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A opinião dos entrevistados a respeito dos acampamentos e ocupações de terra revela a disposição ou não dos mesmos para aderir a essas estratégias. Nesta seção, as respostas dos entrevistados foram elaboradas basicamente em função de duas perguntas a eles dirigidas, a saber: a) o que pensam dos acampamentos e ocupações de terra e; b) a disposição para participar dessas mobilizações, não havendo outro mecanismo de acesso à terra.

Quando perguntados sobre o MST, 5 entrevistados disseram não conhecê-lo e outros 5 não quiseram opinar. No entanto, quando foi solicitada a opinião a respeito dos acampamentos e ocupações de terra, todos os 22 entrevistados opinaram e mencionaram ter ouvido falar dessas estratégias. Aqueles que não quiseram opinar anteriormente, provavelmente sentiram-se mais à vontade para falar, sem o constrangimento de emitir julgamento de valor sobre o MST.

Com efeito, os entrevistados tiveram liberdade para elaborar suas respostas de forma espontânea e apresentar quantas opiniões desejassem, conforme mencionado na metodologia desta pesquisa. Desse modo, o número total de opiniões foi bem maior do que o número de entrevistados. As perguntas foram dirigidas a todo o público pesquisado, mesmo aqueles que possuem sua propriedade há mais tempo, como é o caso do grupo do Fundo de Terras. Essa decisão levou em consideração a existência de filhos e filhas desses agricultores com possibilidades de demandar por terra. Portanto, foi importante conhecer a opinião dos seus pais, uma vez que não haveria tempo suficiente para entrevista com os respectivos filhos.

Em relação à primeira pergunta, as respostas encontram-se sistematizadas na Tabela 32, a seguir.

Tabela 32 – Opinião dos entrevistados a respeito dos acampamentos e ocupações

de terra, Caçador (SC), 2005.

Opinião dos entrevistados acerca

dos acampamentos e ocupações Nº de entrevistados %

Conhecem pouco 6 27,3

Concordam, mas não aderem 5 22,7

Concordam e aderem 1 4,5

São contrários 15 68,2

Visão negativa dos acampados 5 22,7

Fonte: Dados da pesquisa de campo, maio/jun. 2005

Entre os 22 entrevistados pesquisados, 6 deles (27,3%) disseram que praticamente não conheciam esse tipo de manifestação, mas ouviram falar a respeito ou viram algum noticiário pela televisão. Assim como no item anterior, 3 desses entrevistados eram do grupo dos Sem Sem, ou melhor, eram os mesmos que disseram não conhecer o MST. É interessante que essas pessoas, apesar de desejarem um pedaço de terra próprio, sendo 2 deles sócios do STR, desconheçam o MST e sua luta pela terra. Uma das perguntas que ocorreu ao pesquisador ao se deparar com essa situação foi propriamente identificar quantas famílias demandantes de terra vivem de forma semelhante, isto é, totalmente alheias à mobilização na luta pela terra.

A propósito, 5 entrevistados (22,7%) se declararam favoráveis aos acampamentos e ocupações de terra, embora tenham colocado algumas restrições em relação aos atos violentos. As expressões mais usadas entre esses declarantes foram as seguintes: “é um tipo de manifestação válida”; “manifestações pacíficas são válidas”; “tem terrenos que invadem com razão”; e “é um direito de plantar para comer”. Embora, de alguma forma favoráveis a essas manifestações, eles não se dispõem a participar de ocupações de terra. Entre os 22 entrevistados, somente 1 concorda com as estratégias de luta do MST e está disposto a aderi-la.

As opiniões contrárias aos acampamentos e ocupações de terra foram feitas por 15 entrevistados (68,2%) dentre o público pesquisado. As expressões mais comuns nesse segmento de entrevistados foram as seguintes: “eu acho errado”; “com a porteira fechada não se deve entrar”; “não é uma terra justa”; “não é sua”; “tem que respeitar”; “é ilegal”; “prefiro pagar a renda da terra”; “nunca eu iria”; e “sou totalmente contra”. Esses 15 entrevistados emitiram um total de 21 opiniões

contrárias a esse tipo de mobilização. A fala do entrevistado, a seguir, ilustra referidas opiniões:

Isso daí eu acho errado também. Não sou a favor de invadir terra não. Sabe lá, às vezes, tem terreno que está desocupado, mas é do homem e se tem dono tem que respeitar também.

E08 – Filho de Agricultor, Crédito Fundiário, 33 anos.

Outro entrevistado, ao ser questionado sobre a possibilidade de ir para os acampamentos, respondeu da seguinte forma:

Não, nunca, nunca. Eu mesmo não gostava, porque eles mandam você invadir, praticamente invasão. Se fosse liberado aí eu concordo, mas assim invadir e tentar pressionar, isso não é comigo, assim não vou. Eles queriam que eu fosse.

