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No estado de Santa Catarina, o MST é o principal movimento de organização dos trabalhadores rurais sem terra. Em razão disso, as perguntas formuladas aos

entrevistados foram direcionadas de modo a obter informações relacionadas com referido movimento. Com efeito, algumas dessas perguntas estão listadas no roteiro de entrevistas (Anexo A) e consistiram em avaliar a proximidade ou não de cada entrevistado com o MST, assim como extrair opiniões sobre as ações deste movimento.

Stedile e Fernandes (2005) fornecem uma descrição detalhada da trajetória do MST e os seus princípios organizativos. Segundo esses autores, os princípios norteadores do movimento podem ser resumidos nos seguintes aspectos: direção coletiva; divisão de tarefas; disciplina interna; educação permanente; formação permanente de quadros; pressão popular e vinculação com as bases.

A pressão popular é o que dá maior visibilidade e projeção externa ao movimento, gera os avanços e também as reações contrárias. Nesse princípio estão as manifestações mais moderadas, como as marchas, romarias e grandes encontros e também aquelas manifestações mais radicais, como as ocupações de terra, bloqueio de estradas e ocupação de prédios públicos (STEDILE e FERNANDES, 2005).

A Tabela 30, a seguir, dá uma idéia do nível de conhecimento do público pesquisado a respeito do MST.

Tabela 30 – Nível de conhecimento do público pesquisado acerca do MST, Caçador

(SC), 2005.

Opinião dos entrevistados Nº de entrevistados %

Não conhecem o MST 5 22,7

Ouviram falar a respeito do MST 5 22,7

Conhecem o MST 11 50,0

Aderem ao MST 1 4,6

Total 22 100

Fonte: Dados da pesquisa de campo, maio/jun. 2005

A respeito das ações do MST, as repostas dos entrevistados estão sistematizadas na Tabela 31, a seguir.

Tabela 31 – Opinião dos entrevistados acerca das ações do MST, Caçador (SC),

2005.

Opinião dos entrevistados Nº de entrevistados %

Não conhecem as ações do MST 10 45,5

Concordam em parte 3 13.6

Não concordam 3 13,6

Concordam 1 4,6

Não responderam 5 22,7

Total 22 100

Fonte: Dados da pesquisa de campo, maio/jun. 2005.

Dos 22 entrevistados, 5 (22,7%) declararam não conhecer o MST, pelo menos através desta sigla que identifica o movimento em nível nacional66. Fato interessante foi que, desses entrevistados, 3 eram do grupo dos Sem Sem, os quais declararam nunca ter tido contato, nem ouviram falar do movimento, apesar da insistência do pesquisador em inquirir a respeito do assunto. Essa opinião representa 50% da expressão desse grupo de entrevistados (Sem Sem). Ressalta- se que 2 dessas famílias não tinham televisão e a outra estava entre os entrevistados mais distantes do centro urbano de Caçador (35 km). Uma delas não tinha veículo de transporte. Esses fatos podem explicar, em parte, a falta de informação dessas famílias a respeito do MST. Quando se perguntou a respeito dos acampamentos localizados às margens das estradas e das ocupações de terra realizadas pelos Sem Terra, mencionaram apenas ter escutado sobre o assunto e que não haviam tido contato pessoal.

Outros 5 entrevistados (22,7%) disseram ter ouvido falar do MST, mas não conhecem suas ações e objetivos. A maioria deles assistiu algum noticiário pela televisão, mas não soube precisar qual a função do referido movimento. Desses, 2 eram do Fundo de Terras, 2 do Banco da Terra e 1 do Crédito Fundiário. Do somatório desses entrevistados com o grupo anterior obtém-se 45,5% do público pesquisado, o qual possui pouca ou nenhuma informação a respeito do MST.

Apenas um entrevistado do grupo dos Sem Sem se manifestou totalmente favorável às ações do MST. No momento da pesquisa, esse entrevistado estava aguardando um chamado do MST para a ocupação de uma área de terra e formação de um acampamento no município. É importante relatar o “caráter sigiloso

66 O não conhecimento da sigla “MST” representou uma surpresa para o pesquisador, no entanto,

quando foram mencionados os acampamentos e as ocupações de terra, todos os entrevistados demonstraram possuir alguma informação.

desse momento” que antecede a partida para a ocupação da área escolhida67. Fato observado por Moraes Silva (2004, p. 79), no qual “nem todas as informações são veiculadas pelos líderes e coordenadores”. Esse fato pode ser observado no relato do entrevistado citado, quando indagado se já existia alguma área em vista:

Isso aí diz que tem [a terra a ser ocupada], só que eles não declaram

qual é. É que não pode mesmo. Esses fundiários [latifundiários] são

contra, né?

[Se vazar a informação frustra a ocupação?]

É e dá cadeia, então a gente não gosta de comentar. O senhor pode até saber, mas não pode comentar muito, porque isso é uma coisa muito grave.

