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Desde a publicação do livro “Freud e a Educação: o Mestre do impossível”, em 1989, de autoria de Maria Cristina Kupfer, podemos dizer que muita coisa mudou no cenário contemporâneo – tanto ao que tange às questões educacionais quanto aos aspectos referentes ao estudo da psicanálise e sua disseminação em nosso país. Esta obra foi um marco para pensarmos as possíveis relações que podemos cons- truir a partir das aproximações entre a teoria psicanalítica e os desa- fios pertinentes ao território pedagógico. A dúvida que fica, ainda hoje, é: será que isso, de fato, vem sendo feito?

A psicanálise inaugurou-se com o lançamento do livro “A inter- pretação dos sonhos” de Sigmund Freud, publicado originalmente em

1 Este capítulo é um resumo geral das ideias contidas na dissertação de Mestrado do autor, defendida na PUC-SP, sob a orientação do prof. Dr. Alfredo Naffah Neto, dentro do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, em junho de 2018. Este material de pesquisa deu origem ao livro “Psicanálise e educa- ção escolar: contribuições de Melanie Klein”, publicado pela editora Zagodoni, São Paulo, SP, 2018. 2 Psicanalista. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (bolsista CAPES). Doutorando pelo Programa

de Psicologia Clínica da PUC-SP (bolsista CNPq). Professor adjunto da Universidade Paulista. Professor convidado da Pós-graduação em psicanálise da Unifev.

ALEXANDRE PATRICIO DE ALMEIDA

1900. Nele, Freud explorou as camadas mais profundas de nossa mente e revelou um dos grandes golpes ao narcisismo humano: o fato de que não somos senhores de nossa própria casa, ou seja, não somos donos de nossos próprios pensamentos e ações, pois estes são coman- dados por uma instância superior chamada inconsciente. Além disso, Freud foi ainda mais ousado ao dizer que a criança não é aquela figura pura e inocente – como bem tentaram nos mostrar as influências da Igreja. Seus estudos clínicos evidenciaram que a sexualidade surgia na infância. Deste modo, ela precisava ser bem trabalhada (e acolhida) pelo meio familiar, sendo aceita como uma manifestação natural de nossa essência humana. Essa conduta, na opinião de Freud, tenderia a diminuir as incidências dos adoecimentos psíquicos.

Com o passar dos anos, apesar de todas as resistências à psi- canálise, ela ganhou força, continuadores e, principalmente, pôde contar com o auxílio de pesquisadores que ampliaram a noção de mundo psíquico definida, originalmente, por Freud. Uma dessas colaboradoras foi a psicanalista Melanie Klein. Uma mulher irreve- rente, corajosa, genial e, principalmente, ousada, pois, ao expandir as ideias freudianas, Klein gerou um grande impasse dentro do territó- rio psicanalítico.

Klein já estava com quarenta anos quando decidiu exercer a pro- fissão de psicanalista. Sonhava, desde pequena, em ser médica como o seu pai, mas o casamento precoce e a construção de uma família a impediram de realizar esse sonho. No entanto, em uma de suas crises depressivas, ela lê a obra de Freud e se apaixona pela ciência do incons- ciente. Inicia, ela própria, sua análise pessoal com Sándor Ferenczi – um analista que era bastante amigo de Freud. Com o incentivo de Ferenczi, Klein começa a analisar crianças. Publica um artigo a res- peito de suas descobertas e, logo em seguida, é convidada a ingressar na Sociedade Psicanalítica de Budapeste. Confiante, ela toma a atitude de se divorciar. Indo morar em Berlim e, posteriormente, em Londres, onde constrói o seu legado e vem a falecer nos anos de 1960.

Klein teve uma capacidade absurda para descrever o mundo psí- quico das crianças de forma tão real e tocante. Seu exercício clínico

UM EXEMPLO DE PESQUISA EM PSICANÁLISE APLICADA: CONTRIBUIÇÕES DE MELANIE KLEIN À EDUCAÇÃO ESCOLAR

abriu as portas para repensarmos o atendimento dos quadros de psi- cose, por exemplo. Isso, sem contar, a grandeza de suas descobertas sobre os sentimentos de inveja, amor e gratidão.

Ao nos mostrar o quanto as crianças sofrem por suas angústias, ansiedades e inseguranças, Klein nos lança um novo olhar sobre o mundo infantil – fazendo-nos enxergar a importância do ambiente para acolher as dores psíquicas de nossos infantes. E isso vai de encontro com a maior missão que consiste o ato de educar: promover o desenvolvimento de nossos alunos em seu sentido pleno e integral, ou seja, cognitivo, físico e, principalmente, emocional.

Klein nos ensinou a força que possui um vínculo. Mostrou-nos o quanto a capacidade de escuta pode aliviar o sofrimento e, acima de tudo, nos deixou um legado gigantesco a respeito do desenvolvimento psíquico (e emocional) de nossas crianças. Sua coragem permitiu observar fenômenos que escaparam da ótica freudiana, pois Klein era eminentemente clínica e pelo fato de não possuir se quer um curso universitário, sua descoberta partiu da própria experiência.

