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4.2 O escândalo do Dossiê representado nas reportagens O voo cego do petismo e Um enigma

4.3.4 A política de confiança nas escolhas de representação

Conforme atesta Thompson (2002), a política de confiança é um recurso vital na vida política contemporânea. Destruir ou ameaçar destruir a reputação, a credibilidade e o bom nome de um político ou de um partido significa enfraquecer, ou frustrar, sua capacidade de persuadir e influenciar outras pessoas e outros partidos, de assegurar um elo de confiança no campo e no subcampo político e de transformar suas palavras em fatos. Em outras palavras, significa minar seu poder simbólico, ameaçando o sucesso de seu poder político. Pelas escolhas sistêmicas de transitividade observadas nas reportagens, nota-se que o discurso de VEJA busca provocar uma resposta pública de desaprovação pelos fatos ocorridos, uma vez que um escândalo político-financeiro somente poderá ocorrer se as infrações a ele referentes forem publicamente reveladas e consideradas, em um contexto específico, como suficientemente sérias para provocar uma resposta pública de desaprovação (THOMPSON, 2002, p.198).

Veremos nos recortes desta seção que a decisão de comunicar a realidade do escândalo também implica escolhas sistêmicas que buscam minar a política de confiança do governo e dos servidores públicos envolvidos no caso. Comecemos com o recorte (180).

(180) Seus portadores [Experienciador] não precisam se preocupar [Processo Mental

Emotivo] com as taxas que serão cobradas pelos bancos ou pela operadora [Fenômeno], já que

o dinheiro não é deles [Circunstância de razão]. Ah, sim, também não é preciso esquentar a cabeça [Processo Mental Emotivo] com o pagamento da fatura no fim do mês [Fenômeno] ele fica a cargo do Tesouro Nacional [Circunstância de razão]. Quanto às eventuais malversações ou "equívocos" cometidos no uso dos cartões [Circunstância de assunto], isso é o de menos [Processo Relacional Atributivo]. A fiscalização dos gastos [Meta], como se provou nas últimas semanas [Circunstância de fonte], é conduzida [Processo Material] com o rigor que já se tornou uma característica do atual governo [Circunstância de meio].

Nota-se que os dois processos mentais constroem um sentimento da própria consciência dos portadores de cartões: não é preciso temer a fatura desses instrumentos. Para esse significado, as escolhas lexicais das circunstâncias de razão são fundamentais para se evidenciar a crítica feita à política adotada pelo governo para o sistema de uso dos cartões. As orações relacional e material também são recursos usados para tecer essa crítica: essas orações revelam que os gastos abusivos dificilmente serão penalizados, já que as fiscalizações não

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circunstância de meio “com o rigor que já se tornou uma característica do atual governo”

ilustram esse significado. Logo, percebe-se a representação de duas irregularidades nesse recorte: o uso irrestrito do cartão e a conivência do governo frente a isso.

Nos recortes (181) e (182) abaixo, os processos materiais retratam algumas infrações cometidas com os cartões, mostrando-se como escolhas voltadas para a desaprovação dessas ações.

(181) (...) alguns ministros [Ator] se habituaram a usar [Processo Material] o cartão [Meta] a toda hora [Circunstância de tempo] e da maneira que lhes dava na telha [Circunstância de

razão]: para comer um lanchinho, fazer compras em free shop, hospedar-se com a família em

hotéis de luxo e jantar em restaurantes caros [Circunstância de propósito].

(182) Sabe-se [Processo Menta Cognitivo], por exemplo, que, em 2003, logo no início do governo [Circunstância de tempo], assessores palacianos [Ator] transformaram [Processo

Material] em uma grande festa uma viagem de Lula ao interior de São Paulo [Escopo],

pagando [Processo Material] diárias [Escopo] a pessoas [Cliente] que [Característica] nem sequer estavam [Processo Relacional Identificativo] na comitiva oficial [Valor] e superfaturando [Processo Material] o pagamento de hospedagens [Meta].

