• Nenhum resultado encontrado

Após termos contextualizado o campo da educação ambiental socio-historica e politicamente, bem como ter apresentado as principais políticas públicas federais da área, passo agora à apresentação e análise de uma política federal mais recente, a que estabelece o Programa Escolas Sustentáveis. A importância da contextualização anterior é compreender os muitos pressupostos, articulações, nexos e possíveis rupturas nos sentidos destas políticas públicas de EA. Para apreender tal política de escolas sustentáveis, valho-me de textos de autores do campo da EA, seja que a formularam politica e/ou teorica-conceitualmente (TRAJBER, 2012; TRAJBER e SATO, 2010; MOREIRA, 2011; BORGES, 2011) ou que buscaram analisá-la criticamente. Em especial, busquei ater-me às importantes contribuições advindas dos resultados e reflexões suscitadas pela dissertação de mestrado de Anne Kassiadou Menezes (2015), que buscou analisar o programa das escolas sustentáveis do

196 Ministério da Educação (MEC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA), e alguns projetos de escolas situadas em regiões de alto índice de vulnerabilidade ambiental do estado do Rio de Janeiro, alicercada nos referencias teórico-metodológicos da Educação Ambiental Crítica e da Justiça Ambiental. Outro material analisado aqui é um vídeo institucional do Programa

Vamos Cuidar do Brasil Com Escolas Sustentáveis preparatório para a IV Conferência

Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, publicado na internet em 01 de julho de

201370, que traça um histórico do programa e veicula muitos dos discursos que aparecem

nos documentos e textos escritos. Considero que tomar estes materiais com diferentes olhares sobre o referido programa permite uma diversidade de compreensões acerca desta política, no intuito de tecer uma análise crítica da mesma.

Em sua análise do Programa Escolas Sustentáveis, Menezes e Sánchez (2015, p. 225) argumentam em favor da necessidade de aprofundar as reflexões, explicitando a abordagem teórico metodológica da EA a ser defendida (considerada a heterogeneidade deste campo), situando-se dentro do campo crítico, "pois na ausência desta análise crítica, a educação ambiental pode vir a assumir um projeto societário reformista totalmente em sintonia com um processo civilizatório liberal e conservador", citando Layrargues (2012 apud MENEZES

e SÁNCHEZ, op. cit.). No tocante à defesa da valorização da educação, sustentam que as

medidas para revalorizar a educação brasileira devem ocorrer considerando as reivindicações históricas oriundas dos trabalhadores da educação em suas formas sindicais de organização coletiva (KAPLAN e LOUREIRO, 2011 apud MENEZES e SÁNCHEZ, op. cit.), como também as demandas dos movimentos sociais por justiça ambiental, das lutas

populares e os povos tradicionais e indígenas (MENEZES e SÁNCHEZ, 2013 apud

MENEZES e SÁNCHEZ, 2015).

Importante frisar que, dentro das análises desta pesquisa, tratamos de um estudo de caso referente à uma escola sustentável no estado do Rio de Janeiro, mas que a mesma não integra o cojunto de escolas que compõem o Programa Escolas Sustentáveis da CGEA/MEC por se tratar de uma iniciativa do governo estadual do RJ em parceria com a empresa TKCSA, dentro do programa Dupla Escola. Entretanto, ainda que não haja uma filiação formal do Colégio Estadual Erich Walter Heine ao Programa Escola Sustentáveis do MEC, considero que há nexos entre as propostas em termos de seus eixos e de alguns de seus pressupostos. É considerando suas aproximações, diferenças, mediações e contradições que busco desenvolver as análises tanto do programa federal quanto do caso concreto da

197 escola estadual. Tratarei das análises específicas referentes à esta escola estadual em um tópico posterior.

A escola é uma das instituições nas quais a temática ambiental tem sido inserida. Nas

políticas públicas federais de educação ambiental e em publicações do campo, a escola é

pensada como um dos “espaços educadores sustentáveis71” (BRASIL, 2006; 2007). Em boa

parte destes materiais, sejam os textos oficiais ou aqueles em consonância com o discurso hegemônico do campo, as propostas de educação ambiental nas escolas são defendidas dentro da lógica das parcerias público-privadas, mediante a entrada de agentes externos às escolas públicas, como ONGs e empresas. Por meio de uma pedagogia de resultados, de justificativa da competência técnica, de uma lógica gerencial e utilizando-se de um vocabulário repleto de termos e conceitos oriundos da Ecologia, de outras ciências ambientais e da "ciência complexa" ("sinergia", "permacultura", "teia", "rede", "diversidade", "equilíbrio dinâmico" são alguns dos conceitos recontextualizados, não sem problemas), vai sendo produzido um discurso apaziguador, conservador e conciliatório. Isto parte de uma fundamentação na "razão comunicativa" de Habermas, uma visão pragmática, segundo a qual os conflitos devem ser equacionados a partir do diálogo. Assim, a própria educação ambiental é utilizada como fator de conciliação de interesses de classes e grupos sociais diversos, encampando muitas vezes os ideários do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade social das empresas e ONGs.

