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1.2 Procedimentos metodológicos

1.2.3 A pesquisa de campo

O processo de entrevistas para coleta das informações ou trabalho de campo propriamente dito foi composto de três etapas distintas. As duas primeiras foram realizadas no município de Caçador e vizinhanças, nos períodos de 28 de março a 10 de abril de 2005 e de 22 de maio a 12 de junho de 2005, respectivamente. A terceira etapa aconteceu em Florianópolis em períodos esparsos entre os meses de julho e dezembro de 2005, devido à dificuldade de agendar as entrevistas com os dirigentes governamentais e as lideranças das federações de agricultores.

Na primeira etapa do trabalho de campo foram feitos o reconhecimento do município e os primeiros contatos com as lideranças e técnicos locais ligados aos agricultores familiares e trabalhadores rurais. Nesse sentido, contataram-se inicialmente responsáveis pelo Sitruc e técnicos da Epagri local, os quais deram apoio efetivo na indicação dos futuros entrevistados e as informações necessárias para a localização destes. Além disso, forneceram informações sobre o município e sobre os programas de acesso à terra e da agricultura familiar de maneira geral. Vale ressaltar que sem o apoio dessas duas entidades a pesquisa dificilmente teria sido realizada, pois as informações e indicações fornecidas abriram o caminho para se chegar à maioria dos entrevistados.

Minayo (2002) chama a atenção para os cuidados relativos à “entrada no trabalho de campo”. Uma das primeiras providências é a aproximação com as pessoas envolvidas com a área de estudo, principalmente aquelas que têm um vínculo com os sujeitos a serem entrevistados. Ao procurar o Sindicato e a Epagri a escolha foi adequada, pois ambas as instituições mantêm um bom nível de comunicação e respeito com os trabalhadores rurais. Essa impressão foi constatada pela reação e declaração dos entrevistados a respeito de referidas instituições. Ao apresentar o plano de estudo e os objetivos da pesquisa também houve receptividade por parte dos entrevistados, estabelecendo, de início, um clima de confiança e respeito com as pessoas contatadas.

Nessa fase do trabalho de campo foram realizadas as primeiras entrevistas para testar a aplicação do roteiro orientador e verificar possíveis ajustes nos temas propostos. Com relação a essa adequação do roteiro e mesmo das categorias estudadas, Haguette (1992) afirma que uma das vantagens dos métodos não- estruturados é sua flexibilidade e possibilidade de reformular o problema ao longo do

tempo. Desse modo, houve oportunidade de aperfeiçoamento do “roteiro-guia” a ser aplicado nas entrevistas, além da experiência e familiaridade do pesquisador com o tema e com o público alvo.

Ainda, durante a primeira etapa do trabalho houve um caso em que a entrevistada tentou agradar o pesquisador, elogiando as políticas de acesso à terra e os órgãos responsáveis por sua implantação. Com isso, percebeu-se que ela buscava o apoio para aprovação do seu projeto de financiamento da terra, que se encontrava paralisado no CMDRS há mais de um ano. Essa atitude pode ter sido influenciada pelo fato do pesquisador ter-se apresentado também como funcionário do Incra, além da sua condição de pesquisador. Em rigor, o acontecimento serviu como lição para a omissão dessa condição nas futuras apresentações.

Essa atitude é apontada por Haguette (1992, p. 89) quando aborda os “fatores que influenciam ou contaminam uma entrevista: motivos ulteriores – quando o informante pensa que sua resposta pode influenciar sua condição futura”. Nesses casos a autora alerta que “o pesquisador deve estar atento aos fatores limitantes da entrevista a fim de evitá-los quando possível ou aceitá-los quando inevitáveis, embora sabendo das distorções que podem provocar”.

Na segunda etapa do trabalho de campo foram realizadas as demais entrevistas com o público estudado, com os técnicos e lideranças locais e com os desistentes do programa de crédito fundiário. De maneira geral as entrevistas contemplaram um pré-agendamento, no qual eram expostos os objetivos da entrevista e o melhor horário, dia e local para realização da mesma. Nessa oportunidade havia um certo distanciamento dos sujeitos pesquisados em relação ao pesquisador (um elemento estranho na comunidade), fator que era amenizado quando se falava o nome do técnico da Epagri e/ou do representante do Sitruc.