No recorte (181), o processo material “habituaram a usar” revela que o uso dos cartões

corporativos era uma prática recorrente entre alguns ministros. Ainda neste recorte, chama atenção os elementos circunstanciais selecionados para contextualizar essa ação: eles ilustram a facilidade de se fazer uso desse instrumento. Essa representação constroi uma realidade de mundo sem regras ou códigos de conduta para os portadores de cartões. Isso também pode ser

observado nos processos materiais do recorte (182): “transformaram em uma grande festa

uma viagem de Lula ao interior de São Paulo”, “pagando diárias” e “superfaturando” nada mais são do que atividades dissonantes daquilo que se espera de um portador do cartão.

Essas formas de recontextualização de práticas da realidade do escândalo revelam um lugar específico para os portadores de cartão: o lugar da corrupção. Em razão disso, os jornalistas selecionam rótulos específicos para representar esse lugar, mais uma vez desaprovando as ações e, assim, colocando em risco a reputação desses envolvidos.

(183) O mundo deles [Portador], convenhamos, é [Processo Relacional Atributivo] muito [Circunstância de grau] melhor [Atributo] do que o nosso [Circunstância de comparação].

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(184) No mundo encantado [Circunstância de lugar], porém, é [Processo Relacional

Atributivo] uma mixaria [Atributo].

As experiências representadas acima constroem a realidade de mundo desses portadores enquanto um lugar de facilidades, devido àquilo que o cartão corporativo pode lhes

proporcionar, daí porque as escolhas dos atributos “melhor” e “mixaria”. Os rótulos “o mundo deles” e “no mundo encantado” são recursos lexicais e discursivos selecionados para criar

certo distanciamento desse lugar, criticando, dessa forma, o funcionamento das atividades

constituintes desse “mundo”. Percebe-se, com isso, que esse ato de nomeação está diretamente relacionado a um processo de construção de identidade para os usuários desses

cartões: conferir um atributo de corrupção a esse “outro mundo” implica considerar os

portadores de cartão como corruptos.

Os recortes (185) e (186) abaixo podem ser interpretados como uma síntese da desaprovação para os fatos, pois apresentam escolhas lexicais e discursivas que revelam aspectos negativos para os procedimentos de uso dos cartões corporativos.

(185) Até o momento [Circunstância de tempo], os cartões corporativos do governo [Meta] ora foram usados [Processo Material] para desviar dinheiro público [Circunstância de

propósito], ora para pagar gastos que não deveriam ser bancados por esse sistema

[Circunstância de propósito].

(186) Com os saques em espécie sendo feitos aos borbotões [Circunstância de razão], os cartões [Portador] perdem [Processo Relacional Atributivo] sua função primordial [Atributo]: em vez de facilitar a fiscalização dos gastos públicos [Circunstância aditiva], acabam por dificultá [Processo Material] –la [Meta].

Em ambos os recortes, o objetivo parece ser mostrar que a política do governo para com os cartões foi um erro grave, uma vez que permitiu uma série de irregularidades financeiras. Assim como vimos em outros recortes acima, a realidade construída mostra que os cartões não tinham qualquer tipo de restrição para uso. No recorte (185), são os elementos circunstanciais de propósito que possibilitam essa leitura. No recorte (186), vemos as circunstâncias de razão e aditiva preencherem essa informação, além das escolhas dos

processos relacional e material, “perdem” e “dificultar”, revelarem que a ausência de um

procedimento legal para o devido uso dos cartões trouxe descrédito para esse instrumento e tornou difícil a fiscalização de seus gastos.

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Este capítulo investigou, nas escolhas sistêmicas de transitividade e de léxico, como o discurso jornalístico da revista VEJA constroi sistemas de conhecimento e significado aos escândalos do mensalão, do dossiê e dos cartões corporativos, construindo realidades de crise e de corrupção para eles. Observamos como o espaço discursivo das reportagens é preenchido por um discurso infamante, preocupado em dar visibilidade às infrações e buscar uma resposta pública de desaprovação para os fatos. A seguir, serão apresentados os comentários finais.

