• Nenhum resultado encontrado

A política educativa do Estado Novo e os antecedentes da reform a de 1947/

A necessidade de escolarizar a juventude portuguesa, im posta pelas novas condições sociais e económ icas em ergentes após segunda guerra mundial, nom eadam ente a necessidade de formar recursos hum anos qualificados indispensáveis às novas lógicas de desenvolvim ento económ ico, deu origem a alterações estruturais im portantes na política educativa do Estado Novo. A im pulsão da escolaridade elem entar a partir da década de cinquenta e a reform a do ensino técnico de 1947/48 foram das m ais relevantes. Contudo, as medidas de política educativa foram sempre tem peradas com estratégias de controlo das aspirações sociais .anóm icas que a frequência da escola necessariam ente haveria de suscitar.

A ntónio N óvoa distingue quatro fases na organização das políticas educativas do Estado Novo: um a prim eira que consistiu no desm antelam ento da herança educativa republicana, sobretudo ao nível do ensino prim ário; um a segunda m arcada pela tentativa de edificação da escola nacionalista, através de um esforço de inculcação ideológica e de doutrinação m oral; uma terceira de acom odação do sistem a educativo às realidades sociais e económ icas em ergentes no pós-guerra, marcada pelas reform as no ensino liceal e no ensino técnico e uma quarta caracterizada por uma m aior abertura do sistem a educativo e por um a m aior dem ocratização do ensino no quadro da articulação entre a planificação económ ica e a planificação educativa.35

Tam bém Sérgio G rácio caracteriza a política educativa do Estado N ovo, logo a partir de 1926, "por um conjunto de medidas declarada ou tacitam ente erigidas contra as concepções e a prática educativa da R epública".36 A redução do ensino prim ário obrigatório com a extinção das escolas prim árias superiores, a sim plificação dos program as, a divisão do ensino prim ário em dois graus com a obrigatoriedade escolar cirscunscrita à 3a classe, a extinção das escolas móveis e a criação dos postos de ensino

35 A ntónio N óvoa, ” A Educação N acional...” , in A ctas d e i I I E ncuentro Ibérico d e H istoria d e la

E d u ca ció n , Z am o ra, 7-10 de N unho de 1995, pp. 178-179

D e a p ren d iz a cidadão

e a expansào da rede à custa dos postos escolares e da contratação de regentes, a suspensão das m atrículas nas Escolas do M agistério Primário, são m edidas que aquele autor configura com o enunciadoras da contenção da despesa pública com a educação e desde logo reveladoras de um a clara intenção dirigente de nivelam ento por baixo. Por outro lado, o saneam ento ideológico e a dim inuição do estatuto social dos professores, com a criação de um a nova categoria, os regentes escolares, com a redução dos salários reais e os condicionalism os im postos ao casam ento das professoras prim árias, estabeleciam objectivos de conform ação dos agentes de ensino à nova ordem social e política.37

Com parando a evolução do núm ero de m atriculados no ensino prim ário e a evolução da rede escolar, G rácio distingue três fases no percurso da escola prim ária nacionalista:38 um a prim eira fase situada nos anos trinta, caracterizada pelo crescim ento moderado da rede escolar - que se acelera a partir de m eados da década devido à abertura dos postos escolares - e pela depressão do número de m atriculados a partir de 1935. U m a segunda fase, depressiva, na década de quarenta, caracterizada pela inflexão da rede e pela quebra do núm ero de matriculados. A travagem no crescim ento da produção industrial determ inou a falta de recursos - que a guerra agravou vindo a ter incidências, quer na oferta estatal, quer na procura de ensino. O regim e estaria também, segundo Sérgio G rácio, a pagar agora a factura das decisões anteriores, nom eadam ente a m anipulação do estatuto dos professores, podendo relacionar-se o encerram ento das Escolas do M agistério com a falta de professores.

U m a terceira fase teve início nos anos 50 e foi m arcada, quer pela expansão da rede, quer pelo crescim ento rápido do número de m atriculados. O traço mais característico deste período foi, para Grácio, a oferta antecipar-se à procura, residindo aí a m anifestação de um "voluntarism o governam ental" na prom oção da escolaridade de 1949 em diante. O crescim ento económ ico do pós-guerra aum entou os recursos estatais, perm itindo a expansão da rede escolar que se traduziu na criação de Escolas de

37 Sérgio G rácio, P olilica E ducativa..., p. 23 38 Sérgio G rácio, P olítica E ducativa..., p. 27

A E scola d e A p ren d izes da C P

M agistério Prim ário e na im plem entação das construções escolares. A o m esm o tem po, a subida do nível de vida das fam ílias ter-lhes-á disponibilizado os m eios necessários para poderem enviar os filhos à escola. O corolário desta fase expansionista foi o alargam ento da escolaridade obrigatória para quatro anos (em 1956 para os rapazes e em 1960 para as raparigas) e a escolarização plena até à 4a classe atingida na década de sessenta.

R eferindo-se aos ritm os de crescim ento do ensino prim ário, Sérgio Grácio observou que a política do Estado N ovo para a educação se pautou, po r um lado, pelo nivelam ento por baixo e, por outro, pela tentativa de ajustar a definição institucional à realidade da procura popular de ensino. Dito de outra forma, para G rácio, tratou-se de refrear as despesas alargando ao m esm o tem po a oferta estatal de ensino e, por outro lado, de se ajustar à procura num a tentativa de adequar a educação escolar à estrutura social.39 Contudo, para- G rácio, não é lícito afirm ar que tenha existido por parte do “ethos” dirigente "um plano de longo prazo plenamente arquitectado tanto na consciência dos fins com o na adequação dos m eios".40 Para este autor, são a natureza estável do regim e e a continuidade da acção governam ental que perm item , em análise retrospectiva, um a interpretação objectiva que m ostra a coerência do conjunto sem ser o produto desse plano. E, para Sérgio G rácio, essa interpretação retrospectiva permite gizar um modelo de desenvolvim ento da escolarização básica prosseguido pelos governos do Estado N ovo caracterizado pela ausência de produção anóm ica de aspirações, pela parcim ónia das despesas públicas, pela possibilidade de colocar tão cedo quanto possível no activo das suas realizações a escolarização elem entar de todas as crianças portuguesas e pelo ajustam ento tendencial à estrutura da procura popular da educação .4! C om o escreveu G rácio, "não se tratou apenas de p ô r ordem nas finanças porque a form a de o fazer estava tam bém objectivamente orientada p ara criar ordem nos espíritos".42 O rdem nas finanças, nivelando por baixo, contendo as despesas,

39S érgio G rácio, P olítica E ducativa..., p .32 40S érgio G rácio, P olítica E ducativa..., p.33 41S érgio G rácio, P olítica E ducativa..., p.38 42 S érgio G rácio, P olítica E ducativa..., p. 38

D e a p re n d iz a cidadão

em baratecendo e alargando a oferta estatal, e ordem nos espíritos, adequando a educação escolar à estrutura social. Por isso, no quadro do debate suscitado pela problem ática da correspondência entre a escolarização e as aspirações sociais, a política do Estado N ovo para a educação consistiu, no dizer de Grácio, num a tecnologia social, isto é, "num conjunto de m edidas objectivam ente orientadas, no caso dos utilizadores da escola, não para influir na sua trajectória social (...) mas na representação que os sujeitos tinham do seu destino; e, portanto, tam bém orientadas para influir no ajustam ento da expectativa subjectiva ao destino objectivo".43