E11 – Proprietário, Banco da Terra, 43 anos.

Além dessas opiniões contrárias aos acampamentos e ocupações de terra, alguns entrevistados se referiram ao perfil dos acampados de forma depreciativa. Nesse sentido, foram 5 entrevistados (22,7%) do público pesquisado, os quais emitiram 7 opiniões usando as seguintes expressões: “muita gente de fora”; “muitos vão só para bagunçar”; “um meio de viver sem trabalhar”. A declaração a seguir ilustra uma dessas falas:

Esses que acampam, acho que eles estão procurando um meio de viver sem trabalhar. Porque daí eles se acampam, o governo vai lá,

coloca eles lá no lugar [no assentamento] e dá tudo [os créditos]. Dá

o que eles comer, dá de tudo e dali a pouco eles partem pra outro lugar.

E06 – Parceiro, Crédito Fundiário, 52 anos.

Outro entrevistado complementa:

O problema ali [nos acampamentos] é que tem muita gente que, sei

lá, vão só pra bagunçar.

E25 – Proprietário, Banco da Terra, 50 anos.

Essa visão estereotipada a respeito dos movimentos sociais e suas manifestações, no caso, os acampamentos de Sem Terra, é contestada por Moraes Silva (2004, p. 79), que afirma: “Ao contrário do que possa parecer aos olhos dos transeuntes e observadores externos, o acampamento não é um lugar de

baderneiros e invasores, e sim um espaço social”. Existe toda uma organização social com normas e regras a serem cumpridas, que marcam esse espaço-tempo dos acampamentos.

Como se pode observar na presente pesquisa, essa visão distorcida das mobilizações na luta pela terra não está presente somente nas elites agrárias e na população urbana, mas também em alguns dos próprios agricultores familiares e demandantes de terra.

Da mesma forma, a maioria dos técnicos (83,3%), quando perguntada sobre o que pensava a respeito dos acampamentos e ocupações de terra, referiu-se aos acampados como aqueles menos capacitados para o trabalho na terra. As expressões mais utilizadas para qualificar essa categoria foram as seguintes: “agricultor é difícil invadir terra”; “são gente de fora do município”; “grande parte é desqualificada”, “só tem a roupa do corpo”. Essas opiniões foram emitidas por 5 técnicos, dentre os 6 entrevistados, e podem ser observadas na seguinte declaração:

[...] os nossos agricultores [do município de Caçador] jamais fariam

uma invasão de terra. Quem está na invasão de terra são aquelas

pessoas que realmente são os periféricos [da periferia da cidade],

que já voltaram para a cidade e moram na periferia da cidade, realmente aqueles no final de linha, vamos chamar assim. As outras

pessoas [agricultores] não iriam invadir terra, poderiam até se

beneficiar depois da invasão feita. Depois os caras vão lá e compram os títulos e estão aí nos assentamentos. Mas para invadir terra é muito difícil.

E29 – Técnico, Epagri.

Na avaliação dos técnicos entrevistados esse público é o menos favorecido entre os pobres e não está capacitado para a gestão dos lotes de terra cedidos gratuitamente pelo governo. A percepção de que os acampados são oriundos da periferia das cidades sugere um consenso em todos os grupos de entrevistados, seja do público pesquisado, seja dos técnicos ou das lideranças. A declaração a seguir confirma essa condição:

[...] quando eu estava no Incra, eu já dizia que o nosso público era

formado pelas pessoas mais excluídas. [...] geralmente, pessoas que

já tinham abandonado [a agricultura] ou eram bóias-frias, ou gente

que abandonou o campo e morava nas periferias, que você sabe perfeitamente que são arrebanhados pelo movimento sem terra.

Uma das lideranças entrevistadas, representante da Fetaesc, também declara:

É uma coisa difícil até da gente comentar, porque para você fazer uma ocupação você tem que arrebanhar público, você tem que somar. E nesse somar, muitas vezes, pega pessoas que não têm o mínimo de conhecimento da agricultura. E eu vejo muitos assentamentos, conheço 2 ou 3 bem de perto, que são assentamentos que foram feitos com famílias tradicionais até da própria região, ali da comunidade, do município e municípios vizinhos e eles têm um desenvolvimento muito bom. A gente vê outros assentamentos que foram feitos com pessoas assim que estavam acampadas há muito tempo, porque eu não sei se é o caso de uma inversão até disso aí, que muitas vezes as pessoas que estão acampadas por muito tempo eles perdem o vínculo com a agricultura. Eles não estão praticando a agricultura e aí por isso que eu falei que talvez esse público é distinto, não tem a capacidade de se auto-administrar, administrar a sua propriedade individualmente. No conjunto, por lideranças talvez ele se desenvolve até muito bem. Então isso é a dificuldade que eu vejo, muitos não têm o mínimo de condições de desenvolver a agricultura, o mínimo de conhecimento, porque eles são buscados até nas periferias para somar número. Isso a gente tem experiência também. É pena que isso acaba estragando o próprio movimento, que no sentido de somar número para impressionar, muitas vezes acaba prejudicando aquelas pessoas que realmente querem desenvolver a atividade agrícola. A qualidade do trabalho.

