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2.3 Classe hospitalar, legislação e o direito à educação: o que dizem as leis

2.3.1 Situação Brasileira e o atendimento pedagógico-educacional hospitalar

No ano de 2002 foi criado pelo Ministério da Educação o documento denominado Classe Hospitalar e atendimento domiciliar: orientações e estratégias (BRASIL, 2002). Destaca-se que esse documento foi divulgado um ano após a elaboração das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, que destacou a partir da Resolução CNE/CEB nº2 de 11 de setembro de 2001, em seu art.13 (BRASIL, 2001), a necessidade dos educandos impossibilitados de frequentar as aulas, devido ao tratamento de saúde em regime de internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio receberem atendimento educacional especializado. Assim, conforme estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), os objetivos gerais

da classe hospitalar são os seguintes:

a) a continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica;

b) contribuição ao retorno e reintegração ao grupo escolar;

c) desenvolvimento do currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso á escola regular.

Sendo assim, apesar de apontarem a necessidade de ofertar esse atendimento ao educando em tratamento de saúde, não são delineadas questões, que abranjam o seu funcionamento. Desta forma, é criado o documento mencionado anteriormente como forma de orientar a efetivação do mesmo (BRASIL, 2002).

Neste documento são explanadas questões relacionadas aos princípios e fundamentos, objetivos, organização e funcionamento administrativo e pedagógico das classes hospitalares e do atendimento pedagógico domiciliar. Pesquisas realizadas por Fonseca (2014), uma das primeiras pesquisadoras no Brasil apontam que as Classes Hospitalares têm crescido Brasil. No ano de 1997/1998 quando realizado o primeiro levantamento constatou-se o quantitativo de 30 classes em funcionamento, correspondendo a 11 unidades federadas (10 estados e o Distrito Federal). No ano de 1999, o quantitativo de classes é ampliado correspondendo a 39 classes em 13 unidades federadas (12 estados e o Distrito Federal). Outra atualização foi realizada no ano de 2008, com o quantitativo de 110 classes.

A atualização mais recente foi realizada em 2014 e contabilizou um total de 155 hospitais com classes hospitalares no Brasil, localizados em 19 estados e no Distrito Federal. (FONSECA, 2014). Foi realizado, também, levantamento em relação ao atendimento escolar no contexto domiciliar, quando o aluno está enfermo, porém não hospitalizado. Assim, 34 instituições distribuídas por 16 estados do território brasileiro realizam o atendimento.

A pesquisa realizada demonstra com mais clareza os avanços e retrocessos do atendimento pedagógico-educacional hospitalar no Brasil, possibilitando uma melhor análise da situação maranhense, tendo em vista que as crianças pesquisadas são oriundas de várias cidades do Maranhão e sofrem com a ausência deste acompanhamento escolar, durante o tratamento de saúde pela insuficiência renal crônica. É importante também enfatizar que ainda que alguns estados se destaquem neste atendimento, as práticas pedagógicas são desenvolvidas em perspectivas diferenciadas, fator bem enfatizado por Fonseca (2014) durante explanação da realidade brasileira, que se torna também uma problemática perante a sua efetivação, no que se refere ao direito à educação da criança e do adolescente hospitalizados. Os dados correspondentes às classes hospitalares são visualizados no gráfico 1:

0 20 40 60 80 100 120 140 160 Ano de

1998/1999 Ano de 1999 Ano de 2008 Ano de 2014

Quantitativo de Classes Hospitalares no Brasil Gráfico 1 – Quantitativo de Classes Hospitalares no Brasil

Percebe-se diante do gráfico 1, crescimento considerável de Classes Hospitalares no Brasil. No entanto é importante verificar a incidência dessas classes no país, considerando as regiões abrangentes. A partir desse levantamento de Fonseca (2015) é possível ter um olhar mais abrangente ao Estado do Maranhão, no qual residem as crianças desta pesquisa, hospitalizadas e/ou em atendimento ambulatorial hemodialítico. A realidade vivenciada no Brasil é reflexo de uma maior ou menor assistência à infância, que acontece durante o tratamento de saúde. Porém, pelo crescimento demonstrado nas pesquisas, compreende-se que a relevância desse atendimento tem sido priorizada no Brasil, especialmente, em algumas regiões e Estados, como poderá ser visto no quadro 1:

