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Tolerar antagonismos é o aspecto mais difícil de se conseguir em política (WINNICOTT, 1999 [1950], p. 224). A democracia pres- supõe respeitar as diferenças, ou seja, saber lidar com o significado real da palavra alteridade. Esta é a maior limitação de um ditador. Ele define e reduz as relações da sociedade a uma briga entre os “bons” contra os “maus”. Porém, a definição de “bom” e “mau” é privilégio absoluto do ditador e não uma questão a ser discutida entre outros membros da sociedade. Diante de conflitos, procura adotar medidas radicais e ações totalitárias. Visa implementar abruptamente ideo- logias políticas revolucionárias para promover mudanças, desconsi- derando assim a participação e a apropriação gradual das diferentes camadas sociais nesse processo. Comumente, coloca os seus dese- jos e convicções particulares acima da máquina democrática, pro- curando imperar sobre um determinado grupo social para privilegiar um outro (o qual se identifica narcisicamente). Seus afetos tendem a se apresentar de modo binário: quando ama, idealiza, se não ama, odeia e persegue seus inimigos. Ao projetar no externo seus conteú- dos intoleráveis, ele vê-se, então, perseguido por eles (corporificados naqueles os quais denomina como opositores). A imaturidade psí- quica referida se traduz como uma incapacidade pessoal para tolerar

O POTENCIAL DEMOCRÁTICO INDIVIDUAL NA OBRA DE D.W. WINNICOTT

frustrações, nuances, ideias contrárias, bem como suportar conflitos e ambivalências emocionais no ego. A adoção de condutas extremis- tas (antidemocráticas) é reflexo dessa fragilidade egóica. No fundo, o que este indivíduo não consegue é aguentar a si próprio perante um universo externo marcado pelas diferenças. O ser imaturo (seja ele ditador ou não), não possui dúvidas em relação aos seus atos, nor- malmente vê-se fascinado por um líder ou ideia totalitária. Ele não apresenta hipocondria ou depressão, apenas uma compulsão radical para manter a unilateralidade de seu poder. É válido considerar que uma comunidade desamparada das incumbências do Estado possa eleger figuras imaturas, votando em suas posições políticas extre- mas na ilusão de extinguir as agonias instauradas pela sensação de desamparo de cuidados. Ademais, no caso de um regime ditatorial, seu declínio pode acontecer justamente pela aprisionamento da rea- lidade psíquica individual. Em suma, na visão winnicottiana, o início do fim de um sistema ditatorial acontece quando as pessoas desejam arriscar a vida pela causa da espontaneidade e da originalidade pes- soal (WINNICOTT, 1999 [1950], p. 233).

Considerações finais

Através do desenvolvimento desse estudo, Winnicott elu- cida a importância do aspecto psicológico para o desenvolvimento de uma democracia. Concebe o sistema democrático como um pro- cesso retroalimentado pela somatória da saúde psíquica individual numa sociedade. Esta é chave da maturidade social. Idealmente, sua obra abre reflexões sobre a importância dos bons lares comuns e da mãe suficientemente boa como os pilares iniciais da criação do fator democrático.

Através da teoria do amadurecimento, Winnicott agrega um novo entendimento sobre o fenômeno da democracia. Ele com- preende o fator democrático como um fenômeno ocorrido de dentro para fora do sujeito nos indivíduos maduros. Já no caso dos imatu- ros, o inverso (falso-self). Portanto, a real democracia seria então uma

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ampliação coletiva da saúde pessoal. Nesse sentido, as forças governa- mentais deveriam investir em cuidados familiares. No mais, requer-se também apoiar os indivíduos emocionalmente maduros da comuni- dade, mesmo que eles sejam poucos, deixando que o tempo se encar- regue do resto. Desse modo, pela proporção numérica de indivíduos amadurecidos, a saúde psíquica pode alavancar a cívica. Porém, o auxílio governamental é essencial para isso.

Ao tecer estas considerações finais, a partir dos levantamentos winnicottianos, surgiram outros questionamentos a serem aprofun- dados. Pensando na realidade política brasileira, pergunto-me: teria o Brasil uma democracia do ponto de vista psicológico? A crise ética na política brasileira seria reflexo de uma imaturidade emocional? Não estariam as discussões políticas limitadas às discussões sócio histó- ricas e negligenciando as contribuições psicológicas? A sensação de participação democrática não parece estar limitada ao processo elei- toral obrigatório? Quais medidas podem ser adotados no âmbito político e jurídico para auxiliar a saúde nos lares? – perguntas estas que não se esgotam em explicações, mas lançam caminhos possíveis que nortearão o rumo de minha pesquisa.

Referências

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O estudo de caso como ferramenta