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COMENTÁRIOS FINAIS

Um dos motivos que me levou a esta pesquisa é o fato de escândalos políticos e a denúncia deles estarem se tornando realidades cada vez mais fortes e presentes em nossa vida social e política contemporânea. Nessa era da visibilidade mediada (THOMPSON, 1998; 2002; 2008), a mídia exerce um papel fundamental no modo como apreendemos experiencialmente esse tipo de acontecimento, uma vez que as imagens e informações que fornece não são comentários a posteriori sobre os fatos, mas, sim, discursos constitutivos dos próprios escândalos. Enquanto eventos mediados, escândalos políticos só irão ocorrer se as transgressões a eles referentes forem publicamente reveladas e consideradas, em um contexto específico, como bastante graves para provocar uma resposta pública de desaprovação. Assim, partindo desse princípio, esta pesquisa se origina de questionamentos pessoais acerca do modo como a mídia impressa constroi sistemas de conhecimento e significado para escândalos políticos.

Pelo viés da interface da ACD com a LSF, buscamos examinar, através do Sistema de Transitividade e das escolhas de léxico, o modo como jornalistas da revista VEJA constroem discursivamente realidades de crise e de corrupção para escândalos políticos representados no gênero reportagem, mais exatamente os escândalos do mensalão, do dossiê e dos cartões corporativos. Para tanto, analisamos não somente cada escolha sistêmica nesse sistema, mas, também, modos particulares de se construir cada escândalo, analisando quais atores sociais e outras entidades são representadas e que papeis discursivos e de transitividade eles refletem. Com isso, percebemos que cada escândalo possui uma particularidade irredut ível (THOMPSON, 2002), através da qual os jornalistas constroem realidades de mundo particulares.

Uma vez que os textos representam visões de mundo, percebemos que as reportagens sobre os escândalos políticos aqui investigados constroem modos particulares de se perceber os fatos, reservando um lugar específico para esses escândalos e para aquelas pessoas neles envolvidas: o lugar da corrupção. Vimos que os três componentes do Sistema de Transitividade são recursos discursivos fundamentais para se construir significados e conhecimentos acerca dos fatos. Os atos de nomeação também foi outro recurso que notamos

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enorme desastre” e “mar de suspeitas” foram apenas algumas designações escolhidas para se

construir as realidades de mundo do escândalo do mensalão. Também muito utilizado no caso do dossiê, esse recurso nos permitiu notar que os fatos constituintes do escândalo foram

percebidos como “um crime”, “atos clandestinos e irregulares” e “uma bandidagem”. Não

muito diferentes foram as escolhas para definir o principal acusado dessas atividades, o PT:

“organização criminosa” e “rica trajetória de delinquências”. No escândalo dos cartões, os

jornalistas também recorreram a rótulos específicos, tais como, “ministros perdulários”,

“felizardos agraciados”, “fraudes primárias”, “a folia”, dentre outros, para representarem os

portadores de cartões e suas atividades com esses instrumentos.

A respeito dessas escolhas de nomeação, podemos destacar dois aspectos: primeiro, são nesses rótulos que o discurso de VEJA imprime seu ponto de vista sobre os fatos, buscando influenciar a opinião pública contra as atividades irregulares cometidas nesses escândalos, já que todo escândalo, para existir, precisa provocar uma resposta pública de desaprovação (THOMPSON, 2002); e segundo, depreende-se que essas escolhas, ao mesmo tempo em que são socialmente influenciadas pelos contextos de improbidade dos escândalos, ajudam a construir esses acontecimentos enquanto eventos constituintes da cultura da política brasileira. As narrativas jornalísticas sobre os escândalos fornecem experiências que emergem do entendimento dos procedimentos que regem o exercício do poder político. E são essas experiências que convertem os fatos em eventos de nossa cultura, gostemos disso ou não, expressando modos particulares de se perceber esses eventos, e oferecendo textos para que nós, suas audiências, nos posicionemos e nos identifiquemos com os fatos narrados. São por meio dessas ações, como lembra Thompson (2002), que escândalos políticos podem se tornar dimensões sedimentadas da memória histórica de uma sociedade.

