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De aprendiz a cidadão : a escola de aprendizes da C.P. no Entroncamento 1943-1976

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FA C U L D A D E D E PS IC O L O G IA E C IÊN C IA S D A E D U C A Ç Ã O

De aprendiz a cidadão

A Escola de Aprendizes da C. P. no Entroncamento

1943

-

1976

Henrique dos Reis Leal

D issertação de Mestrado em Ciências da Educação

História da Educação

Orientada pelo Professor Doutor António Nóvoa

(2)

-CLÇ * W *

D e a p ren d iz a cidadão

Agradecimentos

A gradeço aos responsáveis da F em ave, aos senhores Isidoro M artins e L ucílio L opes, p o r m e terem to m a d o acessível o “corpus” docum ental e disponibilizado a sala do arquivo para p o d er o rganizar e co n su ltar a docum entação e ainda pela franqueza de m e terem aberto as portas da instituição.

D eixo tam bém o m eu obrigado à C eleste R afael e ao engenheiro C arlos S im ões por m e terem p erm itido a consulta de um m aço de docum entos relativos à Escola de A prendizes que está à gu ard a da secção de Pessoal da EM EF.

A o A rnaldo M arques, ao C arlos Ferreira e à M anuela Poitout agradeço a p aciência pela leitura e revisão do texto da tese.

A o João C aldeira, presidente da Junta de F reguesia e antigo aprendiz, Fico g rato por se ter constituído um elo de ligação entre diversos testem unhos ligados à Escola de A prendizes.

T am bém estou grato ao doutor G ilberto G om es, da secção de Patrim ónio d a R efer. O interesse que desde a no ssa p rim eira conversa m anifestou em relação ao m eu trabalho e as opiniões sábias com que foi ilum inando o p ercurso da m inha investigação na escola e na em presa foram decisivos para um a m elhor co m p reen são do processo e as suas palavras foram para mim um precioso incentivo.

Q uanto aos aprendizes, quero dizer-lhes que foi um privilégio p o d er realizar este trabalho. A residir na cid ad e ferroviária há m ais de vinte anos, tenho p o d id o desfrutar a am izade e ca m arad ag em de dezenas de hom ens da m inha geração ou afins que, em anos diversos, frequentaram e se form aram na E scola de A prendizes. T o d o s m e disponibilizaram um a palavra nova, um a lem b ran ça necessária, uma m em ória afectiva ou pitoresca, m uitos deles me facultaram inform ação objectiva. N ão p o dendo co rrer o risco de individualizar e esquecer alguém , daqui envio a to d o s esses ex-aprendizes, ho je cid ad ão s da m inha terra e d o m eu país, o m eu abraço fraterno e grato.

A o s professores e colegas do m estrado estou grato p ela dedicação e cam aradagem que tom aram este p ercurso m enos solitário. U m obrigado m uito especial ao M anuel H en riq u e pelo sen tid o de entreajuda e pelas “ dicas” que foram sem pre úteis e estim ulantes.

A o p ro fesso r N óvoa, para além do aco m panham ento exem plar do trabalho, quero ag rad ecer a cordialidade cú m p lic e e o incentivo gratificante que sem pre senti nas suas palavras ditas e escritas.

À Luz, ao G onçalo e à Joana, agradeço a solidariedade resistente e a co n sciê n cia crítica da partilha de um a tarefa que, por isso, tam bém lhes pertence.

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D e a p ren d iz a cidadão

“En lugar de fo rm ar ciudadanos, preparam os técnicos cualificados. La

escuela desautoriza, así, la antigua paideia grega, la m oderna bildung

alem ana, conceptos globalizadores que se negaban a separar cultura,

educación y civ ilid ad .”

(4)

A E sc o la de A p ren d izes da CP

índ ice geral

1 Introdução I 1 Obiecto de estudo 1.2. Perspectivas de trabalho 1.3. M etodologia de trabalho

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Inètt

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i i Ü h l vér ö i däd é id ö íLtsfco ä '=

BIBUOTcCA 6 9 12 14 1.4. Plano do trabalho 2®

1.5 0 acervo docum ental da Escola de Aprendizes do Entroncam ento 23

1 6 Ficheiro geral dos aprendizes 27

1 7. A em ergência de uma história local de educação? 29 2. O ensino técnico em Portugal nos anos 40

2.1. A política educativa do Estado N ovo e os antecedentes

2.2. O ensino técnico em Portugal nos anos 40 34

2.3. A legitimação da formação técnica: escola ou mundo do trabalho? 39

2.4 A escola técnica e as em presas ^

3. A Reforma de 1947/48 e o novo estatuto do ensino técnico 3 . 1 . 0 novo ensino técnico

3.2 O parecer da Câm ara C orporativa 50

3.3 O debate na Assembleia Nacional 53

3.4. O testem unho do director geral do ensino técnico 55

4 A L'tcola de Aprendizes da CP ^

4 1 A Lscola d o B auen o

4 2 A Escola d e Aprendizes d o Fntronoainem o h 7 4 > A 1-biola do A piondi/es do hniiorkcimonio e a Reforma do I lM7'4S Só

4 4 A K c u l a e o l l a i n o C amõos 01

4 4 I O F n tio n c a in e n td o o E stado N o v o ^ V 4 4 2 A Escola C am ões

(5)

D e a p re n d iz a cida d ã o

5 O modelo de aprendizagem da Escola de Aprendizes da CP

5.1. A adm issão dos aprendizes, uma procura optimista de ensino 104 5.1.1. Aprendizes para a CP, operários para o país 108

5.1.2 As condições de adm issão *12

5.1.3 O exam e de adm issão 1*5

5.1.4 Admissões, habilitações e residência **9

5.2. A (des) construção do currículo *2 5

5 2 1 0 cum culo explicito * 1

5 2 2 A iccsiiuturaçâo dos cuisos ' ' f'

5 2 ' l.lectiicistas e sen alheiros de m otoies 1 5 2 4.Classificação, aproveitam ento e integração na empresa 141

5 2 5 Assiduidade, im itid o e disuplina •■lõ

5.3 O currículo oculto *51 j

s i 1 As tiases da semana ■s ;

5 3.2 As frases da semana e o ideário do Estado N ovo 167

5 4

O s

espaços e teinpos da escola I^V

5 5 (K actores |7 Í

5 s

1

A direcção da Fscola de A prendi/es 17 V

5 5 2 0 corpo docente 1

* 5 3

O s

aprendi/tis 179

6. A aprendizagem nas em presas 186

7. Conclusão 2" ;

X Hihliogratia 212

(6)

A E scola d e A pren d izes d a CP

T abela de siglas e abreviaturas

CP - C om panhia dos Cam inhos de Ferro Portugueses CRGE.s - C om panhias Reunidas de Gás e Electricidade DE - D esenho esquem ático

DLG - D esenho linear e geométrico DM - D esenho de m áquinas

DP - D esenho de projecções

EM EF - Em presa de M anutenção de Equipam entos Ferroviários EU RO FIM A - Sociedade de Financiamento de M aterial Ferroviário FERN A V E - Form ação Técnica, Psicologia A plicada e Consultoria em

T ransportes e Portos, S.A. INEF - Instituto N acional de Educação Física LISN AV E - Estaleiros N avais de Lisboa

O GM A - O ficinas Gerais de M aterial A eronáutico

O RE - O rganização de Pesquisas e Ensaios (integra a UIC) PIDE - P olícia Internacional de defesa do Estado

PVDE - P olícia de V igilância e Defesa do Estado R EFER - R ede Ferroviária Nacional

RUP - Rede ferroviária unificada portuguesa

SO FRERA IL - Sociedade Francesa de Estudos e R ealizações Ferroviárias SO R EFA M E - Sociedades Reunidas de Fabricações M etálicas

UIC - U nião Internacional dos Cam inhos de Ferro U TE - U nidade Tripla Eléctrica

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D e a p re n d iz a cida d ã o

1. In trod ução

N os dias que correm, estigm atiza-se o sistema educativo porque, após a escolaridade obrigatória ou mesm o após a conclusão do ensino secundário, os nossos jov en s deixam a escola numa situação de "desqualificação", sendo frequente ouvir-se que “não sabem fazer nada". Há cinquenta ou sessenta anos, a situação era bem mais grave: um a parte dos nossos jovens não frequentava a escola; outros cum priam apenas os três/quatro anos de escolaridade obrigatória, sendo de im ediato arredados da escola e iniciados no m undo do trabalho.1 Chegados à idade dos que hoje term inam o ensino secundário eram com pletam ente analfabetos porque o corte radical com qualquer forma de escolarização lhes fizera perder o pouco que antes haviam aprendido. A penas uma m inoria prosseguia estudos pós prim ários nos liceus ou nas escolas técnicas.

