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O corpus de análise desta pesquisa são seis reportagens extraídas da revista semanal brasileira VEJA, publicadas entre os anos de 2005 e 2008. Em circulação há quase 43 anos, VEJA é o veículo de informação impresso de maior tiragem no Brasil: são 1.249.947 exemplares impressos em para cada edição, conforme dados da editora Abril (informação retirada no site www.publiabril.com.br). Com um total estimado de 8.774.000 de leitores, a revista subdivide-se em várias seções, tais como, Páginas Amarelas, Geral, Internacional, Ponto de Vista, e dentre elas a seção da qual retiramos as reportagens de análise: Brasil, que

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faz a “cobertura dos fatos políticos de maior relevância da semana, com análise das implicações desses fatos na vida do país e dos leitores”.

Visto que, “nossa compreensão do mundo fora do alcance de nossa experiência pessoal, e de nosso lugar dentro dele, está sendo modelada cada vez mais pela mediação de

formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p.38), o modo como VEJA seleciona fatos políticos,

bem como a maneira como os aborda numa perspectiva discursiva, isto é, como constroi representações para os fatos, por meio da linguagem, diz muito sobre seu papel na difusão e estabilização de representações de aspectos do mundo. Com slogans como, “os olhos do

Brasil” e “VEJA, indispensável para o país que quer crescer”, a revista tem o objetivo de:

Ser a maior e mais respeitada revista do Brasil. Ser a principal publicação brasileira em todos os sentidos. Não apenas em circulação, faturamento publicitário, assinantes, qualidade, competência jornalística, mas também em sua insistência na necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil. Essa é a missão da revista. Ela existe para que os leitores entendam melhor o mundo em que vivemos (informação retirada no

site www.publiabril.com.br).

Com base nessas informações, entendemos o quão relevante é tomar reportagens da revista VEJA como corpus de uma pesquisa que analisa, em termos de linguagem, o papel que cumpre a imprensa na construção de sistemas de conhecimento e significado para escândalos políticos. O espaço que VEJA abre para a circulação de saberes, através de suas matérias jornalísticas, é fundamental para conhecermos como ela se relaciona com a sociedade, isto é, como percebe fatos políticos, culturais e sociais que fazem parte de nossa sociedade.

Com relação ao gênero reportagem, Sodré e Ferrari (1986) consideram-no o lugar por excelência da narração jornalística – o lugar onde se contam, se narram as peripécias da atualidade. Embora seja uma narrativa – com ação dramática, personagens e descrição de ambientes –, a reportagem está muito distante da literatura em razão do seu compromisso com

a objetividade jornalística, segundo os autores. Contudo, longe de ter um “estilo direto puro”,

isto é, de ser uma “narração sem comentários, sem subjetivações” (SODRÉ e FERRARI, 1986, p.9), a reportagem jornalística é uma atividade essencialmente discursiva que constroi versões da realidade – o que implica não apenas escolhas de informação, mas, sobretudo, escolhas no nível lexical e semântico da língua – e por isso reflete as predileções daqueles que a produzem, conforme veremos em nossas análises.

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Segundo Lage (2008), a reportagem, geralmente, apresenta um maior número possível de dados informativos acerca do fato narrado do que outros gêneros jornalísticos, tais como, a notícia e o editorial, formando um todo compreensível e abrangente 47. Ao traçar algumas características desse gênero, o autor pontua que reportagens decorrem da intenção de uma

“visão jornalística” (LAGE, 2008, p.114) dos fatos, isto é, a reportagem depende

exclusivamente que um jornalista perceba algo no mundo, que seja determinado ou não por fato gerador de interesse, e assim o relate, ao contrário do que aconteceria com as notícias, que independem dos jornalistas para ocorrer. Nesse sentido, reportagens seriam mais extensas, mais ricas na trama de relações entre os universos de dados do que as notícias, por exemplo.

Enquanto um gênero informativo no campo do jornalismo, a reportagem prima pela informação e pela narrativa. Em nosso corpus de pesquisa, as seis reportagens oferecem detalhamento e contextualização dos fatos, oferecendo uma narrativa que busca reconstituir as atividades que aconteceram nos escândalos, ao mesmo tempo em que constroi versões para esses eventos. Nesse sentido, o processo de recontextualização deve ser observado de perto, de modo que se perceba quais elementos das práticas de cada escândalo são selecionados e inseridos no contexto da narrativa jornalística construída por VEJA. Isso significa verificar quais elementos das práticas são importantes, no ponto de vista da revista, para se construir realidades de crise e de corrupção para os escândalos. Esse processo de recontextualização pode ser observado nas palavras de Sodré e Ferrari (1986, p.107): “não é bastante ser verdadeira; reportagem tem de parecer verdadeira – ser verossímil. Isso exige certa técnica na

dosagem da seleção e combinação de elementos” (itálico dos autores).

Em termos de transitividade, essa seleção e combinação de elementos implica um olhar atento nas escolhas de processos, participantes e elementos circunstanciais. Nas seis reportagens analisadas, observou-se que as circunstâncias são elementos fundamentais à representação dos escândalos, enquanto recursos discursivos para contextualizar e caracterizar as atividades descritas nos processos. Há, por exemplo, uma grande ocorrência de circunstâncias de tempo, lugar, razão e propósito encontradas nas reportagens. Assim, percebe-se que a necessidade de informar não fica restrita somente àquilo que o processo

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Não iremos abrir aqui uma discussão acerca dos gêneros jornalísticos, muito menos de uma diferença entre reportagem e notícia. Várias são as definições não muito esclarecedoras quando o assunto são gêneros jornalísticos, sobretudo, a definição do que é uma notícia/reportagem e quais suas características. Para maiores informações sobre esta distinção ver o artigo de Bonini (2009).