Além da importância desse processo de nomeação, a quantificação das escolhas sistêmicas de transitividade proporciou-me verificar as ocorrências de cada componente desse sistema no modo como jornalistas constroem sistemas de conhecimento e significado para cada escândalo. Ademais, esse procedimento metodológico me indicou a quantidade de processos e seus tipos, de modo que pudéssemos perceber não somente sua distribuição nos textos, mas, também, de que forma eles contribuem para a construção de realidades de crise e de corrupção nos escândalos. As escolhas lexicais de tipos de processo ofereceram-me condições linguísticas para perceber as narrativas jornalísticas enquanto discursos, isto é, enquanto modos particulares de representar aspectos desses acontecimentos. Vimos, no

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escândalo do mensalão, por exemplo, uma seleção de processos comportamentais, tais como,

“chorou”, “perdera o ânimo”, “irritou”, e “estava indignado”, voltados para a representação

daquilo que a crise política causou no presidente Lula. Quanto ao escândalo do dossiê, por exemplo, percebemos processos relacionais responsáveis por retratar o nível da crise. Logo,

qualidades e classificações, tais como, “fruto de desgoverno”, “lamentável”, “no meio de um turbilhão”, dentre outras, conferidas ao escândalo e ao presidente se mostraram como recursos

imprescindíveis a essa representação. Já no escândalo dos cartões corporativos, foram os

processos materiais, “arcou”, “esbaldou”, “torrou” e vários outros, que construíram a

realidade de corrupção nos desvios de função dos cartões.

Assim, tomando a oração enquanto uma unidade de realização de experiências de mundo (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004), observamos que as diferentes escolhas lexicais de processos são resultado de decisões de se comunicar diferentes tipos de atividade que fazem parte dos escândalos; convém ressaltar que a representação dessas atividades faz parte de um processo de recontextualização de práticas dos escândalos. A seleção de determinados elementos dessas práticas, e, consequentemente, sua recolocação em textos jornalísticos, é um processo nada ocasional. Pelo contrário, são seleções motivadas pelos tópicos de situação dos escândalos, isto é, pela natureza da ação em curso. Nesse sentido, essas diferentes escolhas lexicais não apenas expressam particularidades dos escândalos enquanto eventos de nossa vida política contemporânea, mas, sobretudo, servem de base para que nós, enquanto leitores consumidores de informações, possamos, experiencialmente, apreender essas realidades de mundo. No gráfico 5.1 abaixo, encontra-se a distribuição de tipos de processo nas seis reportagens do corpus.

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Como podemos perceber, há um predomínio de processos materiais nas reportagens, o equivalente a mais de 40% das escolhas de tipos de processo, sugerindo que as experiências de mundo acerca dos escândalos são, em grande parte, dinâmicas, uma vez que retratam ações materiais de algo ou alguém sobre objetos, pessoas ou fatos. Muito explorada pelos jornalistas, essa opção de representação se mostra eficaz para construir realidades de crise e de corrupção para os escândalos, pois, na maioria das vezes, retrata as personagens do drama (dramatis personae) como agentes de ações materiais irregulares. Esse mesmo procedimento discursivo foi observado nas ocorrências dos outros tipos de processo: a representação daquelas pessoas envolvidas nos escândalos quase sempre ocorreu nos papeis de agente do processo. Em várias ocorrências, tivemos o governo, o PT, o presidente Lula, os usuários de cartões corporativos e outras personagens do drama (dramatis personae) como agentes de processos de dizer, de comportar, de ser e de sentir. Tal característica discursiva revela quem são os responsáveis pelas crises políticas geradas com as denúncias dos escândalos, além de responder a pergunta de pesquisa acerca dos papeis discursivos e de transitividade preenchidos por essas personagens.

As ocorrências de processos relacionais também tiveram função significativa nas representações de mundo dos escândalos, revelando o modo como esses eventos são caracterizados em termos de qualidades, classificações e identificações, descrevendo-os e avaliando-os enquanto acontecimentos que trazem vergonha e constrangimento para o modo de se fazer política no Brasil. A própria definição desses eventos como “escândalos políticos” (THOMPSON, 2002) já confere uma avaliação negativa a eles. Além disso, percebemos que a atribuição de qualidades e classificações a participantes é um recurso que funciona muito bem para construir realidades de crise e de corrupção no discurso infamante de VEJA.