Q ue brechas haveria na rede escolar nos anos quarenta que justificassem que algum as em presas optassem por criar escolas de aprendizes a fim de form arem a mão de obra qualificada necessária? E que necessidades económicas e em presariais específicas levaram a C om panhia dos Cam inhos de Ferro Portugueses a criar a(s) sua(s) Escola(s) de A prendizes?

Qual a im portância que a form ação de aprendizes teve no sistem a educativo português entre os anos quarenta e setenta do século XX? Q ue m ais valias resultaram dessa form ação, qu er para a CP, quer para a econom ia e para o país, quer ainda para os jo vens que frequentaram a Escola de A prendizes?

Qual o percurso escolar do aprendiz da CP?

N o meu trabalho pretendo estudar a Escola de Aprendizes que a C om panhia dos Cam inhos de Ferro Portugueses criou no Entroncamento no início dos anos 40, procurando com preender o seu significado e a pertinência da sua criação no contexto

1 A ntónio N ó v o a lem bra que, cerca de 1960, Portugal possuía ainda uma taxa de a n a lfab e tism o superior a 30% e um a taxa de escolarização inferior a 50% ” A Educação N acional, 1930-1974 : A nálise H istórica e H istoriográfica” , in A ctas d e i I I E ncuentro Ibérico de H istoria d e la E ducación,

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A E scola d e A p ren d izes d a CP

das políticas educativas da época em que se insere, procurando não esquecer, com o bem escreveu Daniel H am eline, "quanto a história da educação escolar atravessa a história económ ica, a história religiosa, a história política e se encontra constantem ente atravessada por elas".2

É tam bém objectivo do trabalho procurar perceber a im portância deste tipo de formação, com o um ram o específico do ensino técnico, quer para a CP e para a econom ia portuguesa em geral, quer para os jovens que o frequentaram. C om o na época escreveu Carlos Proença, citando M anoilesku, um conhecido panfletário rom eno, "a preparação dos jo v en s nas escolas profissionais de qualquer especialidade há-de deixar a cada um deles a possibilidade de se evadir dela e de - obtidas garantias de real capacidade - m udar de carreira.".3 De facto, com o procurarei analisar, recorrendo a entrevistas e inquéritos e aos docum entos da própria Escola de A prendizes, um a boa parte dos antigos aprendizes não vieram a exercer a profissão operária para a qual obtiveram form ação enquanto aprendizes. Tal circunstância parece constituir um paradoxo na form ação e por essa razão decidi ancorar nela o título que dei à m inha tese, "De aprendiz a cidadão".

O paradoxo reside na aparente contradição entre o objectivo central da form ação - preparar m ão de obra qualificada para suprir as necessidades da em presa dos cam inhos de ferro - e os resultados a médio e a longo prazo - os formandos / form ados vieram a desem penhar funções profissionais que teoricam ente não iam ao encontro das necessidades que tinham fundam entado a sua formação. Por esta razão, entendi utilizar aqui um conceito m ais lato de formação, "este fim simples e sublim e: form ar hom ens"4, e erigir com o tese que a Escola de A prendizes realmente não transform ou aprendizes em operários, m as antes formou cidadãos. N o fim de contas, trata-se de retom ar um

>

debate actual m as já antigo, e que também fez escola na época5, entre os que defendem

2Daniel H am eline, “ P refácio” in A ntónio N óvoa, L e tem ps d e s professeurs, INIC, Lisboa, 1987, p.X X lII

3 C arlos P roença, E scolas Técnicas, n° 1, vol. I, 1946, p . 17

4 D eputado C erv eira P into no debate da proposta do governo para a reform a do ensin o técnico,

S essão da A ssem bleia N acional de 29 de Janeiro de 1947, E scolas T écnicas, n° 6-7, S eparata, vol.II, 1949, p. 187

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D e a p ren d iz a cidadão

formações específicas e os que propugnam pela formação integral ou, sim plesm ente, entre instrução e educação.6 Com o escreveu M aria Cândida Proença, “ao longo dos dois últim os séculos têm sido violentas as discussões entre os defensores das cham adas educação hum anista e educação utilitária, ou seja se o ensino, aos níveis prim ário e secundário, deve apenas fornecer uma base mais ou menos alargada de conhecim entos gerais, ou se deve preparar para a vida activa e o desem penho de um a profissão” .7 No caso da Escola de A prendizes, era explícito o objectivo de form ar para o desem penho de uma profissão. C ontudo, o resultado não ficou circunscrito à form ação de operários dóceis, obedientes e disciplinados, em bora evidentem ente com petentes no labor dos seus ofícios.

O paradoxo em que assenta a minha tese foi já levantado noutras ocasiões e pode m esm o dizer-se que constituiu uma das questões estruturantes da educação no Estado Novo. G losando um a m etáfora que ficou famosa, trata-se da "incom patibilidade entre a arte de bem lim ar e o conhecim ento da raiz quadrada".8 A inda antes da reform a do ensino técnico de 1948, já se afirm ava que os alunos das escolas industriais não aceitavam de boa vontade a situação de operários e "buscam ser desenhadores, traçadores, em pregados de escritório, de preferência a ser ferreiros ou torneiros."9 E que a escola "confere sem pre ao aluno... certo alargam ento das exigências intelectuais, certo alteam ento de critério na selecção de valores..."10 A escola, diria Sérgio Grácio, aum enta as expectativas sociais naqueles que a frequentam e esse foi o grande problem a e o grande tem or dos dirigentes do Estado Novo.

6 A ntónio N óvoa d istin g u e objectivam ente a educação salazarista da instrução republicana, considerando que o E stado N ovo, a o reeditar a dicotom ia, procura legitim ar um a estratégia de redução e sim plificação das aprendizagens esco la re s e de reforço das com ponentes m orais e religiosas. “ A E ducação

N acional....” ., p . 177

7 M aria C ândida P roença, O S istem a de E nsino em Portugal, séculos X IX - X X , coord. de, C olibri, L isboa, 1998, p.7-8

8 “ P arecer da C âm ara C o rporativa acerca da proposta de lei n° 99 sobre a R eform a do E nsino T écn ico ” ,

E scolas T écnicas, n° 6-7, S eparata, vol. II, 1949, p. 35

9 “P arecer da C âm ara C o rporativa...” , E scolas Técnicas, n° 6-7, Separata, vol. II, 1949, p. 35 10 “ P arecer da C âm ara C orporativa...” , E scolas Técnicas, n° 6-7, Separata, vol. II, 1949, p. 35

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A E scola d e A p ren d izes d a CP

1.1. O objecto de estudo

Em Portugal, existem já algumas obras de referência sobre a história dos cam inhos de ferro, nom eadam ente editadas pela CP, e pode tam bém considerar-se relativam ente abundante a série de estudos e publicações sobre tem as de educação e história da educação. Conhecem -se também obras que abordam a política educativa do Estado Novo, nom eadam ente textos assinados por António N óvoa, M aria Filom ena M ónica e Sérgio G rácio .11 Todavia, não se conhecem trabalhos sobre essa outra forma de ensinar e aprender instituída pelas em presas para form arem a m ão de obra qualificada de que necessitavam , com o é exem plo a formação realizada pela CP nas suas Escolas de A prendizes. Daí o ponto de partida deste trabalho.