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pode oferecer em termos de significado, como, por exemplo, um comportamento psicofisiológico de gargalhar, mas, também, se estende àquilo que as circunstâncias podem oferecer ao processo: informação adicional (a razão da gargalhada, por exemplo).

Ainda acerca dessa seleção e combinação de elementos, os dados do corpus revelaram que a representação das personagens do drama (dramatis personae), na maior parte das vezes, ocorre como agentes de processo. Seja no papel de ator, experienciador, característica, portador, dizente ou comportante, as realidades de mundo dessas personagens as colocam como participantes obrigatórios das atividades representadas. Um exemplo disso é a representação construída para os portadores de cartões de crédito corportativos acusados de abusar nos gastos. Em quase todas as orações em que eles aparecem, o papel de transitividade é o de ator de processos de gastar, e o papel discursivo é o de gastadores.

Com relação aos tipos de processo encontrados em nosso corpus, há uma proeminência de ações materiais, bem como de definições e classificações de participantes. Processos materiais e relacionais representam 68, 26% das escolhas de tipos de processo nas reportagens. A opção por esse tipo de representação sugere que, nas seis reportagens, as realidades dos escândalos políticos são, predominantemente, constituídas por ações físicas, com atores sociais e outras entidades, tais como, o governo e o PT, agindo sobre fatos, pessoas e objetos, e por experiências modeladas no plano do ser, numa relação de natureza estática entre participantes, com a atribuição de qualidades e identificações. Nota-se que essa opção não é casual quando pensamos o papel crucial da mídia na construção de um discurso infamante que busca uma resposta pública de desaprovação para os fatos.

Representar os escândalos em termos de ações materiais significa construir uma realidade de mundo dinâmica para os fatos: isso possibilita retratar ações físicas de acusados de improbidade em suas atividades irregulares, tais como, pagamento de subornos, compra de informações, gastos do dinheiro público, dentre outros. Ademais, entendemos que as ações materiais são imprescindíveis à construção dos eventos como escândalos político-financeiros. Por outro lado, a representação dos escândalos no modelo de orações relacionais permite que essas ações materiais sejam definidas e classificadas. Os papeis de participante portador (aquele ou aquilo que recebe uma qualificação ou uma descrição) e característica (aquele ou aquilo ao qual uma identificação é conferida) abrem espaço para que não apenas as personagens do drama (dramatis personae) sejam avaliadas, mas, também, suas próprias ações irregulares.

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O interesse em investigar, nas escolhas sistêmicas de transitividade e de léxico, como VEJA constroi realidades de crise e de corrupção para os escândalos do mensalão, do dossiê e dos cartões corporativos, no gênero reportagem jornalística, conduziu-me à geração de dados por meio da coleta de reportagens. Entre os anos de 2005 e 2008, período em que esses escândalos ganharam publicidade na mídia, VEJA publicou dezenas de reportagens relatando fatos e denúncias sobre esses eventos. Diante disso, recorri à definição que o sociólogo John Thompson (2002) dá aos escândalos políticos midiáticos para definir quais reportagens de cada escândalo selecionar. O autor entende que a transgressão de segunda ordem é uma característica central dos escândalos midiáticos. Esse tipo de transgressão ocorre quando se constata que os supostos acusados de irregularidades mentiram ou tentaram ocultar, em um primeiro momento, de diferentes formas, suas ações ilegais. Em outras palavras, descobre-se que, além de cometerem infrações de primeira ordem, tais como, cobrar ou pagar propina, comprar informações falsas, lavar dinheiro, falsificar notas fiscais, dentre outros tantos tipos, eles as negam veementemente ou tentam encobri-las, cometendo, assim, uma transgressão de segunda ordem.

Com base nesse aspecto, Thompson (2002, p.51) esboça um esquema representativo dos elementos constituintes de escândalos políticos midiáticos (ver a figura 1.1, na página 32). Tomando esse esquema como ponto de partida, observamos que as duas primeiras reportagens de cada escândalo já traziam esses elementos descritos por Thompson. Assim, entendemos que poderíamos analisar cada evento em suas duas primeiras publicações, visto que já encontraríamos sua dinâmica inicial. Logo, esse processo de seleção gerou seis reportagens jornalísticas, apresentadas no quadro 3.1 abaixo.

Convém ressaltar, entretanto, que não estamos generalizando nosso corpus enquanto uma representação dos três escândalos. Gostaria de deixar claro que as duas reportagens de cada evento não refletem o acontecimento como um todo. Com essa seleção, por exemplo, deixa-se de analisar a estrutura sequencial que todos os escândalos midiáticos possuem, bem como os agentes e as organizações envolvidas em seu desdobramento (THOMPSON, 2002). Mais abaixo, o quadro 3.2 contém uma breve descrição sobre os escândalos investigados nesta pesquisa.

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Quadro 3.1: Reportagens selecionadas para corpus de pesquisa

Data Escândalo Título da reportagem

15.06.2005 Mensalão O PT assombra o Planalto

22.06.2005 Mensalão Nocaute

27.09.2006 Dossiê O voo cego do petismo

18.10.2006 Dossiê Um enigma chamado Freud

06.02.2008 Cartões Corporativos A farra do cartão de crédito

13.02.2008 Cartões Corporativos A república dos cartões