Com um número de ocorrências mais baixo do que os processos material e relacional, os processos verbais serviram para explicar e esclarecer os fatos narrados, além de retratarem ações enunciativas das personagens do drama (dramatis personae) – fato observado principalmente nos escândalos do mensalão e do dossiê. Já a propriedade de projetar experiências foi muito utilizada nos processos mentais. Em suas ocorrências, notamos, por várias vezes, os tipos de processo mental cognitivo e desiderativo sendo utilizados para projetar saberes e desejos dos participantes, realizando experiências no nível da consciência destes. Percebemos ainda em algumas ocorrências o modo impessoal de verbos realizando

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processos mentais, principalmente no tipo mental cognitivo; o que pode ser explicado por um interesse dos jornalistas em ocultar os agentes dos processos.

Por fim, as funções de processos existencial e comportamental se mostraram como recursos pouco utilizados pelos jornalistas, o que não quer dizer que suas ocorrências foram insignificantes nas representações construídas. Os processos existenciais, por exemplo, serviram muito à expansão dos significados de processos materiais e relacionais e à construção de comentários sobre os fatos, recurso muito utilizado no escândalo dos cartões corporativos. Os jornalistas recorreram a esse tipo de processo não para introduzir personagens principais nas representações, fato muito recorrente em narrativas, segundo Halliday e Matthiessen (2004), mas, sobretudo, para dar existência aos fatos descritos nos processos materiais e relacionais. Quanto às ocorrências de processos comportamentais, no escândalo do mensalão, onde observamos 20 ocorrências, esse tipo de processo prestou-se à revelação de comportamentos sentidos pelo presidente Lula frente às denúncias do escândalo.

Admitindo-se que toda representação é política (RAJAGOPALAN, 2003), discutimos nesta pesquisa o modo como jornalistas da revista VEJA se valem de escolhas sistêmicas de transitividade e de léxico para construírem sistemas de conhecimento e significado para três escândalos políticos ocorridos no contexto brasileiro. Nossos resultados de análise apontaram o modo como essas escolhas são sempre motivadas pelos tópicos de situação de cada escândalo e que, além de descreverem aspectos das realidades de mundo dos escândalos, são nessas escolhas motivadas que a revista VEJA constroi um discurso infamante buscando uma resposta pública de desaprovação para os fatos.

Uma vez que são os interesses políticos dos jornalistas, enquanto porta-vozes da revista, que ditam os critérios de construção das representações, observou-se que as reportagens potencializam as irregularidades cometidas nos escândalos, produzindo, assim, uma excessiva visibilidade dessas infrações e de seus autores. Todavia, isso não implica uma abertura para o esclarecimento desses fatos no âmbito da lei. Ainda que essas transgressões estejam regulamentadas num campo jurídico, não há, nas reportagens, qualquer menção ao que elas significam em termos legais, exceto no texto A farra do cartão de crédito. Além disso, não houve uma preocupação, por parte dos jornalistas, em relacionar os contextos dos escândalos com uma conscientização do que esses eventos implicam à saúde da política brasileira.

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Uma vez que o espaço discursivo dado à revelação dos escândalos é preenchido por um discurso muito mais preocupado em criticar e condenar os acusados do que conscientizar seu público dos valores da política em uma sociedade democrática, a criação de novas formas de participação coletiva na política, com acompanhamento e vigilância atuante sobre as atividades que ocorrem no subcampo político, fica seriamente prejudicada. Em consonância com o diz Thompson (2002), acredito que essa forma de se construir a realidade social dos escândalos pode gerar uma gradual corrosão das formas de confiança social na política, recurso do qual a ação política depende para adquirir poder político. Entendo que a condenação dos fatos pode criar nos leitores um ceticismo e uma indolência, resultando no abandono destes leitores na participação crítica das formas de se fazer política no país.

Acreditamos que esta proposta de investigação teve êxito ao explorar em cada escolha sistêmica de transitividade e de léxico os modos particulares de representação dos escândalos, onde os jornalistas buscam fazer com que olhemos para cada evento de uma forma, e não de outra; não obstante saibamos que nosso corpus representa somente um pequeno recorte do modo como a revista VEJA constroi sistemas de conhecimento e significado para escândalos políticos.

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