca e ao roll de atividades, que proporcionavam momentos educativos, lúdicos e de entretenimento.

O roll de atividades enfatizado, trata-se de um espaço no hospital, no qual são disponibilizados assentos para famílias, crianças e visitantes, com acesso à televisão e, também, realizadas apresentações pelas próprias crianças dos trabalhos realizados no espaço da brinquedoteca hospitalar e/ou grupos de pessoas, que realizam ações ao público infantil, por meio da caracterização de personagens, peças teatrais, contações de histórias, dentre outros.

Nas datas comemorativas as crianças são convidadas a participar com seus familiares de festas oriundas do hospital e/ou de projetos e ações externas, que visam ao bem estar a essas pessoas. Normalmente as crianças participam de toda organização e ficam muito felizes com esses momentos diferenciados proporcionados pelo hospital.

Bayer e Silva (2002) afirmam que envolver as crianças em momentos lúdicos e de diversão, como os apontados pelas crianças nesta pesquisa são representantes de desenvolvimento sensório-motor e intelectual, bem como favoráveis à socialização e ao aperfeiçoamento da criatividade, diminuindo o estresse e explorando suas emoções de forma saudável. As crianças expressam bem essas emoções em seus discursos e a satisfação de serem oportunizadas a vivenciar momentos diferenciados no hospital.

De acordo com a Criança B, foi possível visualizar outras atividades proporcionadas na brinquedoteca como: a realização de desenhos, leitura, escrita e brincadeiras. Assim, podem ser consideradas atividades ludo-pedagógicas por abrangerem, além do brincar, a possibilidade do uso da escrita e da leitura, alcançando o âmbito educacional e sendo ponte de acesso ao conhecimento. As Crianças E e J, foram bem sucintas e caracterizaram suas rotinas como pode ser visto:

Ruim. (Criança E)

É bem...bem ruim, eu tenho preguiça (Criança J)

É importante analisar a partir dessa fala, a menor ressignificação dos momentos no hospital, caracterizado por momentos ruins. No entanto, são crianças bem participativas das atividades terapêuticas, bem como as proporcionadas pela Psicologia.

brinquedoteca para a realização de atividades ludo-pedagógicas e brincadeiras destaca- se, a respeito disso, a Criança C, afirma que desenha, pinta e brinca em seu leito e na brinquedoteca, como será visto a seguir no discorrer de sua fala.

Criança C: Desenhar, pintar, brincar

Pesquisadora: Desenhar, pintar e brincar, você faz aqui no leito? Ou você faz em outro lugar?

Criança C: Aqui.

Pesquisadora: Você vai à brinquedoteca? Criança C: Vou

Pesquisadora: O que você desenha? Criança C: Um monte de desenho. Pesquisadora: O que você gosta de desenhar?

Criança C: Uma casa, uma árvore, uma nuvem Pesquisadora: Isso tudo? Você é desenhista! Criança C: Crianças

Pesquisadora: O que você gosta de pintar?

Criança C: Minha casa, a Barbie, a Morango, a Branca de Neve.

Durante sua entrevista, a criança encontrava-se com lápis de cor e um livro para colorir, divertindo-se apesar da impossibilidade de ir à brinquedoteca. As formas pelas quais se refere aos desenhos, pinturas e ao brincar são bem representativas na infância. No entanto, considerando o contexto hospitalar, os desenhos podem ser articulados às próprias privações que a criança é submetida e sente falta.

O ato de desenhar personagens, sua casa e crianças, e até mesmo as nuvens e árvores demonstra uma necessidade corrompida pelas rupturas contextuais e afetivas, ocasionadas pelo processo saúde-doença. Expressar-se através do desenho, também, é uma forma de comunicação. Como enfatizam Jobim e Souza (2011) em seus estudos, os desenhos podem significar um meio da linguagem encontrado pela criança para representar a realidade em que está inserida. Assim, quando se apropria da linguagem, revela seu potencial expressivo, alcançando novas formas para a compreensão da sua realidade.

A Criança C ao desenhar elementos específicos retrata especialmente a saudade do mundo externo, pelas privações que a hospitalização causava. Nas idas à brinquedoteca e através dos desenhos, encontrava forma de satisfazer suas necessidades, como bem retratado por Vygotsky (1998) quando fala da importância do brincar e do brinquedo à criança. A brinquedoteca é bem representativa nas falas das crianças hospitalizadas. Porém, há crianças que encontram outras formas de ressignificar sua experiência, a exemplo, a Criança D.

A Criança D ao falar de sua rotina, mostrou ressignificação ao tentar desvincular- se da rotina hospitalar, realizando passeios pelo hospital e idas à brinquedoteca. A fala da criança foi a seguinte:

Pesquisadora: Como é seu dia no hospital? Criança D: Durmo e ando

Pesquisadora: Qual sala?

Criança D: Aquela ali, da televisão Pesquisadora: O que mais você faz?

Criança D: Vou pra brinquedoteca, quando “tá” aberto. Mais nada.

Apesar da Criança D, mostrar em sua fala afazeres diferenciados da rotina hospitalar, é possível perceber que se trata de algo comum na vida dela, quando restringe sua rotina a esses espaços, afirmando que não faz nada além disso, ou seja, dormir, andar pelo hospital e ir à brinquedoteca. Dessa forma, pode-se analisar que até mesmo as atividades direcionadas à criança, que buscam abranger ludicidade e momentos educativos precisam sempre ser inovadas e para isso ouví-las é necessário, pois só assim aproxima-se de seus desejos e necessidades.

Esse fator mostra que, além da importância de ouvir as crianças nas pesquisas quando se pretende discorrer sobre elas, quando há necessidade de conhecê-las, é preciso estar junto a elas, partilhando suas experiências, permitindo que se expressem. Essas considerações se estendem a todas as intuições e/ou espaços que recebem crianças.