O presente estudo tem, pois, por objecto o ensino técnico de em presa em Portugal nos m eados do século XX, na área dos cam inhos de ferro. R esidente há mais de duas décadas na cidade ferroviária do Entroncamento e profissional do ensino, a m inha escolha assum e-se, a partir do contexto sócio-profissional e da observação do tecido social envolvente, com o uma tentativa de contextualizar e interpretar a formação de aprendizes na C om panhia dos Cam inhos de Ferro Portugueses, integrando-a no quadro global do Sistem a Educativo Português nos anos 40 a 70 do século XX.

O estudo e da investigação centram -se na Escola de A prendizes da CP no Entroncam ento na época em análise. Tam bém farei uma breve referência à form ação de aprendizes nas escolas do Barreiro e de Cam panhã durante o m esm o período, em bora me tivesse ali confrontado com um processo irreversível de delapidação do acervo docum ental. Cheguei ainda a intentar realizar um esboço de sistem atização do ensino de

11 Entre outras obras, foram essencialm ente consideradas: de A ntónio N óvoa, “A « E d u cação N acional»", in P ortugal e o E stado N o vo (1 9 30-1960), coord. de F ernando Rosas, P resença, Lisboa, 1992, pp. 455 a 519 e “ A «E ducação N acional» (1930-1974): A nálise H istórica e H istoriográfica” in “ Los cam inos hacia la m odem idad educativ a en Espafia y Portugal (1800-1975)” , A cta s del I I E n cu en tro Ibérico d e H istoria

de la E ducación, Z am ora, 7-10 de Junio de 1995, pp. 175 a 202; de Sérgio G rácio, P o lítica E ducativa conto Tecnologia Social, A s reform as do Ensino Técnico de 1948 e 1983, H orizonte, L isboa, 1986, pp.

223 ; de M aria F ilom ena M ónica, E ducação e Sociedade no P ortugal de Salazar, P resença, Lisboa, 1978, pp.427.

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D e a p re n d iz a cidadão

em presa em Portugal, m as rapidam ente me dei conta das dificuldades na localização das fontes e da necessidade de um outro fôlego para ancorar tal projecto.

Proponho-m e abordar o funcionam ento da Escola de A prendizes da CP no Entroncam ento, bem com o descrever o seu quadro curricular articulado com a em presa dos cam inhos de ferro. Procurarei ilum inar esta valência da form ação profissional, a form ação de em presa, não apenas para questionar a form ação actual, mas essencialm ente para partilhar reflexões sobre estratégias de inserção dos jov en s no m ercado de trabalho, conhecer e discutir práticas inovadoras de form ação profissional e perspectivar m odalidades de form ação em contexto de trabalho.

N um a altura crucial para a consolidação da Reforma Educativa na Escola, nom eadam ente através dos contextos axiológicos decorrentes do novo quadro da autonom ia, com o sejam , por exem plo, a entrada em funções dos novos órgãos de gestão, da A ssem bleia de Escola e do novo Conselho Pedagógico, da aprovação e entrada em vigor do R egulam ento Interno, enquanto instrum ento inovador e norm alizador da vida escolar, da elaboração e im plem entação do P rojecto Educativo, a configurar uma identidade própria para cada escola e a determ inar a sua cultura e os seus projectos, a investigação que realizei parece-m e pertinente.

A flexibilidade curricular que se procura erguer como em blem a pedagógico da autonom ia acaba sem pre por ser esvaziada de sentido e reduzida no seu peso real, já que os currículos não m ostram outro cam inho que não seja o prosseguim ento de estudos e, portanto, os exam es e o acesso à universidade. É que “o ensino secundário, no contexto do sistem a educativo português, tem assum ido o papel de «corredor de passagem » entre o ensino básico e o ensino superior. Esta concepção, m uito enraizada em muitos sectores da sociedade portuguesa, descaracteriza claramente este ciclo de estudos e, ainda mais preocupante, não facilita a inclusão de muitos jo v en s no sistem a de ensino nem a sua transição para o m undo profissional.” 12 É necessário encontrar respostas para esses milhares de jov en s que todos os anos são arredados do sistem a de ensino, quer

12 M inistério da E ducação, D epartam ento do Ensino Secundário, Revisão C u rricu la r n o E nsino

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A E scola d e A p ren d izes da CP

tenham ou não concluído o ensino secundário. Por isso se to m a indispensável equacionar alternativas credíveis e viáveis para os currículos generalistas e m assificadores que, em regra, bordejam o ensino secundário. P or outro lado, unificar o ensino no terceiro ciclo pode também não significar, necessariam ente, que todos os alunos tenham de fazer, com o agora fazem, as m esm as aprendizagens.

A revisão curricular que se avizinha evidencia alguns sinais de m udança ao acentuar a natureza term inal do ensino secundário e ao assum ir a diversificação dos percursos de educação e formação secundárias. N o entanto, m antém -se a dicotom ia cursos gerais/cursos tecnológicos, não se vislum brando muito bem a inovação em relação à diferenciação anterior entre os cursos orientados para o prosseguim ento de estudos e os cursos orientados para a vida activa.

A form ação secundária tem de ser orientada para a vida, no sentido de apetrechar os jov en s com saberes e com petências que no final do secundário lhes perm itam , quer o prosseguim ento de estudos, quer o enveredar por um a profissão. Poderá parecer irrealista adm itir que todos os alunos que optarem pelos cursos tecnológicos concluam o secundário e obtenham efectiva preparação para o desem penho de uma profissão. Todavia, é muito mais absurdo pensar que todos os alunos que optam pelos cursos gerais venham a concluí-los e a prosseguir estudos superiores e, m esm o aí, a concluí-los. E estes últim os são a maioria. Por isso se afirm a a necessidade de um m odelo de form ação que tenha com o objectivo central a preparação para a vida. Q ue é sem pre activa e inclui naturalm ente o eventual prosseguim ento de estudos superiores ou outros.

U rge desm istificar uns tantos m al-entendidos que continuam a ensom brar a im agem que os alunos e a com unidade em geral ainda vão desenhando da escola. As perspectivas abertas, quer pelas Escolas Profissionais, quer pelo Instituto de Em prego e Form ação Profissional em colaboração com muitas instituições e em presas, se, por um lado, vão apresentando serviço e ilum inando caminhos, por outro, encontram -se contornadas por lim itações específicas que as inviabilizam enquanto resposta e alternativa para o todo que é a com unidade educativa. C onhecer os antecedentes da

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D e a p ren d iz a cida d ã o

articulação entre a form ação e o mundo do trabalho e perspectivar possibilidades de generalização dessa relação como pistas para novas formas de escolarização pode constituir um ponto de partida para um debate que ju lg o actual e necessário.

1.2. Perspectivas de trabalho

A análise de um a realidade histórica que está aqui ao lado, que condiciona ainda de forma viva e actuante as balizas do nosso quotidiano, impôs-m e, desde o início, um certo desconforto e a pressão da necessidade de me distanciar. Em boa m edida, estou a perscrutar a m inha própria existência e a de outros actores sociais que com igo interagem. M ais do que trabalhar no "silêncio dos m ortos", é do "ruído dos v iv os"13 que se trata. É óbvio que não podem os fazer de conta. "Conhecer, desconhecer e reconhecer" l4constituir-se-ão num percurso dialéctico na tentativa de superar o problem a do distanciam ento.