Após o pré-agendamento alguns entrevistados telefonavam para o Sindicato ou para o escritório da Epagri, a fim de obter maiores informações a respeito da entrevista e do pesquisador. Além disso, notou-se que havia uma intercomunicação entre as pessoas contatadas de diferentes comunidades ou “linhas”8, como são chamadas no município. Essa troca de comunicação foi observada quando algumas pessoas procuradas pela primeira vez já demonstravam o conhecimento da

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As chamadas “linhas” são denominações das diversas comunidades rurais no município; são sinônimos de “travessões”, estradas que no processo de colonização ligavam o interior das colônias à sede da vila ou povoado (THOMÉ, 1993).

presença e do objetivo do pesquisador no município, com exceção daqueles sujeitos mais isolados ou distantes do centro urbano de Caçador.

Também, notou-se certo entusiasmo por parte de alguns entrevistados quando eram valorizadas as suas opiniões ou quando se sentiam ouvidos nas suas reclamações e reivindicações. O mesmo aconteceu ao saberem que estavam contribuindo com um trabalho que seria escrito e publicado.

Outra situação vivenciada durante os trabalhos de campo foi aquela em que os entrevistados davam respostas curtas, não estabeleciam um diálogo aberto e pareciam estar constrangidos para responder às perguntas, mesmo sendo estimulados a exporem suas opiniões livremente. Nesses casos, como afirma Richardson (1999, p. 214), o entrevistador é obrigado a fazer uso do roteiro orientador com mais freqüência para dirigir o processo, “pois o entrevistado falará pouco em resposta a cada pergunta, não dando muitas possibilidades de retomar aspectos por ele mencionados”.

As entrevistas foram realizadas, em sua maioria, nas residências das famílias pesquisadas, com exceção de três que se realizaram em locais diversos. Sempre que possível foi entrevistado o casal, embora um dos cônjuges, frequentemente o homem, é que falava em nome da família. Houve três casos nos quais as mulheres foram as candidatas ao crédito fundiário e também a pessoa que falou em nome da família. Em dois desses casos, os homens tinham o nome impedido perante o sistema financeiro para contrair o crédito no banco, razão pela qual o financiamento foi concedido à mulher.

Além do pedido de autorização para gravar as entrevistas houve um compromisso por parte do pesquisador de manter o anonimato do entrevistado. Nesse sentido, toda vez que se necessitar de alguma referência aos sujeitos entrevistados no decorrer deste trabalho será utilizado o número da entrevista precedido da letra “E” maiúscula (significando entrevista). Posterior a letra “E” e o número da entrevista, segue a sua condição atual quanto à posse e uso da terra (proprietário, arrendatário, parceiro, filho de agricultor ou trabalhador assalariado), acrescido do grupo pesquisado ao qual está vinculado (Fundo de Terras, Banco da Terra, Crédito Fundiário e Sem Sem) e, finalmente, a sua idade. No caso de cônjuge, a referência será precedida desta palavra. Quanto à referência a lideranças, técnicos e dirigentes governamentais, será citada essa condição, precedida do número da entrevista e no final a instituição a qual pertence.

O registro e referências às falas dos depoentes seguem a maneira pela qual eles se expressaram, sendo introduzidas pequenas correções na concordância e regência verbais, apenas para favorecer a compreensão dos relatos.

Em algumas instituições não foi possível realizar entrevistas com nenhum de seus membros durante o trabalho de campo. Isso se deveu a alguns desencontros, dificuldade de agendamento das entrevistas e o curto período de tempo dos trabalhos de campo. Foram os casos do Banco do Brasil (agente financeiro do crédito fundiário com representação no CMDRS), do Sindicato Rural (sindicato patronal com representação no CMDRS) e da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado de Santa Catarina (órgão que coordena as ações do governo do estado na região e com representação no CMDRS), todos do município de Caçador.