E20 – Trabalhador rural, Sem Sem, 53 anos. Nesse relato observa-se a consciência do entrevistado em relação ao enfrentamento com o Poder Público e à gravidade da situação, que traz riscos de prisão. A tentativa de ocupação foi deflagrada durante o período da pesquisa de campo e frustrada por uma ação da polícia rodoviária. Esse entrevistado foi o único trabalhador eventual e, além disso, morava em área semi-urbanizada, no caso, o distrito de Taquara Verde. O perfil desse entrevistado está de acordo com as descrições feitas no Capítulo 2 a respeito de um segmento do público que se dirige aos acampamentos e ocupações de terra, ou seja, são trabalhadores rurais assalariados de caráter eventual ou sazonal que moram nas periferias das cidades ou em áreas urbanizadas. Um fato a destacar a respeito desse entrevistado é que declarou estar há cerca de 20 anos lutando para conseguir sua terra própria, sem êxito. É como relata:

Eu sempre quis ter uma terra própria, sempre tive um sonho, mas nunca deu certo, nunca tive apoio, ninguém que me ajudasse, uma finança da parte de outro.

E20 – Trabalhador rural, Sem Sem, 53 anos. Movido pela grande vontade de adquirir a própria terra, o referido entrevistado inscreveu-se no STR de Caçador para pegar o crédito fundiário (Banco da Terra) e também foi recrutado nas fileiras do MST para obtê-la por meio da reforma agrária tradicional. Ele usou a seguinte expressão quando se referiu a sua dupla demanda quanto aos programas de acesso à terra: “o primeiro que sair eu pego”. Nota-se, no

67

Esse entrevistado foi indicado pelo seu genro, candidato ao PNCF, facilitando dessa forma a confiança no pesquisador.

caso, a obstinação desse trabalhador, com 53 anos de idade, para realizar o seu sonho.

O restante do público entrevistado, em número de 11 pessoas (50,0%), conhece o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra pelo seu nome popular (MST) e a sua luta para organizar as famílias despossuídas em acampamentos e ocupações de terra, além das ações nos assentamentos conquistados. Desse segmento, 5 entrevistados não se posicionaram em relação às ações do MST. Outros 3 entrevistados declararam que não concordam com essas ações devido à prática de violência e ao seu caráter ilegal. Os 3 entrevistados restantes concordam em parte, mas discordam daquelas ações mais violentas, como pode ser percebido na fala do entrevistado, a seguir:

Eu acho que aquilo ali está certo [as manifestações do MST], estão

pensando certo. Esses assentados também estão certos, porque quando eles vão ao banco, vão todos juntos. Faz a pressão e sai logo. Vai no individual eles te matam.

[A pressão funciona?]

É, agora no quebra-quebra não adianta. [...] Se fosse lá pra ver se

uma terra era improdutiva, tudo bem. Agora para enfrentar polícia, essas coisas, não adianta.

E25 – Agricultor, Banco da Terra, 50 anos. Não se questionou as declarações dos entrevistados quanto à origem dos atos de violência, ou seja, se estes partiam do próprio MST ou se eram uma reação de repressão do poder constituído às manifestações do movimento. Porém, no imaginário dos entrevistados percebe-se que existe uma tendência a imputar tais atos às ações do MST.

Ainda, com relação às declarações condicionadas à aprovação/reprovação, foram usadas as expressões: “são lutadores, mas tem gente infiltrada” e “tem coisa que tem fundamento, outras não”. Nota-se que, apesar de certo reconhecimento a respeito das motivações do MST, existe também uma visão conservadora por trás da fala dos entrevistados. Nesse sentido, um dos entrevistados coloca sua opinião da seguinte forma:

Eu penso que eles até têm razão assim de querer ter [uma terra], de

lutar pra conseguir, porque se ficar quieto não consegue, mas eu sou contra invasão, que nem eles invadem as fazendas, matam o gado, as vezes, dos fazendeiros, trancam estradas, eu sou totalmente contra isso daí. Eu acho que eles teriam que ter um outro sistema

não é bem assim não. Na minha opinião, eu acho que não seria assim.

E03 – Proprietário, Banco da Terra, 32 anos.

Em relação à sujeição às normas do MST, uma das lideranças faz a seguinte distinção:

Veja bem, filhos de agricultores que estão na terra, que têm vocação agrícola, eles não se sujeitam a seguir as normas do Movimento Sem Terra, ficar em baixo de barraca, fazer aqueles protestos, ficar o tempo todo aguardando, não se sujeitam a isso.

E28 – Liderança, SICOOB.

Nota-se a referência ao perfil do público que não se sujeita à organização do MST, isto é, os filhos de agricultores e os que têm vocação agrícola. Esse assunto voltará a ser discutido na próxima seção.