Todavia, assum o form alm ente o risco de "utilizar o passado com o fonte de legitim ação do presen te".15 Mas poder-se-á conceber o presente na ausência dessa necessidade de legitim ação? Não é a necessidade de identidade e legitim ação que leva os hom ens a perscrutar o passado, mesm o o passado recente, "para com preender mais do que lem brar, para pôr ao alcance de todos o que pode enriquecer a cultura, para m elhorar a real dim ensão dos acontecim entos, enfim , para definir o papel dos hom ens na sociedade e para afinar o sentido do hum ano"?16

Q ue esta não seja apenas mais uma "história de introdução ao p resente” , mas antes um a contribuição para "o conhecim ento científico das sociedades contem porâneas, na m edida em que estas estão em crise e com prom etidas duma m aneira cada vez m ais consciente na transform ação prática das suas condições de existência".17 Procurarei aproveitar a vizinhança temporal e epistem ológica para intentar

13 A ntónio N óvoa, “A E ducação N acional...”, p.186 14 A ntónio N ó v o a, “ A E ducação N acional...” , p.186 15 A ntónio N ó v o a, “ A E ducação N acional...” , p. 182

16 Pierre S alm on, H istória e C rítica, Liv. A lm edina, C oim bra, 1979, p.233 17 Pierre S alm on, H istória e C rítica..., p .232

(14)

A E scola d e A pren d izes da C P

algum diálogo com a sociologia, nomeadamente para tentar perceber as m otivações dos actores sociais envolvidos na transform ação das suas condições de existência.

Quanto ao debate ideológico, continuam os a não poder fazer de conta: a prática da cidadania activa im plica o com prom etim ento das ideias e o envolvim ento nas práticas sociais que nos parecem mais justas. "Pode um m ilitante que procura com preender ser um bom historiador do que lhe acontece?"18 Lem brando D ew ey, "não _ há outros m ateriais acessíveis para a elaboração dos princípios directores e das hipóteses além daqueles que nos fom ece a contem poraneidade histórica. Q uando a cultura m uda, as concepções dom inantes na cultura dada mudam igualm ente. Surgem necessariam ente novos pontos de vista...". 19Somos produto de um tempo e da cultura que nele se inscreve. Q uando avaliam os os acontecimentos e as condutas hum anas, fazem o-lo a partir do sistem a de valores que espontânea ou conscientem ente adoptám os e que nos proporciona os m odelos e as medidas para essa avaliação.20Para usar as palavras de Adam Schaff, "o historiador, sujeito que conhece, é um homem com o qualquer outro e não pode libertar-se das suas características humanas: não é capaz de pensar sem as categorias de um a língua dada, possui uma personalidade socialm ente condicionada no quadro de um a realidade histórica concreta, pertence a uma nação, a uma classe, a um meio, a um grupo profissional..., com todas as consequências que tudo isto im plica no plano dos estereótipos que aceita, da cultura de que é ao m esm o tem po um a criação e um criador".21

Proponho-m e não incorrer nem na "pura denúncia" nem na "sim ples hagiografia"22 e, afastado o preconceito da objectividade, tentarei elaborar uma "síntese hipotética", isto é, síntese na m edida em que se tende a reconstituir um a totalidade a partir do conhecim ento dos factos particulares, e hipótese na m edida em que as relações

18 D aniel H am eline, “ P refácio” , in A ntónio N óvoa, Le tem ps d e s pro fesseu rs, IN iC , Lisboa, 1987, p. XXII

19 John D ew ey, Logic: The T heory o f Inquiry, N ova Iorque, 1949, p. 98 20 A dam Schaff, H istória e Verdade, E stam pa, Lisboa, 1974, p.250 21 A dam Schaff, H istória e Verdade..., p.273

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D e a p re n d iz a cidadão

estabelecidas entre esses factos nunca serão absolutam ente evidentes nem verificáveis.23 A natureza m onográfica do trabalho, pelo objecto que trata e pelos actores cuja interacção procura captar, im pôs-m e alguma contenção teórica. T ratando-se do estudo de um a instituição particular, marginal em relação ao sistem a educativo da época, pareceu-m e arriscado subm etê-la a quaisquer m odelos de interpretação de vocação universal. Procurei, por isso, cingir-m e a um discurso mais narrativo, preocupando-m e m ais em descrever do que interpretar, em bora tenha registado, frequentem ente, as m inhas reflexões. N este sentido, assumo alguma identificação com linhas historiográficas da H istória N ova, segundo as quais a história deve encontrar cam inhos para chegar ju nto do público, não apenas do público específico das academ ias e das universidades, m as do público cidadão, afinal de contas, daqueles leitores que, na resposta às suas necessidades de identificação, constituem a própria razão de ser da história. Com o escreveu Paul Veyne, a história confere aos hom ens a possibilidade “de jo g a r com o que são uma vez que tiverem tomado consciência disso” ou, com o disse M ichel de Certeau, ela “perm ite explicitar a identidade social, situando a sociedade presente face às outras. Confere à nossa sociedade a espessura de um passado legitim ante.”24 V alorizar a disciplina científica que estuda o passado é tam bém enunciar as suas virtualidades form ativas no desenvolvim ento da pessoa e na form ação do cidadão. É que, com o escreveu M attoso, “só me atrai, no passado, aquilo que me perm ite com preender e viver o presente” .25

1.3. M etodologia de trabalho

Estabelecidos, na introdução, alguns lim ites estruturantes da form a com o o trabalho se irá desenvolver, passo a descrever o plano da dissertação e a m etodologia que foi utilizada. N ão se conhece na história da educação outra m etodologia que não a utilizada pela história. A pós ter esboçado um quadro teórico em brionário que me perm itisse ver algum as setas a indicar o cam inho, encetei um a fase de investigação e

23 A dam Schaff, H istória e V erdade..., p.274

24 G uy Bourdé e H ervé M artin, A s E scolas H istóricas, E uropa A m érica, L isboa, 1990, p.210 25 José M attoso, A escrita da história, Estam pa, Lisboa, 1998, p.21

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A E scola d e A p re n d ize s da CP

recolha de docum entos, prim ordialm ente no arquivo morto do Centro de Form ação da F em ave, hoje herdeiro da antiga Escola de A prendizes da CP no Entroncam ento.

Centenas de pastas com docum entos e milhares de papéis avulsos estavam guardados em arrecadações do Centro de Form ação.26 Fui autorizado a transferir todo o acervo para um a sala do arquivo da escola, em lugar acessível e onde houvesse condições para poder trabalhar. Iniciei as m inhas buscas com eçando por organizar as pastas de acordo com um a ordem cronológica e, posteriorm ente, seguindo a natural ordem num érica da escola que tom ava aquela mais precisa. Encontrei essencialm ente pastas com exercícios de desenho, relatórios dos aprendizes relativos ao seu estágio nas várias secções da oficina, exercícios oficinais e pastas com pautas de classificação e de exame.

Depois de ordenar num ericam ente as pastas de desenho e os relatórios dos aprendizes, iniciei o longo trabalho de organização dos docum entos dispersos e avulsos e cedo m e apercebi de que se não tratava apenas de docum entos autónom os, mas tam bém de folhas que se haviam soltado das pastas que já tinha ordenado. Colocava-se um a questão: introduzir sim plesm ente as folhas dentro do cadem o respectivo, pasta de desenho ou relatório, ou tentar situá-las dentro de uma ordem cronológica dado que uma boa parte dos docum entos se encontram datados. Contudo, dei-m e conta que os docum entos nas pastas nem sem pre respeitavam a ordem cronológica, qu er na origem , a partir da própria m ão do form ando, quer por força das vicissitudes posteriores dado que os docum entos se encontram soltos e portanto susceptíveis de caírem e serem repostos a granel dentro das pastas. A nalisando pasta a pasta, dei-m e até conta de que havia docum entos de aprendizes arrum ados em pastas pertencentes a outros aprendizes. Tais foram portanto as m inhas preocupações iniciais: repor uma ordem m ínim a nos docum entos, m antendo-os tão intactos quanto possível, arquivando dentro das pastas de cada aprendiz todos os docum entos que lhe diziam respeito.