Após o trabalho de campo propriamente dito, quando da degravação das fitas, percebeu-se que em muitos casos poderiam ter sido aprofundados determinados temas que não estavam devidamente claros, mas já era tarde para retornar. Assim, além da autocrítica, aconselha-se ouvir as entrevistas logo após a sua realização, de modo que se possa retornar a campo, caso seja necessário (Richardson, 1999). No entanto, essa lacuna não chegou a prejudicar o trabalho, devido à quantidade de material recolhido. O período de transcrição das entrevistas também foi longo e cansativo, mas rico em informações, permitindo uma análise prévia dos resultados.

Alguns dados foram obtidos virtualmente, como foi o caso dos dados fornecidos pelo Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores Rurais (Cepagri) com sede em Caçador. Após contatos com dois colaboradores dessa instituição e explicados os objetivos do presente estudo, o pesquisador lhes encaminhou algumas perguntas e os dados necessários por meio de correio eletrônico. Referida instituição é responsável basicamente pelo apoio aos processos organizativos e de capacitação dos trabalhadores rurais, visando à consolidação de práticas alternativas de agricultura com bases agroecológicas9. Sua inclusão na presente pesquisa deveu-se à necessidade de investigar o nível de organização dos agricultores e as práticas agrícolas desenvolvidas no município de Caçador.

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Segundo Altieri (2002, p. 26): “Definida de forma mais ampla, a Agroecologia geralmente representa uma abordagem agrícola que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, assim como aos problemas sociais, enfocando não somente a produção, mas também a sustentabilidade ecológica do sistema de produção”.

Do mesmo modo, foram solicitados à Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), órgão do MDA, dados a respeito de acampamentos e ocupações de terra. Também, foram solicitados ao Incra e à SRA os dados referentes aos projetos de assentamentos, às famílias assentadas e aquelas atendidas pelo crédito fundiário. Todos esses dados foram prontamente fornecidos pelos respectivos órgãos.

A condição de agente da reforma agrária e funcionário do Incra abriu muitas portas e facilitou a obtenção de dados, informações, normas e outros documentos necessários ao presente trabalho. A propósito, é conveniente ressaltar o acesso facilitado que o pesquisador teve a todos os arquivos da SAR através da Gerência de Assuntos Fundiários (Geafu). Referidos arquivos armazenavam dados importantes referentes ao Fundo de Terras do Estado de Santa Catarina, Banco da Terra e PNCF, basicamente sobre processos de financiamento dos mutuários, estatísticas e relatórios diversos. Além disso, a Geafu permitiu o credenciamento on- line do pesquisador nos Sistemas de Informações Gerenciais (SIG) do PNCF, a saber: Sistema de Qualificação de Demanda (SQD) e Sistema de Avaliação da Contratação (SAC). Esses dois sistemas possuem informações gerais e atualizadas do programa de crédito fundiário em nível de Brasil, estados e municípios, além de outras específicas dos projetos e do perfil dos demandantes de Santa Catarina.

Finalmente cabe citar a participação do pesquisador, na condição de ouvinte, nas reuniões da Câmara Setorial Fundiária (Anexo E), órgão do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural do Estado de Santa Catarina (Cederural). Foram momentos importantes de observação e compreensão da política pública de crédito fundiário, enquanto muitas decisões eram tomadas e reivindicações eram expostas ao debate. A função e os objetivos dessa Câmara serão apresentados no Capítulo 5 deste trabalho.

1.3 Estrutura da dissertação

Esta dissertação é composta por seis capítulos, além das considerações finais e recomendações. No capítulo introdutório são apresentados a contextualização do tema, o problema de pesquisa e os procedimentos metodológicos. No segundo capítulo são colocadas as principais questões conceituais do tema pesquisado, com abordagens sobre a origem e a formação do atual cenário da questão agrária brasileira até as questões específicas encontradas

no estado de Santa Catarina, que deságuam no problema pesquisado. A luta pelo acesso à terra é a marca impressa de uma continuidade histórica que produziu rupturas e emergências no cenário político brasileiro. Nesse cenário está colocado o Estado e suas políticas públicas como forma de amenizar os conflitos e atender parte da demanda imposta pela luta por terra.