Como afirma Cruz (2004) a escuta às crianças permite a tomada de decisões certas em prol delas, para que as ações sejam planejadas adequadamente a elas e as alcance de forma satisfatória. No entanto, é possível observar o quanto as crianças se divertiam e ficavam felizes com o que era proporcionado. Afinal, distantes do processo de escolarização, considerando que a escola oportuniza tanto o brincar quanto a aprendizagem, a brinquedoteca representa a única forma de aproximarem-se do que foi perdido pela ausência ao contexto escolar.

Assim como as Crianças A, B, C, a fala da Criança D representa peculiaridades na rotina durante a hospitalização como presença infantil na brinquedoteca e no roll de atividades ludo-pedagógicas. Algo diferencial explanado foi em relação ao “andar pelo hospital”. Era possível observar idas e vindas das crianças, às vezes sozinhas, às vezes juntas e nesses momentos brincavam entre si, assistiam TV ou mesmo dialogavam.

A exemplo, com a Criança D, as conversas iniciais, que antecederam sua entrevista, começaram em momento informal, no roll de atividades, contando um pouco da sua história e de suas expectativas no contexto hospitalar. A chegada da pesquisadora no ambiente hospitalar causava de alguma forma boas impressões às crianças e as deixavam felizes, pois se tratava de uma novidade.

A apresentação dos momentos lúdicos, que eram proporcionados às crianças, tinham significações, que as ajudavam no processo de ressignificação do hospital. Ou seja, se uma criança consegue ser medicada ou tomar injeção durante uma atividade lúdica

de elementos propiciadores dessa ressignificação. Assim, algo que lhes causavam tanta dor e sofrimento era amenizado pelas cores, brinquedos, brincadeiras e propostas educativas. . Como discorre Fontes (2005) o brincar e o desenho, trata-se de formas privilegiadas de expressão.

As crianças da hemodiálise limitaram suas respostas, caracterizando a rotina como ruim, restringindo-se às necessidades básicas e à hemodiálise. É compreensível essa limitação, pois o procedimento exigia passividade pelo tempo de submissão, em meio às medicações, controle da pressão e da temperatura, suscetíveis aos efeitos colaterais, que muitas vezes causavam-lhes mal estar, tornando a rotina complexa e desagradável. A Criança A, como já enfatizado anteriormente, destacou que o seu dia tornava-se ruim ao ter que realizar a hemodiálise. No entanto, houve variações nas respostas. Destaca-se assim, complementando esta categoria, as falas das Crianças F, G e I:

Ruim, só fico aqui... (Criança F)

Tomo banho e venho pra hemodiálise. (Criança G)

Às vezes é ruim...às vezes é legal, porque as vezes eu passo muito mal. Legal quando não passo mal, aí eu fico quietinha no meu lugar. Legal é quando eu saio cedo. Aí eu chego em casa, eu almoço... almoço aqui, aí chego em casa, almoço de novo. (Criança I)

Os relatos das crianças em hemodiálise revelavam insatisfação ao tempo ocioso conforme a fala da Criança F, que caracterizava a rotina como ruim, pois se restringia àquele local. A Criança G demonstra uma rotina dependente do contexto hospitalar, ao destacar que necessita constantemente realizar hemodiálise. Assim, apresenta uma rotina restrita associada plenamente ao hospital, demonstrando momentos diferenciados e vivenciados por ela e sua família, um pouco mais de cinco meses. A Criança I é bem específica quando retrata o contexto hospitalar, afirmando que os dias que precisa estar em hemodiálise são ruins, quando passa mal devidoao procedimento.

Em contrapartida, é legal quando não passa mal, e quando sai mais cedo do hospital e, consequentemente, alimenta-se mais cedo e chega mais brevemente em casa. Portanto, a criança discorre que quando não há problemas durante o atendimento, seu dia ocorre com mais tranquilidade não exigindo tanto de si. Como enfatiza Fontes (2005) a identidade de ser criança acaba se perdendo um pouco pela rotina hospitalar, que é bastante clínica, permeada por muita complexidade, pois nas condições impostas pelo hospital, torna- se necessário optar pela vida ou pela rotina vivenciada antes do processo saúde-doença. Porém, algumas podem encontrar formas de diferenciar a rotina hospitalar como enfatizado pela Criança H quando diz “Ah...é bom...eu só faço, brincando com minha mãe, só faço

crianças e de suas famílias na amenização das rupturas, ocasionadas pelo contexto hospitalar. Assim, através dessas caracterizações foi possível observar pelo discurso das crianças, que além das atividades rotineiras, existem formas específicas encontradas por elas para mudar um pouco a rotina hospitalar, como explanados na figura 2. Além das expostas pelas crianças, foram colocadas as observadas durante a permanência da pesquisadora no lócus de pesquisa, mas que serão detalhadas em outro capítulo, quando forem explanados os tipos de atividades, áreas abrangidas, objetivos e suas demais caracterizações.

Figura 2 - Atividades inerentes na rotina das crianças em processo de hospitalização e/ou atendimento

ambulatorial hemodialítico.

Fonte: Arquivo pessoal.

Os discursos das crianças em relação à rotina em contexto hospitalar e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico permitiram aproximação da pesquisadora à realidade em que viviam. Em contrapartida, percebeu-se que as formas de ressignificação apontadas por elas, servem como alternativas para contornar as ausências, limitações e restrições, que lhes são impostas. A partir disso, foram realizadas outras perguntas pertinentes e articuladas a essas limitações, por meio de levantamento e comparação das vivências externas, anteriores à hospitalização e vivências internas, oriundas do contexto hospitalar.

4.7 Rupturas contextuais e as necessidades infantis: o que as crianças mais sentem falta