26 Infelizm ente nào se poderá afirm a r o m esm o em relação às Escolas d o B arreiro e de C am p an h ã onde m e dirigi em busca da docum entação relativa aos aprendizes: no prim eiro ca so foi q u eim ad a e no segundo foi vendida a peso co m o papel velho.

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D e a p ren d iz a cidadão

N ão realizei qualquer tipo de classificação dado que se tratava apenas de quatro categorias de docum entos perfeitam ente identificadas: exercícios de desenho, relatórios das secções, exercícios oficinais e pautas de exam e e de aproveitam ento. Por outro lado, a num eração em série única, aliada a inform ações como o nome do aprendiz, o ano lectivo e a turm a, perm item uma cabal identificação do docum ento. A m edida que ia avançando na ordenação da docum entação, ia organizando um ficheiro geral dos aprendizes e registando toda a ocorrência pertinente.

A pós ter todo o acervo respeitante aos aprendizes devidam ente organizado e consultável, colocava-se a questão acerca do que fazer com ele. Era óbvio que se não podia voltar a am ontoá-lo nas arrecadações. N ão só eram evidentes os riscos de delapidação, pela m anifesta inadequação das condições existentes, com o se estaria a esbanjar todo um trabalho de organização que me levou meses a pôr de pé. C olocado o problem a aos actuais responsáveis da instituição, aos senhores engenheiro Fonseca e M ário Rodrigues, foi pensada uma solução logística que perm itiu albergar a docum entação no próprio arquivo da Femave.

P resum indo que, pelas contingências do quotidiano, tal solução possa não ser viável com o solução definitiva, contactei o presidente da Com issão Instaladora do M useu N acional Ferroviário no Entroncam ento no sentido de que o arquivo da Escola de A prendizes se venha um dia a ju ntar a outros docum entos respeitantes ao cam inho de ferro, na constituição de um centro de docum entação ferroviária que certam ente em m uito enriquecerá o espólio e as valências do museu.

Todavia, aos investigadores que vierem na minha peugada ou aos arquivistas que pretendam colocar em form a própria todo aquele acervo docum ental, ju lg o deixar um cam inho com m enos escolhos do que aquele que me foi dado trilhar, apesar dos apoios e vontades registadas.

Em paralelo, iniciei também as minhas pesquisas nos serviços de Pessoal da EM EF no Entroncam ento, na biblioteca do Centro de Formação da F em ave e na Escola Cam ões, que albergou a Escola de A prendizes entre 1959 e 1969. Em Lisboa, nos serviços centrais da antiga CP, consultei os arquivos da Divisão de Infra-estruturas, da

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A E scola d e A p ren d izes d a C P

D ivisão de M aterial, da D irecção de Recursos H um anos/D epartam ento de Pessoal e, sobretudo, a biblioteca do grupo de trabalho do Patrim ónio H istórico da Refer.

Sem m enosprezar qualquer das colaborações que m e foram prestadas, devo realçar a im portância do contributo dos serviços de Pessoal da EM EF no Entroncam ento e do grupo de trabalho do Patrim ónio da Refer em Lisboa. No Entroncam ento, foi-m e disponibilizado um im portante maço de docum entos relativos à Escola de A prendizes que m e perm itiram visualizar a instituição com o um todo, nom eadam ente no seu relacionam ento com a em presa dos cam inhos de ferro ao longo dos trinta e três anos da sua existência. De toda essa docum entação elaborei registos, utilizando as facilidades concedidas, nom eadam ente a faculdade de poder fotocopiar docum entos. Foram assim constituídos dois volum osos dossiers, ordenados cronologicam ente e que, na som bra, constituem um suporte fundamental do meu trabalho. A inda no Entroncam ento, na biblioteca da F em ave, pude consultar obras de tem ática ferroviária, nom eadam ente a

Gazeta dos Cam inhos de Ferro. M ãos am igas foram depositar na m inha casa duas

colecções do Boletim da CP. A im portância de tal docum ento no alicerçar da investigação e a com odidade de o ter sem pre à m ão avolum am a generosidade do em préstimo.

Em Lisboa, na biblioteca do grupo de trabalho do Patrim ónio da R efer, pude consultar docum entação e obter referências bibliográficas pertinentes para esclarecer a articulação entre a evolução tecnológica e económ ica da CP e os diferentes ritm os da Escola de A prendizes.

N um âm bito m ais geral, realizei pesquisa bibliográfica na pista do antigo Fundo de D esenvolvim ento da M ão de Obra, nom eadam ente para procurar os questionários de um inquérito realizado nos m eados da década de sessenta a uma am ostra nacional de duas mil em presas e que respeitava à problem ática da aprendizagem nas em presas. A pesar do insucesso do em preendim ento, a pesquisa realizada perm itiu-m e visualizar m elhor a evolução do funcionam ento das instituições que coordenam esta área de formação. Encontrei tam bém , na biblioteca da D irecção Geral do Ensino Básico, um

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D e aprendiz a cidadão

im portante acervo de publicações respeitantes ao ensino técnico. Entre outras pesquisas pertinentes, foi lá que m e fam iliarizei e consultei o boletim Escolas Técnicas.

N a B iblioteca N acional e nas duas bibliotecas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação recolhi inform ação bibliográfica que m e perm itiu ter um a ideia do estado da arte e estabelecer alguns grandes planos necessários para irm os sem pre afinando o ritm o da investigação. Na prim eira das instituições referidas, destaco a consulta da revista Indústria Portuguesa, órgão oficioso da A ssociação Industrial Portuguesa e um referencial im portante para a tem ática geral do meu trabalho.

A pesquisa docum ental e bibliográfica seria estreita para nela caber uma história do passado recente. A liás, a reflexão sobre o conceito de docum ento histórico obriga hoje o historiador a ir além da m aterialidade explícita dos factos. C om o escreveu M arrou, "tudo o que, na herança subsistente do passado, pode ser interpretado com o um índice revelador de qualquer coisa sobre a presença, a actividade, os sentim entos, a m entalidade do hom em de outrora - entrará na nossa docum entação".27

A análise da docum entação despertou-m e a necessidade de recolher testem unhos orais e por isso recorri a entrevistas e inquéritos. Tratou-se de reforçar e m elhorar a inform ação existente, de procurar outros “ índices reveladores” e, sobretudo, de explorar a proxim idade no tem po para registar depoim entos de agentes directam ente envolvidos nas práticas da instituição que é objecto de estudo.

Os objectivos das entrevistas visavam contribuir para uma m elhor identificação e caracterização do corpo docente da Escola de A prendizes, com preender a articulação entre a escola e a em presa, avaliar a form ação realizada e situá-la face ao sistem a educativo da época. Foram realizadas entrevistas a dois antigos directores da Escola de A prendizes, um ao nível do 2o Grupo Oficinal da CP e outro da Escola de A prendizes propriam ente dita, a um professor de A ritm ética, G eom etria e Á lgebra e a dois antigos aprendizes.

Q uanto aos questionários, foram dirigidos a uma am ostra de um a centena de antigos aprendizes, com um a taxa de retom o de setenta e seis por cento. Os seus

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A E scola d e A p ren d izes d a CP

objectivos visavam estabelecer um perfil do aprendiz da escola, a partir da sua origem social e geográfica, das m otivações que justificaram a entrada na escola, esclarecer aspectos específicos da vivência e do dia a dia escolar e, enfim , conhecer o percurso sócio-profissional dos ex-aprendizes. Pretendia-se, tam bém , proceder à avaliação da formação a partir da opinião dos aprendizes.