Vale destacar que a presente pesquisa não visa discutir as ações do MST e sua importância no cenário local ou nacional. No entanto, foi necessário buscar os motivos que estão ocultos no processo de escolha do público estudado, em relação à decisão de mobilização ou não na luta pela terra. É preciso declarar, ainda, que não há uma falsa imparcialidade neste trabalho, mas a crença nos reais objetivos do MST e a importância da luta pela terra no contexto brasileiro. Nesse sentido, registram-se alguns trechos da entrevista com uma liderança estadual do MST, residente no município de Caçador, para servir de contraponto relativamente às opiniões anteriores e àquelas que aparecerão ao longo do texto.

A nossa luta, o papel do movimento social, MST, é denunciar e contestar a grande concentração de terra na mão de poucos e a necessidade da grande maioria da população brasileira que não tem

terra [...] isso não se dá só na roça [...] a especulação e a

concentração da terra se dá também no meio urbano [...] e nosso

papel é continuar a fazer esse debate com a sociedade, denunciando que nós não concordamos com isso. É meramente inacreditável, inaceitável de você num país tão grande, tão bonito, com tantos recursos naturais, com tanta beleza, com tanto potencial e nós do outro lado ver uma realidade onde mais de 63 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza, onde morre crianças de fome, onde pessoas moram debaixo de ponte, onde as favelas crescem cada vez mais. Então o nosso papel enquanto movimento social, não é só organizar o povo, pra ocupar terra, produzir, resolver o problema

de 6 milhões de brasileiros [...] que são os trabalhadores rurais sem

terra, é ir além, é lutar não só pela terra, é pela reforma agrária, que daria as condições para você se viabilizar na terra. Criar as

condições para que você tenha dignidade, pra que nossos filhos amanhã não tenham que vir para a cidade se prostituir, roubar, se envolver no mundo do crime, da droga, por um prato de comida, se expondo a esses riscos que a sociedade está oferecendo. Como terceiro objetivo nosso é dar continuidade e chamar a sociedade para uma luta da transformação social, quer dizer, uma outra sociedade é possível, uma outra sociedade nós queremos, né? Eu acho que esse não é só um compromisso do Movimento Sem Terra, mas da sociedade civil como um todo. É inacreditável, é impossível que nós com tanta riqueza, com tanta beleza, com tanta sabedoria que o povo brasileiro tem, continuemos desta forma anestesiada e não entenda que nós pobres, que somos a maioria, podemos mudar essa situação, podemos mudar essa realidade e que um dia essa grande minoria, que gira em torno de 5, 6, 8%, continue a ter mais de 500 anos nos escravizando e nos massacrando. Então eu acho que o nosso papel é esse, continuar denunciando as injustiças. E fazendo com que a sociedade acredite que é possível uma nova sociedade.

[...] se nós formos ver, são 505 anos que o capitalismo emplacou no

Brasil e não precisa recuperar aqui nessa entrevista a história, porque nós sabemos. A própria elite brasileira se autoprotegeu na instituição por leis e nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é justo é legal. Então o que nos cabe é muitas vezes a subversão, a

subversão não é um crime, a subversão é uma necessidade [...] onde

está o compromisso do Estado brasileiro, da constituição, que

garante ao povo brasileiro as mínimas condições dignas de vida [...]

nós precisamos começar a criar algumas formas de garantir a justiça

social mesmo que pra eles seja ilegal [...] a necessidade é tanta e a

situação tão crítica e emergente que nós podemos entrar em uma área de terra com o povo, organizar e começar a plantar, para produzir comida e matar a fome do povo, isso é crime? Isso é ilegal? E daí vamos ter que começar a travar um debate com a sociedade, com quem quer que seja, com as instituições, pra ver que tipo de crime, quais são os maiores crimes no Brasil. É mais crime uma lei que obriga milhões a passarem fome ou transgredir uma lei que te impeça de dar fartura, comida pelo menos, para uma parcela da sociedade. Quer dizer, eu acho que a lei não é eterna, nós podemos mudar a lei a partir da conscientização do povo.

E01 – Liderança, MST.

As possíveis discussões e polêmicas acerca desse registro, as diversas faces da luta pela terra no Brasil, a origem dos movimentos sociais, a violência contra o trabalhador rural e outros temas levantados pelo entrevistado, que de alguma forma permeiam este trabalho, estão fundamentados em textos e obras de diversos autores, entre os quais se destacam: Bruno (2003); Caldart (2000); Fernandes (1999, 2001a e 2001b); Martins (2000, 2003b e 2003c); Medeiros (1989 e 2001); Paulilo (1998); Sauer (2003); Souza e Trigueiro (1986); Tavares dos Santos (1998).

Ressalte-se ainda que, além do entrevistado que aderiu às estratégias do MST, outros 4 entrevistados, considerado o público pesquisado (18,2%), foram chamados para participar do recente processo de ocupação e formação de acampamento em Caçador. Desses 4 entrevistados, que não se dispuseram a acompanhar o MST, 2 eram do grupo dos Sem Sem e 2 do grupo do Crédito Fundiário.