No terceiro capítulo cuida-se de apresentar o município estudado e os respectivos contextos histórico, geográfico e socioeconômico. Tais contextos merecem destaque na medida em que respondem algumas perguntas em relação ao perfil do público pesquisado, suas escolhas e costumes. Nesse mesmo sentido, e baseado nas entrevistas realizadas, são apresentadas as características do público pesquisado, sua trajetória de vida, condições econômicas e sociabilidade local. Essa caracterização é um dos objetivos deste estudo investigativo, fornecendo informações para o adequado atendimento da demanda por terra via políticas públicas.

O quarto capítulo traz a discussão da principal pergunta feita no presente trabalho relativamente aos motivos que levam o público a não se mobilizar na luta pela terra. Sua visão, escolhas e opiniões são apresentadas e analisadas, buscando confirmar ou não as hipóteses formuladas nesta pesquisa.

No quinto capítulo são apresentadas as políticas públicas de crédito fundiário e realizada uma análise sobre suas aplicações no município estudado e no estado de Santa Catarina. Algumas comparações são feitas entre as diversas políticas implementadas e também sobre outros estudos realizados na região Sul do Brasil. O conhecimento dessas políticas auxilia a percepção de alguns dos seus aspectos positivos e das ações que precisam ser aperfeiçoadas para o cumprimento dos objetivos de combate à pobreza rural e fortalecimento da agricultura familiar.

No sexto e último capítulo apresentam-se a visão do público a respeito do crédito fundiário, a escolha, o processo de inscrição, a negociação da terra e os apoios recebidos. No final do capítulo é colocada a perspectiva do público em relação às políticas de acesso à terra e suas condições de vida. Nesse momento é destacada a visão do grupo dos Sem Sem, que constitui um segmento especial dentro do público estudado neste trabalho.

A título de conclusão do trabalho são apresentadas algumas considerações, assim como recomendações e novas questões que surgem no contexto do acesso à terra por meio de políticas públicas.

2 A QUESTÃO AGRÁRIA

A questão agrária pode ser entendida como a interação do conjunto de problemas relacionados, principalmente, à propriedade da terra, à luta pela terra, aos conflitos agrários, à produção agropecuária e extrativista, às políticas públicas voltadas para o campo, aos modelos de desenvolvimento e seus padrões tecnológicos, à dinâmica populacional e à relação rural-urbana. Como destacam Sampaio e Garcia Filho (2004), essa questão envolve as relações econômicas, sociais, culturais e políticas no meio rural.

Além dos problemas colocados, outras questões aparecem associadas ao tema a partir da década de 90, como as ambientais, de gênero, de geração e de segurança alimentar. Essa gama de problemas que se relacionam anuncia a complexidade do tema e a dificuldade de sua solução. Nesse sentido, o presente capítulo visa contextualizar a presente pesquisa dentro dessa trama de relações.

2.1 Origem e gênese

Para bem compreender a questão agrária brasileira faz-se necessário rever sua formação histórica cujo processo tem início na colonização portuguesa10. Com efeito, ao adotar um modelo baseado na concentração da propriedade fundiária e na exportação de alguns produtos tropicais, de certa forma, essa colonização influenciou o modo de apropriação da terra no país (MEDEIROS, 2003).

Durante a colonização portuguesa foi instituído o regime de capitanias hereditárias e o sistema de sesmarias sob os quais foram concedidas grandes extensões de terras a alguns poucos privilegiados. Esse regime de concessão e uso da terra, primeira expressão do latifúndio11 no Brasil, gerou um dos primeiros problemas agrários no país: a luta pela terra e contra o cativeiro. Primeiramente foram os povos indígenas que lutaram por seus territórios e contra a escravidão e, posteriormente, os escravos negros que constituíram os quilombos, local de

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Os dados e a cronologia dos fatos aqui apresentados foram baseados principalmente em Fernandes (1999), Gomes da Silva (1994), Guimarães (1977), Martins (1983, 2000), Medeiros (1989, 2003), Paulilo (1998) e Veiga (1986).

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Segundo o dicionário Aurélio (1999), latifúndio é a “grande propriedade rural, especialmente a que tem grande proporção de terras não cultivadas e é explorada com técnicas de baixa produtividade”.

resistência e luta pela liberdade. Essas etnias, discriminadas e oprimidas durante séculos, lutaram e ainda lutam por seus direitos e pelo reconhecimento de suas terras.

