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A pesquisa em psicanálise: a pessoalidade implicada

Falar em pesquisa em psicanálise é quase um pleonasmo, já que o termo psicanálise já implica, por si só, o termo pesquisa. Dito de outra forma, quando praticamos psicanálise, estamos sempre

ALEXANDRE PATRICIO DE ALMEIDA

fazendo pesquisa; caso contrário, não estamos praticando psi- canálise. [...] De forma análoga, quando recolho as minhas experiências clínicas e as utilizo criativamente para elucidar ou problematizar questões teóricas, também estou fazendo pes- quisa, o que significa dizer que, através desse caminho chegarei a algum sentido novo, capaz de produzir alguma transformação no cabedal de conhecimentos acumulados até então. (NAFFAH NETO, 2006, pp. 279-280)

A psicanálise em nosso país representa grande parte da produ- ção científica da área de psicologia. “Das dez melhores revistas cientí- ficas em psicologia, segundo o órgão estatal de regulação, cinco são de psicanálise” (DUNKER, 2013, p. 20). A verdade é que o Brasil é um bom consumidor (e produtor) de obras e estudos psicanalíticos, com a ressalva de que isso está concentrado em pequenos nichos da popu- lação (classe média e alta).

Como psicanalista e pesquisador, um dos quesitos que sempre me intrigou foi esse aspecto de elitização da psicanálise. Ler obras que brotaram no interior da universidade é algo que me agrada e inte- ressa, mas é óbvio que o mesmo não ocorre com todo o restante de nossa população. Muito do que é produzido nos programas de mes- trado e doutorado de nossas universidades fica abandonado às estan- tes das bibliotecas, acumulando poeira e caindo no abismo vazio do esquecimento.

Partilho da opinião que a obra de um grande autor se mantém viva quando damos vida a ela – quando somos capazes de destrinchar uma teoria, ao implicar o nosso atravessamento real por ela. Trazer a psicanálise de forma prática, didática e, sobretudo, viva é uma das fichas que aposto neste trabalho. De teorias revisitadas (e infeliz- mente, enfadonhas) as nossas estantes estão cheias. Freud tinha a preocupação de ser claro. Talvez, por isso escrevesse tão bem e, deste modo, conseguiu ser capaz de estender as suas ideias aos mais diver- sificados campos sociais. Desde o indivíduo mais erudito, até o mais

UM EXEMPLO DE PESQUISA EM PSICANÁLISE APLICADA: CONTRIBUIÇÕES DE MELANIE KLEIN À EDUCAÇÃO ESCOLAR

popular, tinha acesso às obras de Freud no século passado. Prova disso foi o sucesso estrondoso de vendas de seu livro Psicopatologia da vida cotidiana (1901) – para citar uma, entre tantas outras.

Não precisa ser especialista em literatura para saber que as obras de Melanie Klein não estão entre os best-sellers de vendas em nosso país. Aliás, muito pelo contrário, esses livros estão esgotados e não foram relançados pela editora responsável pelos direitos autorais há mais de dez anos. Poder trazer essa teoria, ao oferecer esse atraves- samento de paradigmas (educação e psicanálise) é o que almejo por meio desta pesquisa, como um modo de sobrevivência e ressignifica- ção da obra de uma autora tão criativa e fértil para o solo psicanalítico. A questão central deste trabalho é: como as formulações teóricas psicanalíticas de Melanie Klein podem contribuir com a educação escolar, a fim de possibilitar uma ação educativa mais eficaz e transformadora?

O método da pesquisa deve estar relacionado à perspectiva epis- temológica e teórica que lhe dá sustentação, sendo assim, pontuo como parte deste item os seguintes aspectos:

a) Afigurou-se importante para este estudo relatar, inicialmente, algumas informações sobre a vida pessoal de Melanie Klein. Após essa parte introdutória, inicio a descrição de certos concei- tos da autora, que com base em um levantamento prévio, foram considerados os mais pertinentes ao tema desta pesquisa;

b) Por se tratar de uma pesquisa que perpassa pelo tema da edu- cação escolar, proponho algumas discussões sobre este assunto, perante a atmosfera presente em nossa contemporaneidade – aqui me valho de teóricos específicos da área;

c) Apresento a articulação das ideias de Melanie Klein com as situações escolares cotidianas obtidas através de minha expe- riência profissional. Esses relatos serão descritos no modo de recortes e fragmentos;

d) E, por fim, farei a demonstração, a partir dessa articulação, da utilidade dos conceitos kleinianos (aqui trabalhados) à com- preensão das circunstâncias escolares expostas, descrevendo

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possibilidades de como eles podem ajudar a esclarecê-las ao sugerir situações criativas para refletirmos tais impasses que insurgem da prática educacional.