A determ inação da am ostra teve em conta, no essencial, os ex-aprendizes que se m antêm em funções na área da EM EF-Entroncam ento, que corresponde ao antigo 2°Grupo Oficinal. O conjunto m ais homogéneo, contudo, é constituído pelas turm as de serralheiros e electricistas, que entraram para a escola em 1966, e que em 2001 se juntaram num alm oço de confraternização.28

N ão me parece necessário aduzir mais razões para fundam entar o recurso aos testem unhos orais e à aplicação de um questionário aos antigos aprendizes, com o suportes para esclarecer aspectos pertinentes da investigação. H averá quem critique a subjectividade destas orientações. A subjectividade, a falta de distância e a visão parcelar e parcial assum em -se com o riscos que vale a pena correr se tiverm os em conta que se trata de testem unhos privilegiados de actores que, pela sua posição, acção e responsabilidade têm um bom conhecim ento dos problem as a que o estudo respeita.

Haverá, sobretudo, no caso dos inquéritos, a suspeiçâo do jo g o viciado, um a vez que o inquirido é encam inhado para respostas previam ente elaboradas pelo inquiridor. A proxim idade no tem po abona a opção, uma vez que perm ite apreender m elhor o significado dos factos; quanto à preparação prévia de um lote de respostas possíveis, se, por um lado, não se pode realizar de outra forma, por outro, convém sublinhar que tal preparação foi precedida de uma investigação aturada e reflectida que procurou ir ao encontro das realidades sociais que se pretendiam auscultar.

O trabalho do historiador não se pode com partim entar em gavetas estanques, nem do ponto de vista dos conteúdos, nem no dos métodos. A s tarefas em preendidas na pesquisa das fontes contêm “de per si” o essencial do trabalho herm enêutico: ao

28 C ircunstância que procurei nào desperdiçar, associando-m e ao encontro, passando o s questionários e trocando im pressões p ertinentes com aqueles antigos aprendizes. A liás, se gundo m e foi afirm ado, realizam -se p eriodicam ente en co n tro s de antigos aprendizes.

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D e a p re n d iz a cidadão

pesquisar, selecciona-se, ao seleccionar, critica-se. A selecção e a crítica, por sua vez, contêm já também uma boa dose de elaboração e reelaboração, isto é, de construção do conhecim ento histórico.

1.4. Plano do trabalho

Nos capítulos 2 e 3 - O ensino técnico em Portugal nos anos 40 c a Reform a de

1947/48 e o novo estatuto do ensino técnico pretendo esclarecer o contexto sócio

económ ico e as políticas educativas que marcaram as décadas de 40 e de 50, uma época de viragem na vida e na sociedade portuguesa na qual se inscreve o arranque da Escola de A prendizes do Entroncam ento. Essencialmente, trata-se de descrever um quadro que perm ita com preender a insuficiência da rede de escolas técnicas e o m odo com o este grau de ensino se vinha processando, orientando a sua leitura no sentido de uma dupla resposta: por um lado, os antecedentes e a justificação da reform a de 1948, no contexto das alterações sociais e económ icas no período da guerra e do pós-guerra e, por outro, o arranque da Escola de A prendizes do Entroncam ento numa fase de m udanças estruturais im portantes na em presa dos cam inhos de ferro. O capítulo 4, A Escola de Aprendizes

da CP, descreve o contexto institucional e sectorial, procurando relacionar a criação e o

percurso da Escola de A prendizes, quer com a evolução económ ica e tecnológica da C om panhia dos Cam inhos de Ferro Portugueses, quer com a própria evolução da rede pública do ensino técnico. Pretende-se também, em A Escola e o Bairro Camões, auscultar a ligação entre o Entroncam ento e o Estado N ovo e analisar um edifício construído de raiz para ser um a escola. No fim de contas, trata-se de equacionar uma estratégia local de form ação e questionar o im aginário de algum as gerações de aprendizes que na Escola Cam ões fizeram o seu aprendizado, no período em que ali esteve instalada a Escola de Aprendizes. O capítulo 6, O m odelo de aprendizagem da

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Escola de Aprendizes, constitui-se como a referência nuclear do trabalho porque

descreve o contexto escolar da instituição que é o objecto central do estudo: as problem áticas relacionadas com a adm issão dos aprendizes, os cursos m inistrados na escola, o currículo explícito e implícito, a classificação e o aproveitam ento, a assiduidade, o controle e a disciplina, os espaços e os tempos e, finalm ente, os actores, a direcção, o corpo docente e os alunos.

O currículo explícito é descrito a partir de um conjunto de horários sem anais respeitantes a diversos anos e dos norm ativos da empresa que os fundam entam , sendo tam bém feita referência aos m anuais adoptados para acom panham ento de algum as disciplinas.

O currículo im plícito ou oculto é tratado através da análise de conteúdo de um conjunto de noventa e duas frases da sem ana que foram recenseadas a partir do “corpus” docum ental.

A identificação form al dos actores, nom eadam ente dos professores e m onitores e dos aprendizes, processou-se a partir da docum entação em arquivo. Para m elhor intentar a sua caracterização, nom eadam ente as m otivações e as lógicas de actuação, foram realizados questionários e entrevistas cujos resultados se anexam ao trabalho.

A ntes de se apresentarem as conclusões do estudo, propõe-se um último capítulo, A aprendizagem nas em presas, em que são analisados os resultados de um inquérito relativo à aprendizagem nas em presas realizado nos anos sessenta. Esses dados são enquadrados num a grelha com parativa que integra tam bém a Escola de A prendizes e um conjunto de inform ações sobre a aprendizagem no R eino U nido, na H olanda, na Suíça, na França, no Canadá e nos Estados U nidos, publicadas pelo “ Bureau International du Travai!” também na década de sessenta.

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U tilizei fundam entalm ente docum entos da época para ancorar a redacção destes textos: a reform a do ensino técnico e os seus antecedentes em ergiram a partir da leitura do próprio texto da lei, do parecer da Câm ara Corporativa, das actas do debate na A ssem bleia N acional e do boletim Escolas Técnicas, que surgiu em 1946, justam ente no m om ento em que se ultim ava o projecto de reform a e da qual se pode considerar um eco importante.

No que respeita à Escola de A prendizes e à sua contextualizaçào no quadro da em presa dos cam inhos de ferro, foi essencial o recurso aos docum entos em arquivo e às páginas do Boletim da CP, igualmente um eco fundam ental da vida e das políticas ferroviárias.

N um caso e no outro, procurei esclarecer os percursos respectivos com recurso a bibliografia pertinente que m e permitisse dispor da utensilagem teórica indispensável. De Sérgio G rácio, anotei o acom panham ento, passo a passo, da reform a do ensino técnico de 1948, no quadro da política educativa do Estado N ovo e de outros factos que a contornam e ajudam a com preender, assim com o registos teóricos e interpretativos que, de form a salutar, cada vez m ais a história tom a de em préstim o à sociologia. Refíro- -me, concretam ente, ao discurso sociológico que sustenta as teorias do capital hum ano e do investim ento escolar, necessário para perceber e interpretar as m otivações dos actores e, assim , tom ar m ais sólida a com preensão dos factos. O utros autores, com o A ntónio N óvoa, M aria Filom ena M ónica, Fernando Rosas e José M aria B randão de Brito, ajudaram -m e a perceber m elhor os contextos da vida económ ica, das políticas educativas e das balizas ideológicas cuja com preensão se tom ou indispensável para uma m elhor identificação e precisão do objecto de estudo e para o integrar no tecido da vida social de que faz parte.