E38 – Liderança, Fetaesc.

Essa tendência em valorizar as pessoas do próprio município ou região, apareceu na fala de agricultores, técnicos e lideranças. Aquelas famílias vindas de “fora”, geralmente não são qualificadas para o trabalho nos assentamentos, na opinião desses entrevistados. O mesmo ocorre com aquelas pessoas mais pobres, oriundas das periferias das cidades.

Nesse sentido, Bruno e Medeiros (1998, p. 50) afirmam que suas pesquisas contribuíram para “derrubar um dos mitos mais comuns no debate sobre assentamentos rurais, o de que o acesso à terra deve ser oferecido apenas aos demandantes com sólidos laços com a vida rural”. Essas pesquisadoras, baseadas em alguns dados de assentamentos dos estados de Goiás e Rio de Janeiro, demonstraram que “a trajetória urbana anterior dos assentados não implica em alto índice de evasão [sic]”. Mesmo assim, ressalvam que os seus entrevistados relataram dificuldades de adaptação de alguns segmentos, como por exemplo, os favelados.

Outra questão formulada ao público pesquisado tratou sobre a disposição para participar das mobilizações caso não houvesse outra possibilidade de acesso à terra. Alguns entrevistados, de certa forma, já responderam a essa indagação ao declararem suas opiniões a respeito dos acampamentos e ocupações de terra. As perguntas foram dirigidas a todos os grupos, mesmo aqueles que já tinham sido beneficiados com o crédito fundiário e, portanto, estavam na posse da terra, que é o caso dos grupos denominados Fundo de Terras e Banco da Terra. As opiniões serão destacadas por cada grupo pesquisado, para efeito de comparações, podendo ser visualizadas na Tabela 33, a seguir:

Tabela 33 – Opinião do público pesquisado a respeito da disposição para se

mobilizar na luta pela terra, por grupo de entrevistados, Caçador (SC), 2005.

Situação em relação à disposição

para a mobilização FT BT CF SS Total %

Acampam e ocupam − − − 1 1 4,5

Acampam, mas não ocupam 2 − 1 2 5 22,8

Não acampam e não ocupam 2 5 5 3 15 68,2

Não responderam 1 − − − 1 4,5

Total 5 5 6 5 22 100

Fonte: Dados da pesquisa de campo, maio/jun. 2005

Legenda: FT = Fundo de Terras; BT = Banco da Terra; CF = Crédito Fundiário; SS = Sem Sem

Importante observar que o grupo do Fundo de Terras (proprietários antigos) apresentou maior flexibilidade com relação à disposição para acampar do que o grupo do Banco da Terra (proprietários recentes) e o grupo do Crédito Fundiário (aquisição iminente da terra). Essa questão de acampar e não ocupar é uma possibilidade sugerida pelo pesquisador. Alguns se sujeitariam aos acampamentos, mas não se disporiam a enfrentar a ocupação da terra. Na prática, dificilmente essa situação ocorre, tendo em vista que as ocupações de terra é que geram os impasses necessários para a intervenção do Poder Público. Nas negociações desses conflitos para dirimir os impasses criados é que a luta pela conquista da terra avança na direção pretendida.

Desse modo, a maioria absoluta não iria para as mobilizações de luta pela terra, totalizando 91,0% dos entrevistados. Nesse sentido, é preciso concordar com a opinião da maioria dos técnicos (83,3%) e mais da metade das lideranças entrevistadas (57,1%). Esses entrevistados afirmaram que os agricultores demandantes de terra no município de Caçador não se disporiam a montar

acampamento que visasse à ocupação de terra. Além disso, o único relato de entrevistado disposto a essa mobilização foi o de um trabalhador eventual que vive em área urbanizada, coincidindo com os relatos de agricultores, técnicos e lideranças a respeito do perfil dos acampados. Pelo menos esta é a conclusão em relação ao público pesquisado. A extrapolação desses resultados para o município de Caçador pode ser feita com algumas ressalvas, já que a presente pesquisa não trabalhou com a representatividade ao optar pela amostra estratificada não proporcional. É o que se observa com relação à região Oeste de Santa Catarina e outras áreas da região Sul e Sudeste com predominância da agricultura familiar.