Quadro 1- Detalhamento de Classes Hospitalares no Brasil, por região

Regiões Quantitativo de Classes Quantitativo de Classes

Norte 10 Acre (3) Pará (5)

Roraima (1) Tocantins (1) Nordeste 26 Bahia (14) Ceará (3) Maranhão (1)

Rio Grande do Norte (6) Sergipe (2)

Centro Oeste 26

Distrito Federal (12) Goiás (5)

Mato Grosso (3) Mato Grosso do Sul (6)

Sudeste 64 Espírito Santo (1) Minas Gerais (10) Rio de Janeiro (17) São Paulo (36)

Sul 29 Paraná (16) Santa Catarina (9)

Rio Grande do Sul (04) Fonte: Fonseca (2014)

Nota-se a partir do Quadro 1 maior incidência de Classes Hospitalares na região Sudeste, com um total de 64 classes e de menor incidência no Norte com um total de 10 classes. Há, também, algumas considerações realizadas por Fonseca (2014) em relação a esses quantitativos. Na região Norte, por exemplo, os estados do Amazonas, Rondônia e Amapá, não há informação sobre a existência de hospitais com atendimento escolar a pacientes hospitalizados. No Nordeste, os estados do Piauí, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, também, não há registros. Porém, destacam-se as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, em que todos os estados dispõem de atendimento pedagógico-educacional hospitalar para crianças e jovens em tratamento de saúde. Em relação à região Nordeste, especificamente, o Estado do Maranhão, ênfase desta pesquisa, foi apontado somente o Hospital Sarah, entidade filantrópica, como proporcionadora de atendimento educacional às crianças.

A partir desses dados, nota-se que o Estado do Maranhão tem dado pouca assistência em relação à escolarização de crianças e adolescentes, apesar de existirem práticas pedagógicas, realizadas através de Projeto de Extensão e Pesquisa que proporcionam uma ressignificação do contexto hospitalar, através da realização de atividades ludo-pedagógicas, porém não caracterizam a Classe Hospitalar, no sentido de haver acompanhamento curricular da criança no hospital. Esses projetos são desenvolvidos nos dois hospitais, lócus dessa pesquisa, como mencionados anteriormente.

No entanto, há alguns avanços que podem ser apontados na cidade de São Luís em relação a essas questões. Destaca-se com grande relevância o I Encontro de Educação Hospitalar do HU-UFMA realizado em 2016, com temática de suma-importância para a pesquisa desenvolvida, e no qual foram constatados o crescimento e reconhecimento da importância da ludicidade no ambiente hospitalar como um direito durante o tratamento de saúde. A realização desse evento científico com enfoque no educando hospitalizado apontou a necessidade de um olhar a este público. Constatou-se durante este evento, aspectos importantes como: a meta da criação da Classe Hospitalar no Hospital Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA). Este evento foi muito significativo para a pesquisa, pois possibilitou um olhar mais concreto para a realidade de São Luís e de todo o Maranhão, promovendo também trocas de experiências e enriquecimento da temática.

Outro fato marcante durante o evento foi a criação da Lei Municipal nº 6.058/2016 publicada em 2 de março de 2016 no Diário Oficial da União, pelo vereador Lisboa, regida pela premissa de que “A Educação é um direito do cidadão e uma obrigação do Estado”, criando assim o Dia Municipal do Educando Hospitalizado, promovendo desta forma, alicerces para o maior reconhecimento deste público participante desta pesquisa.