Hoje, num mundo preso a testes, diagnósticos, coleta de dados, objetividade e medicações, talvez seja o momento de nos lançarmos ao desconhecido e dedicarmos os nossos esforços à subjetividade, arriscando-se nas incertezas.

A coragem e a ousadia de Melanie Klein a permitiram ir tão longe. Podemos, nesse sentido, aprender com ela e entendermos, de uma vez por todas, que quando estamos diante de um ser humano em formação, como é o caso da criança, temos que nos deixar tocar, também, como seres humanos. Essa sensibilidade ainda, lamentavel- mente, está ausente nas condutas educacionais. O professor quando está perante os seus alunos, se esquece, que um dia, ele próprio já fora aluno. É essa falta de empatia que torna os vínculos tão vazios e, por sua vez, gera uma quantidade assustadoramente crescente de fracasso e evasão escolar.

ALEXANDRE PATRICIO DE ALMEIDA

Philippe Meirieu (1949-), um autor francês que vem apresen- tando alguns pensamentos interessantes sobre a educação escolar, nos convida a refletir sobre a relação professor-aluno de forma constru- tiva e bastante provocativa, quando afirma que:

[...] o aluno conseguir “se jogar na água” sozinho; decidir ler um poema diante de um grupo; ou contradizer todas as previsões que faziam dele uma “negação” em matemática, ele precisa, para isso “fazer uma aliança” com um adulto em quem confie. Não que o esforço do adulto elimine o seu e o exima de pôr em prá- tica sua própria vontade, mas porque, ao contrário, a determina- ção do outro lhe abrirá um novo campo de possibilidades (...). “Fazer uma aliança” com o aluno é estender-lhe a mão a fim de que ele se mobilize sozinho. É assumir sua parcela de responsa- bilidade de educador, sem, para isso, pedir-lhe que se deixe levar e que caia na passividade. É sustentar seu esforço e comprometê- -lo a empenhar-se ainda mais, para mostrar-lhe, justamente, que “acreditamos nisso”. (MEIRIEU, 2005, p. 200)

Para mim, assumir a responsabilidade de educador é se compro- meter com a formação global do ser humano. É compreender o aluno nas suas mais diversas composições. Assumir a responsabilidade de educador, portanto, é estar disposto a aprender e a investigar, pois é através da informação que teremos recursos para lidar com as mais adversas situações educacionais que surgem no cotidiano escolar.

Tendo em mente a intenção de contribuir de alguma forma para uma ação educativa diferenciada, apresento nesta pesquisa, as princi- pais reflexões que a teoria de Melanie Klein me proporcionou a res- peito da complexidade envolvida em todas as relações humanas, ou seja, o modo com que passei a enxergar os vínculos que se estabelecem no interior da escola e o quanto eles imperam no processo de aprendi- zagem. Escolhi como objeto de estudo o relato de alguns episódios de minha própria experiência como educador, erguida nas tramas de uma prática vivenciada no contexto de uma pequena instituição particular de ensino localizada na periferia da cidade de São Paulo.

UM EXEMPLO DE PESQUISA EM PSICANÁLISE APLICADA: CONTRIBUIÇÕES DE MELANIE KLEIN À EDUCAÇÃO ESCOLAR

Por questões éticas, esse material foi elaborado e transformado em casos fictícios que ocorreram a partir da realidade. Sendo assim, foram construídos com base em acontecimentos reais, mas distor- cidos e modificados para que não fosse possível a identificação dos sujeitos envolvidos e, aqui, citados.

Como propõe Meirieu (2005) no trecho selecionado acima: “fazer uma aliança com o aluno é estender-lhe a mão a fim de que ele se mobilize sozinho”. Pretendo com essa pesquisa, estender a minha mão aos professores, para que descubram as teorizações criadas por Melanie Klein e as utilizem para agregar inovações inspiradoras à sua prática. Não proponho uma receita para uma técnica, mas ofereço a possibilidade de uma mobilização inicial que possa ser difundida individualmente, ao se buscar uma própria autonomia. Sugiro uma nova forma de se enxergar a criança que habita em nós mesmos – e também aquela com que lidamos cotidianamente em nosso exercício profissional.

Penso que, atualmente, em dias tão nebulosos para a educação, a teoria psicanalítica de Klein – que mergulhou tão profundamente nos mares da alma humana – possa ajudar os professores e também psicólogos que trabalham direta ou indiretamente na área escolar. Será somente enxergando o sofrimento infantil, que hoje se desdo- bra nas mais terríveis situações de desamparo e abandono, que pode- remos construir uma educação mais sensível e eficaz. Enquanto essa perspectiva for desconsiderada, não conseguiremos alçar voo para tão longe. Portanto, espero que essa leitura seja um exercício de liber- dade e desconstrução, ampliando a visão do profissional que pretende empreender-se no desafio constante que é o ato de educar.

Método