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1.5. O ace rv o d o c u m e n ta l d a Escola de A p ren d izes

O levantam ento da docum entação existente no arquivo m orto do C entro de Form ação da Fem ave e na secção de pessoal da EM EF permitiu recensear os seguintes tipos de docum entos:

a) relatórios de estágio nas secções - do estágio que o aprendiz realizava durante o segundo ano do curso, percorrendo as várias secções da oficina;

b) pastas com os exercícios de desenho realizados ao longo de todo o curso e que em regra contem plam exercícios de desenho linear e geom étrico, desenho de projecções, desenho de m áquinas e desenho esquemático;

c) pastas contendo as provas de dèsenho realizadas por quatro vezes ao longo de cada ano lectivo;

d) séries de exercícios realizados na prática oficinal;

e) relações de candidatos à adm issão e dos candidatos aprovados e adm itidos na escola; f) relações de turm a, pautas de classificação periódica global e por disciplina e pautas de classificação anual por turm a e por ano lectivo;

g) m apas horários anuais com o horário de funcionam ento da escola, indicação dos anos e das turm as e a relação dos professores por disciplina;

h) correspondência entre o 2o Grupo O ficinal/Escola de A prendizes e a sede da C om panhia em Lisboa - Serviços Gerais de Secretaria e Pessoal e, sobretudo, D irecção de M aterial, Tracção e O ficinas ou, mais recentem ente, apenas D irecção de M aterial e Tracção. Essa docum entação reporta-se fundam entalm ente às adm issões - nom eação de jú ris de exam e, descrição das provas a realizar e o respectivo calendário, com indicação do dia, hora e local - , ao aproveitam ento e aum ento de salários no final de cada ano lectivo, à atribuição de núm eros de matrícula, à colocação dos aprendizes após a conclusão da aprendizagem , ao levantamento das necessidades com vista ao

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recrutam ento em cada ano lectivo, aos normativos relativos ao funcionam ento da escola e ao seu pontual ajustam ento, à transferência dos aprendizes do terceiro ano para o 3o Grupo Oficinal no B arreiro, a fim de aí realizarem os cursos de electricistas e serralheiros de m otores;

i) finalmente, ainda ao nível das fontes prim árias, encontrei dentro das pastas de desenho de alguns aprendizes um registo cronológico onde o aprendiz anotava o que ia realizando em cada dia da sem ana e, por cada sem ana, uma frase em blem ática citada nas norm as de conduta oficinal como devendo ser registada e meditada.

Os docum entos m ais abundantes são as pastas de desenho. A pesar de me ter sido inicialm ente noticiado o desaparecim ento da docum entação relativa à escola, tal óbice não diz respeito aos exercícios de desenho. Aliás, o desenho ocupava um a posição axial na formação global dos aprendizes. O conteúdo global destas pastas era constituído por vinte e cinco exercícios de desenho linear e geom étrico (até 1966), trinta exercícios de desenho de projecções, vinte e três exercícios de desenho de m áquinas e por uma dezena de tabelas de equivalências, no caso de o aprendiz no terceiro ano ter sido encam inhado para a especialidade de serralheiro ou afim (torneiro, traçador, soldador, caldeireiro...). Se foi ju lg ad o mais apto para prosseguir a form ação de electricista, era- lhe m inistrado desenho esquem ático num total de cinco dezenas de exercícios.29

Todavia, não em ergem das pastas apenas os desenhos; para além daquela espécie de diário já referido, com a matriz de ocupação do tem po escolar e com as frases da sem ana, um dos docum entos mais interessantes que frequentem ente aparecem , e que seria sem pre o prim eiro docum ento da pasta se ela estivesse ordenada cronologicam ente de trás para a frente (quase nunca está), não é propriam ente o desenho

D e ap ren d iz a cidadão

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número um, dado que esse existe enquanto tal, é um a antecipação, um adestram ento da mão no m anuseam ento do lápis e na configuração das letras.

Trata-se de um escrito avulso (nem sempre se lhe pode cham ar texto porque não há uma preocupação de o estruturar enquanto tal), livre e arbitrário, onde o aprendiz desenha letras e as integra em palavras e, às vezes, em frases soltas, deixando assim escapar inform ação diversa.30 Antes de mais, repete o seu nome, a sua naturalidade e o nome dos seus progenitores, nomes de colegas da turma, referências à Escola de A prendizes e eventualm ente a outras escolas antes ou ainda frequentadas, o seu estar na escola, o horário e as disciplinas frequentadas, o gosto pela escola e, quase sempre, referências à sociedade civil em que se sente integrado, quais balizas no seu horizonte, quer se trate de notícias de futebol (nomes de clubes, com petições em que estão envolvidos, nom es de jogadores...), quer de parangonas do nacionalism o oficial adoptadas com o em blem a, nom eadam ente, quanto aos valores do colonialism o.

N um desses escritos, datado de M arço de 1966, pode ler-se uma singela quadra (supostam ente um texto para uma m archa popular), onde se diz "viva o nosso Portugal, repetim os outra vez, viva o nosso Portugal, e o povo português". E, m ais adiante, "rapazes e raparigas, m anifestai o lugar, nesta m archa dedicada, aos que estão no ultramar". Há tam bém o país real, rural e pobre, a em ergir por baixo da capa translúcida dos valores oficiais: "o inverno é uma das estações do ano mais frias. E nesta estação que as pessoas velhas passam os dias ao lum e ou nas suas cam as e é nestes três m eses que a neve e a chuva caem com m ais intensidade... é ainda neste tem po que as m ulheres mais pobres até choram porque não são capazes de atear o lume, umas devido a não terem lenha e outras têm -na mas está molhada".

A E scola de A p ren d izes da CP

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Q uanto aos relatórios, para além de constituírem uma indicação segura do ano frequentado pelo aprendiz e da formação prática que lhe era m inistrada, perm item tam bém desvendar as lógicas de actuação dos aprendizes, quer quanto à obrigatoriedade da elaboração do relatório e a eventuais dificuldades de redacção, quer quanto à forma de ultrapassarem o obstáculo, quer ainda quanto à aparente contem porização dos m onitores em relação a tais práticas.

Trata-se de textos, por regra, vestidos de igual. A pesar de os aprendizes do segundo ano serem distribuídos pelas várias secções da oficina e supostam ente os relatórios serem por isso diferentes, percebem -se jogos de troca onde um aprendiz mais lesto a escrever e às vezes a desenhar - os relatórios deviam integrar, obrigatoriam ente, desenhos de peças ou m áquinas sobre as quais recaiu a intervenção do aprendiz durante o seu estágio - elabora o seu relatório e, os restantes, à m edida que vão rodando pelas secções, vão-no reproduzindo. Com o se tem conhecimento dos relatórios elaborados nos anos anteriores, por vezes são esses que são transcritos.

Q uer as lim itações no m anuseam ento da língua pátria - que ainda hoje aflige docentes e discentes -, nom eadam ente para aqueles moços portadores da escolaridade básica com três ou quatro anos de interregno na sua escolarização, qu er a legítim a am bição de apresentar um bom relatório, porque era sobretudo nele que assentava a classificação do m onitor, levavam os aprendizes a reproduzir até ao lim ite os bons relatórios dos anos anteriores ou os relatórios dos colegas mais expeditos.

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A E scola d e A prendizes da C P

1.6. Ficheiro geral dos aprendizes

N um a tentativa de sistem atizar a docum entação recolhida e de optim izar a partir daí a inform ação, elaborei grelhas de análise. A m ais im portante deu origem a um ficheiro global, ordenado num érica e cronologicam ente, dado que a num eração dos aprendizes se vai sucedendo, num a série única, ao longo dos diversos anos. R elativo ao ano de 1943, o prim eiro ano da escola, surgiu-me um docum ento que me perm itiu datar de form a taxativa o início da Escola de A prendizes no Entroncam ento: uma pasta contendo várias pautas de exercícios de desenho e, portanto, a prim eira lista onde constam os prim eiros treze aprendizes. Daí em diante, quer recorrendo às pautas de avaliação anual e aos m aços de exercícios classificados, quer, sobretudo, à inventariação e ordenam ento das pastas de desenho, cruzando a inform ação daí resultante e juntando- lhe o registo dos relatórios do 2o ano e inform ações colhidas nos registos de aprovação no exam e de adm issão e nas listas de candidatos adm itidos, foi relativam ente fácil reconstituir toda a listagem dos aprendizes entre 1943 e 1974 (últim o ano em que houve adm issões).