A sociedade brasileira perdeu as poucas oportunidades históricas que teve para solucionar a questão agrária (MARTINS, 2000). Assim, em meados do século XIX, com a pressão internacional pela libertação dos escravos, iniciou-se a discussão sobre a apropriação e uso da terra no Brasil, que culminou com a edição da Lei de Terras do Império (Lei 601, de 1850). Nessa lei, cuja essência ainda continua em vigor, o acesso à propriedade da terra só era possível por meio da compra, extinguindo o regime de posses12 e beneficiando os donos do capital.

Como afirma Martins (2003a), com o advento dessa lei estabeleceu-se o “cativeiro da terra”. Por um lado reforçou os latifúndios e por outro ampliou uma grande massa de trabalhadores livres e ao mesmo tempo excluídos do acesso à terra (escravos livres, mestiços, trabalhadores e imigrantes descapitalizados). Permaneceu, assim, a separação entre os trabalhadores e os meios de produção, favorecendo a consolidação da grande propriedade rural voltada, principalmente, para a exportação.

No século XIX aconteceram três episódios dos mais significativos na história do país: A Declaração da Independência, a Libertação dos Escravos com a Lei Áurea e a Proclamação da República. Esses fatos provocaram importantes mudanças sociais e políticas, mas não foram capazes de reverter as desigualdades sociais iniciadas no Brasil Colônia.

Durante a Primeira República ou República Velha (1889-1930), as oligarquias agrárias, compostas por grandes proprietários de terra, detinham o poder político- ideológico e econômico. Esse domínio não permitiu grandes alterações na estrutura fundiária, pois precisava de mão-de-obra livre para o trabalho na lavoura, o que resultou na larga entrada no país de imigrantes europeus e japoneses para esta finalidade.

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As pequenas posses eram admitidas às margens das grandes propriedades como fonte de mão - de- obra e de produção de alimentos para o mercado interno, desde a época colonial. Segundo afirma Buainain e Pires (2003, p. 3): “À medida que se expandia a monocultura de cana, a pequena exploração movia-se em busca de novas terras dentro dos vastos domínios da grande fazenda. Consolidou-se, portanto, ainda no período colonial, não apenas a concentração fundiária mas também a relação latifúndio minifúndio que marcaria tanto a estrutura fundiária como a dinâmica agrária brasileira”. Minifúndio é a propriedade ou posse de terra com dimensões insuficientes para a rentabilidade ou para o auto-sustento do conjunto familiar.

Ao contrário, o final desse século e o início do novo século foram marcados pelos mais violentos confrontos por terra na história do país. Consistiram nas lutas de caráter messiânico13, como as guerras de Canudos (1896-1897), na Bahia, e a do Contestado (1912-1916), na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina. Ambos os conflitos eram formados por trabalhadores rurais e pequenos posseiros, os quais foram brutalmente massacrados pelas forças do Exército Nacional, polícias dos estados e civis arregimentados para esse fim.

Como afirma Marés (2003, p. 104):

Os dois movimentos se parecem muito e são os maiores de um conjunto de outros que representam a reação contra a ofensiva da nascente república de desocupar terras de camponeses para integrá-las no sistema jurídico proprietário em nome da elite política e econômica.

A Revolução de 1930 derrubou do governo as oligarquias agrárias e promoveu avanços na legislação trabalhista urbana. Nesse período o movimento “tenentista”, iniciado em 1922 e constituído por jovens oficiais do exército, trouxe ao debate a reforma agrária14, cujas propostas foram derrotadas na Constituinte de

1934; uma clara demonstração da força política dos grandes proprietários. Apesar da emergência de um Estado forte, preocupado em regulamentar as relações de trabalho e incentivar o desenvolvimento das indústrias, a estrutura agrária baseada no latifúndio não foi alterada. Ao contrário, as relações de trabalhos rurais foram mantidas “no âmbito da tradição e os trabalhadores rurais como uma espécie de categoria residual da sociedade brasileira” (MARTINS, 2003c, p. 169).

Até meados do século XX, os debates sobre a questão agrária se restringiram a limitados círculos intelectuais e políticos. As iniciativas para solução dos problemas