Destaca-se, também, a aprovação da Resolução Municipal nº53/2016 dos Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) em 11 de outubro de 2016 (MARANHÃO, 2016), que dispõe sobre a proteção e garantia dos direitos à aprendizagem escolar e tratamento de saúde digno de criança e adolescente hospitalizados no Município de São Luís/MA e dá outras providências. Essa Resolução é embasada na Resolução nº41/1995 (BRASIL, 1995), já mencionada anteriormente, bem como considera a necessidade de deliberação de políticas públicas específicas para crianças e adolescentes hospitalizados no âmbito Municipal, compreendendo a garantia da educação e dignidade humana como direito constitucional (BRASIL, 1988), a Resolução Municipal nº 53/2016 (MARANHÃO, 2016, não paginado) é composta de dois artigos principais (Art. 1º e 2º) que resolvem:

Art. 1º - Estabelecer diretrizes para a proteção e garantia dos direitos constitucionais e estatutários inerentes à aprendizagem escolar e tratamento de saúde digno da criança e do adolescente hospitalizados no Município de São Luís, constantes no anexo único desta Resolução.

Art. 2º - Esta resolução entra em vigor na data de sua aprovação pelo Conselho Municipal dos direitos da Criança e do Adolescente, adotando-se as providências necessárias para sua publicação e revogando-se as disposições em contrário.

Como pode ser observada, essa Resolução, nº53/2016 (MARANHÃO, 2016) reconhece o direito à educação e dignidade das crianças em tratamento de saúde na capital ludovicense, demarcando um grande avanço ao atendimento educacional hospitalar, considerando a pouca incidência do mesmo na cidade de São Luís - MA. Em anexo único apontado nessa Resolução são apontadas as diretrizes para a proteção e garantia dos direitos constitucionais e estatutários inerentes à aprendizagem escolar e tratamento de saúde digno de crianças e adolescentes hospitalizados, como pode ser visto em destaque a seguir (MARANHÃO, 2016, não paginado):

1 – Tratamento de saúde que correspondam as suas necessidades afetivas e educativas. 2 – Garantia de hospitalização em ambiente seguro e higiênico;

3 – Acompanhamento familiar com permanência no mesmo local que a criança e o adolescente dia e noite, independente de qualquer que seja seu estado de saúde; 4 – Aprendizagem escolar e recreação em ambiente hospitalar, abrangendo a educação infantil, ensino fundamental e médio, bem como o acompanhamento do curriculum escolar, visando à implantação das classes hospitalares;

5 - Tratamento terapêutico, psicológico com vistas ao desenvolvimento de sua cura, prevenção secundária e/ou terciária;

6 – Acompanhamento religioso conforme crença ou credo da família;

7 – Informação adequada sobre o tratamento e métodos que visam o reestabelecimento da saúde da criança ou do adolescente, respeitando a fase cognitiva.

8 – Participar de todas as decisões inerentes à aplicação de métodos e técnicas a serem aplicadas no tratamento de saúde.

9 – Garantia à sua integridade física, psíquica e moral; 10 - Garantia à cultura, etnia, identidade e autonomia;

pais ou responsáveis legais ressalvados o direito à informação clara e precisa bem como sua possível consequência.

12 – Proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência e maus tratos.

Como pode ser visto, a ênfase da Resolução nº53/2016 traz um olhar integral à criança e ao adolescente hospitalizados assegurando todos os direitos desses dois períodos vitais. Destaca-se, assim, a valorização à aprendizagem escolar e recreação em ambiente hospitalar, abrangendo os níveis de ensino: educação infantil, fundamental e médio, tornando- se visível o reconhecimento das necessidades educativas especiais dessas pessoas durante tratamento de saúde. A cidade de São Luís, a partir dessa resolução ganha forças e mobiliza-se na elaboração de estratégias, que possam garantir esse direito com efetividade, tendo em vista que essas crianças e adolescentes são submetidas a grandes impactos ao processo de escolarização, seja pela hospitalização e/ou pelos atendimentos ambulatoriais múltiplos destacados por Matos e Mugiatti (2011).