O ficheiro não é apenas uma lista de aprendizes: é sobretudo o registo ordenado da docum entação e inform ação que existe a seu respeito. Elaborei a grelha a partir das seguintes entradas: núm ero de escola do aprendiz, data de adm issão na em presa e na escola (ao ser adm itido na escola estava a ser adm itido ao m esm o tem po na em presa), profissão (utilizei a nom enclatura da formação que apenas refere electricistas e serralheiros, em bora estes últimos, ao serem prom ovidos a operários, pudessem ser providos noutras profissões afins, com o torneiros, traçadores, caldeireiros, soldadores, para além dos serralheiros propriam ente ditos), nome do aprendiz, registo de docum entação (pastas de desenho e/ou relatório das secções e/ou exercícios oficinais quando existam ), ano ou anos de frequência do Io ano, do 2o ano e do 3o ano, registo das frases da sem ana (se houver), a data de conclusão da aprendizagem e prom oção a operário, indicação se é fam iliar de ferroviário, a naturalidade do aprendiz e, finalm ente, as habilitações literárias do aprendiz aquando do seu ingresso na Escola. N um a coluna final de observações registei ainda os aprendizes que, durante uma década (de 1958 a

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D e a p ren d iz a cidadão

1968), foram destacados p ara o 3°Grupo Oficinal no Barreiro a fim de aí concluírem o 3o ano do curso nas especialidades de electricistas e serralheiros de m otores.

N a entrada relativa à docum entação existente, e apesar de na coluna constar apenas Pasta de desenho/R elatório das secções, registei sum ariam ente o tipo de inform ação de uma form a m ais precisa. Assim, utilizei a abreviatura D es., seguida da data do prim eiro desenho datado. A prim eira categoria de desenho ensinada aos aprendizes era o D esenho linear e geométrico. O exercício núm ero um era "ângulos".31 Todavia, e para além do exercitar da mão a desenhar as letras, com o já referi, o aprendiz era iniciado com vários exercícios a tinta da China, prim eiro à régua (banda larga e banda estreita, horizontal, vertical e diagonal, tracejado grosso e tracejado fino e linhas entrecortadas por pontos) e depois a com passo (seguindo tracejados sem elhantes), a fim de exercitar o traço.32 U tilizei, portanto, como critério de datação o prim eiro trabalho realizado, ou seja, o exercício à régua. Na sua ausência, o exercício a com passo ou, caso este não exista, o exercício núm ero um (DLG 1), que são os ângulos. Por vezes, não surge nenhum dos referidos e, nesses casos, utilizo abreviaturas do tipo de exercício e da respectiva num eração, recorrendo sempre à data m ais antiga. Por isso surgem siglas com o DP 1 (desenho de projecções núm ero um), D M 1 (desenho de m áquinas núm ero um) e DE 1 (desenho esquem ático número um). Em anexo são reproduzidos exem plares destes docum entos, a fim de tom ar mais clara a descrição.33 Foram assim datadas todas as pastas de desenho até 1965.

A partir de 1966, o curso foi reduzido para dois anos e tal facto veio a repercutir- se em todo o currículo dos aprendizes. A disciplina de desenho foi, por regra, am putada do desenho linear e geom étrico e os aprendizes eram iniciados, a partir de então, no prim eiro exercício de desenho de projecções (DP 1), que constava de novo de um exercício de letras (exercício núm ero um, que antes estava num erado com o núm ero vinte e seis), em bora, para além do desenho das letras, sirva tam bém para o registo de uma série de conceitos úteis para a geom etria descritiva e daí que o exercício se designe

31 A nexo 4 32 A nexo 5 33 A nexo 6

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A E scola d e A pren d izes da CP

por definições. A partir desta altura, utilizo como critério de registo a data deste exercício núm ero um ou, na sua ausência, o que num érica e cronologicam ente lhe estiver mais próximo.

Q uanto aos relatórios, procurei registá-los a partir da data mais antiga encontrada em cada pasta. Teoricam ente, deveria ser a data do prim eiro relatório, isto é, da secção onde o aprendiz estagiou em primeiro lugar. Contudo, os aprendizes omitem frequentem ente a data, esquecem -se de datar e, por outro lado, bastava uma folha ter-se transviado para essa lógica ser desestruturada.34. De qualquer form a, foi a prim eira data assinalada que serviu de critério para o registo dos relatórios.

1.7. A e m erg ên cia d e u m a h istó ria local d a ed u ca ção ?

A história, durante m uito tem po história dos grandes, dos que detinham o poder de a fazer escrever, acom odou-se depois, durante décadas, a um estatuto que a identificava com os grandes acontecimentos, nom eadam ente, políticos, o que, provavelm ente, pouco a to m aria diferente da primeira.

A procura de novos cam inhos e de novos objectos, de novos protagonistas e de novos heróis, iniciada pela equipa dos Annales, tem levado à descoberta, não só de uma H istória Nova, mas, sobretudo, de outras histórias. Talvez seja a pluralidade dos discursos e das perspectivas que os im pulsionam a novidade m ais fresca da história com que hoje lidamos. C om o disse François Furet, é “a vagabundagem em todos os cam pos”. A pesar disso, o discurso que continua a predom inar é o da centralidade.

A em ergência dos poderes locais tem viabilizado o enfoque dos saberes locais, por norma, com o estratégias de legitimação dos prim eiros. As várias produções de cada com unidade saltam para o escaparate, nem que seja apenas pelo prazer frívolo e efém ero de uma com em oração ou de uma festa. A história tam bém . Em Portugal, na década de oitenta, foram os anos da história local: com em oração de efem érides, centenários disto e daquilo, e, sobretudo, congressos, jo rnad as e encontros. A em ergência do local na história tem contribuído para reforçar a im portância do

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D e a p re n d iz a cidadão

conhecim ento histórico enquanto prática legitim adora das ideias e dos projectos e, portanto, para revitalizar a própria vida interna das com unidades locais.

A história da educação não se tem m ostrado sensível aos apelos ou às tentações que poderiam trazer para a ribalta a dim ensão local dos fenóm enos educativos. C om preende-se porquê. Em Portugal, a atenção exclusiva que se tem concedido à acção educativa do estado tem gerado determ inism os de natureza centralista que levaram a negligenciar as realidades que transcendem aquele contexto. M esm o quando se almejam outros objectivos, com o, por exem plo, quando se estudam instituições ou fenómenos educativos particulares, não estatais, fazemo-lo geralmente em negativo, isto é, tendo por referência os indicadores oficiais para o mesm o fenómeno.

Todavia, parece estar a em ergir um discurso aberto a novas perspectivas, numa linha que se poderia designar por m icro-história, que tem perm itido reconstituir estratégias e projectos de realização educacional das populações, tendo em conta as dinâm icas próprias das com unidades e das instituições locais e não apenas as leis e as decisões decretadas pelo poder central. N ão se trata de retom ar ou eternizar qualquer debate entre o centralism o e o localismo, até porque a dim ensão local dos fenóm enos educativos não nos dispensa de ter em conta escalas mais am plas, qu er se trate da com paração com outros locais, quer com a própria acção do estado na área em que se situa o nosso objecto de estudo.

É nesta dupla consciência, da necessidade de conferir um estatuto próprio às dinâm icas locais que fizeram nascer a Escola de A prendizes e de procurar contextualizar a sua existência face ao quadro necessariam ente m ais am plo do sistema educativo da época, que se vai abordar a política educativa do Estado N ovo e tentar esboçar um diagnóstico do ensino técnico em Portugal nos m eados do século XX.

Referências

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