Nossa fundamentação teórica se respalda no pensamento de Melanie Klein e de psicanalistas kleinianos, como Hanna Segal e Roger Ernle Money-Kyrle. Para as questões que abrangem o campo pedagógico utilizei pesquisadores da área da educação escolar como Lino de Macedo e Philippe Meirieu. E, por último, para articular as ideias psicanalíticas kleinianas, fiz uso de autores contemporâ- neos que trazem uma leitura fecunda e coerente de sua obra, como Thomas Ogden e Robert Caper.

Além de todos os referenciais teóricos que procurei selecio- nar, aplico, nesta pesquisa, conforme já descrito no método, a minha própria experiência profissional, que se iniciou na área da educação escolar como professor de educação infantil, assim que me formei na faculdade de pedagogia, aos vinte anos de idade. Durante a minha graduação conheci a psicanálise através de uma disciplina relacio- nada à psicologia educacional e, desde então, passei a me dedicar ao seu estudo teórico, assim como a realização de minha própria análise pessoal.

Através do atendimento clínico infantil, percebi que as crianças chegavam ao consultório pelo motivo de possuírem diversas dificul- dades na escola, sendo, na maior parte das vezes, encaminhadas pela própria instituição de ensino. Além disso, muitas das queixas dos pais tangiam à minha prática exercida, também, como professor. Ao longo desse trajeto de formação, aprendizagem e exercício profissio- nal, pude me dar conta de quanto à psicanálise poderia beneficiar e enriquecer a minha atuação como educador. Notei que as ideias de Freud promoviam interfaces com outras áreas do conhecimento – e a educação, com certeza, era uma delas.

Como psicanalista, devo interessar-me mais por processos afe- tivos do que por aqueles intelectuais, mais pela vida psíquica

UM EXEMPLO DE PESQUISA EM PSICANÁLISE APLICADA: CONTRIBUIÇÕES DE MELANIE KLEIN À EDUCAÇÃO ESCOLAR

inconsciente do que pela consciente. Minha emoção ao encon- trar um antigo professor do colégio me induz a fazer uma pri- meira confissão. Não sei o que mais nos absorveu e se tornou mais importante para nós: as ciências que nos eram apresentadas ou as personalidades de nossos professores. De todo modo, esses eram objeto de um contínuo interesse paralelo, e para muitos de nós o caminho do saber passava inevitavelmente pelas pessoas dos professores. (FREUD, 1914/2012, p. 418)3

Quantos de nós aprendíamos com mais facilidade quando tínha- mos um professor acolhedor, inspirador ou afetuoso? Uma presença implicada e comprometida com o nosso aluno é capaz de fazer muita diferença para o processo de construção da aprendizagem. Para que isso ocorra, é necessário considerar, inicialmente, que este aluno é repleto de desejos; de vivências pessoas; de inseguranças; e ansiedades – neste âmbito, a teoria de Melanie Klein se encaixa perfeitamente.

Creio que toda pesquisa que traga inovações, seja plausível de críticas, pois tudo que é novo, produz estranhamento e resistên- cia. Foi assim com Freud e, talvez, muito pior com Klein. Defendo a hipótese de que quando lemos um autor, não devemos nos ater às suas ideias ao ponto de transformá-las em dogmas. Penso que qual- quer dogmatismo seja alienante. “A aversão por teorias totalizantes é uma característica da psicanálise contemporânea, mais ainda quando elas se tornam rígidas, dificultando que analista e paciente se tornem si mesmos” (CASSORLA, 2016, p. 16, itálicos meus).

Expandir as ideias originais de um autor significa apurar uma teoria na iminência de propor um diálogo com outras. Mais do que isso, significa tornar-se nós mesmos. É isso que tento representar, fundamentalmente, no decorrer desta pesquisa.

3 Título original: “Zur Psychologie des Gymnasiasten”. Publicado, primeiramente, em 1914 em um volume comemorativo do quinquagésimo aniversário da fundação do colégio onde o próprio Freud havia estudado.

ALEXANDRE PATRICIO DE ALMEIDA

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