Assim, diante da pouca visibilidade do atendimento pedagógico-educacional hospitalar na cidade de São Luís/MA, demonstrada anteriormente no cenário brasileiro, compreende-se que a partir dessa Resolução nº53/2016 (MARANHÃO, 2016), a incidência de atendimento escolar nos contextos hospitalares seja manifestada e possa representar crescimento na situação brasileira de atendimento pedagógico-educacional hospitalar no Brasil, tendo em vista que são crianças que presentes ou ausentes nas escolas, são integrantes do sistema educacional brasileiro, em modalidade formal ou não formal e merecem reconhecimento de seus direitos.

3 TRILHANDO CAMINHOS: os procedimentos metodológicos

O iniciar de toda pesquisa é norteado por questões metodológicas consonantes ao estudo pretendido. Esta pesquisa traz consigo algumas especificidades, que delinearam todo o seu percurso metodológico em meio às delicadezas e a um universo completamente novo voltado para as crianças com IRC, porém com uma magnitude que ultrapassa a dimensão científica, considerando a infância em seu sentido amplo. Rabelo (2014) discorre que ao se realizar pesquisa, o pesquisador assume a responsabilidade social de estar investigando, refletindo nos caminhos a serem delineados em busca de seus objetivos.

Sendo assim, o pesquisador que se doa em busca do conhecimento sobre determinado fenômeno, muito antes de assumir responsabilidade na ação de desenvolver determinado estudo, deve estar consciente de questões relacionadas a quem se busca conhecer no contexto de sua problematização. Neste sentido, adentra-se nas especificidades desta pesquisa. De acordo com Almeida (2014, p.19) “[...] a delicadeza de uma pétala; a delicadeza dos cristais é também a delicadeza de uma alma de criança. A criança é muito frágil, muito sensível, muito delicada, e o trato da criança também precisa desse delicado, desse cuidado e dessa atenção”.

O estudo ao se propor investigar crianças necessitou mergulhar nestas delicadezas, que envolvem as singularidades do universo infantil para que se alcançasse a infância em meio às contradições impostas pela hospitalização e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico. Antes de qualquer questão de estudo, é preciso refletir sobre a constância de “estar com o outro e para o outro”, para que este alcance seja efetivo (FONTES, 2005). As crianças hospitalizadas e/ou atendimento ambulatorial hemodialítico diferenciam-se completamente das demais crianças, considerando-se aspectos contextuais.

No entanto, na essência permanecem os mesmos desejos, vontades e sonhos de serem iguais no afago da família, ao brincarem com os amigos, divertirem-se, irem à escola, em aprenderem a escrever e, muito além de todos esses, o direito de serem. Para Almeida (2014, p.19) “[...] a criança é uma alma delicada que precisa ser vista, ouvida e percebida como tal. E para percebê-la assim, é necessário estar conectado na mesma sintonia dela, e a sintonia dela, é a espontaneidade, a simplicidade, a atenção, o trato, o gesto e o carinho”.

Assim, ressaltam-se as peculiaridades existentes na realização da pesquisa com crianças, especificamente as que vivem a infância inserida no contexto hospitalar; explana-se sobre a natureza da pesquisa em sua abordagem e tipologia, os participantes, o lócus, as etapas percorridas, os instrumentos favorecedores da coleta dos dados pretendidos, os equipamentos e

materiais utilizados, os procedimentos de coleta e análise de dados, bem como os aspectos éticos. Para tanto, consideram-se os protagonistas desta pesquisa como atores sociais, participantes plenos, ativos e com vozes, que trouxeram o real sentido ao estudo. Como discorre Rabelo (2014, p.28) coloca-se em relevância “[...] todos os componentes de uma situação em suas interações e relações, numa visão histórica e contextualizada dos fenômenos”. Diante disso, destaca-se que considerando as peculiaridades existentes na realização de pesquisa com crianças, foram adotados procedimentos imprescindíveis e compatíveis a elas, que serão demonstrados posteriormente no decorrer deste capítulo.