Antes de mais nada, cabe uma reflexão sobre a origem e as motivações dessa política pública. Durante um encontro de pesquisa do campo da EA, indaguei a uma representante da Coordenadoria Geral de Educação Ambiental do Ministério de Educação (CGEA/MEC) de onde teria partido essa demanda por escolas sustentáveis, se dos professores, pois minha experiência como professor de escolas públicas, dada a gravidade dos problemas que encontramos no "chão da escola", é uma discussão que passa longe. Nesse sentido, questionei se teria havido alguma consulta pública local, regional ou nacional e os resultados de uma eventual consulta aos professores e comunidade escolar em si. Segundo a representante da CGEA/MEC, não houve uma consulta pública, mas a ideia surgiu de diálogos e de espaços que têm sido pensados pelo governo. Complementou que esta ideia emergiu de algumas discussões e percepções dos processos formativos e das ações que

71 "Espaços educadores sustentáveis são aqueles que têm a intencionalidade pedagógica de se constituir em referências concretas de sustentabilidade socioambiental. Isto é, são espaços que mantêm uma relação equilibrada com o meio ambiente; compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, permitindo assim, qualidade de vida para as gerações presentes e futuras".(TRAJBER e SATO, 2010, p. 71).

198 haviam sido feitas em âmbito governamental, em relação à inserção da educação ambiental no currículo, no projeto político-pedagógico da escola, chegando-se à conclusão de que isto não era suficiente pois haveria uma incoerência entre o que era discutido nas conferências de meio ambiente e o que acontecia nas escolas (torneiras quebradas, banheiros sem condições de uso, violência na escola, falta d'água, falta de merendeiras na escola, etc). Isto teria sido relatado em um curso do MEC junto à professores. Concluo que já teria sido um curso do próprio Programa Escola Sustentáveis, ou seja, foi uma política definida internamente no âmbito da CGEA/MEC, sem diálogo prévio com os profissionais de educação que estão nas escolas públicas. A fala do último coordenador de EA da CGEA/MEC, José Vicente, no

Colóquio Escolas Sustentáveis72, realizado em maio de 2013, me conduz também à esta

conclusão de que foi um movimento que partiu do MEC e não de uma demanda surgida no interior das escolas públicas, dos anseios de seus trabalhadores:

(...) quando nós olhamos um pouco pra história da coordenação geral lá de educação ambiental do MEC, a nossa preocupação foi a seguinte: que projeto estruturante nós podemos deixar como legado pro ministério da educação e pro país que possa gerar, se constituída uma política pública, e gerar a médio e longo prazo, resultados? Essa foi uma pergunta norteadora importante (...) E aí pra não inventar a roda, nós fizemos um primeiro movimento. Esse primeiro movimento foi olhar pra trás, desde o momento que a coordenação geral foi instituída lá dentro do MEC, e olhar pra tradição que nessa coordenação tava sendo constituída em relação a projetos e iniciativas e programas pra ver o que essa tradição nos indicava e pra ver para que caminho ela apontava. E aí a gente percebeu que ao longo dos anos a coordenação se esforçou muito pra trabalhar com formação continuada de professores. Definiu estratégias pra alcançar e mobilizar as escolas pra discutir sistemas importantes da área ambiental, do campo da educação ambiental. Tentou trabalhar com formação inicial de professores, investiu muito em eventos. Investiu muito em mobilização por meio de eventos. Então tem um conjunto de problemas e iniciativas que ao longo dos anos foram se constituindo, mas a análise, olhar pra trás, conseguir mirar para o passado foi importante, porque essa olhada pra trás, professores, começou a nos indicar aonde é que estavam algumas possibilidade pra estruturar uma ação concreta, efetiva de médio e de longo prazo. Então foi o primeiro movimento que a gente fez. O segundo movimento e tá aqui os colegas que estão há muito tempo no movimento que não me deixam mentir foi que ao longo dos anos, a gente produziu muito material metodológico pra servir de orientação pras escolas, pros professores, pras universidades, e tem um material específico que eu gosto muito que se chama “Encontros e Caminhos”. A ideia desses dois livros que nós publicamos “Encontros e Caminhos” era a seguinte: era sugerir um conjunto de verbetes ou conceitos que servissem de orientação pro campo da educação ambiental trabalhar com esses conceitos porque são campos importantes da área. Tem um conceito lá, um desses conceitos. É um conceito interessante e que nos remeteu também pra essa ideia de escolas sustentáveis. E esse conceito que tá presente lá, é um conceito de estruturas educadoras (...) Esse conceito inicial, ele nos remeteu para uma outra ideia que era pensar espaços educadores sustentáveis e daí facilmente nós chegamos nessa história de escolas sustentáveis. Então, olhando pra trás na história lá das nossas ações de políticas públicas a gente

199

percebeu alguns indicadores interessantes e quando a gente amarrou esses indicadores a esses conceitos de estruturas sustentáveis, nós entendemos que aí tinha a possibilidade de construirmos um projeto estruturante em cima de uma ideia (...)

Em capítulo de livro de uma das formuladoras do Programa Escolas Sustentáveis, Trajber (2012) apresenta as bases conceituais, os pressupostos e o histórico do mesmo. A autora, ex-coordenadora de Educação Ambiental da CGEA/MEC, situa a política federal de escolas sustentáveis dentro de uma perspectiva de educação integral, inclusive o tema do livro no qual se insere este capítulo. Em sua compreensão,

Esse constitui um campo inovador de políticas públicas de educação ao Brasil: educação integral e sustentável. Nesse campo, a educação integral alinha-se com a educação ambiental ao integrar a escola e a vida, conforme seus objetivos estabelecidos no Decreto 7.083/2010, ao "convergir políticas e programas de saúde, cultura, esporte, direitos humanos, educação ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, integração entre escola e comunidade, para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico de educação integral (TRAJBER, 2012, pp. 175-176).

Importante frisar que há diferentes compreensões e projetos em disputa do que seja uma educação integral, no sentido da ampliação dos tempos e espaços escolares. O referido decreto diz respeito ao Programa Mais Educação,

que tem por objetivo de oferecer aos alunos, a partir de atividades no contraturno escolar, uma formação integral. Essa ação é direcionada, preferencialmente, aos alunos em situação de “vulnerabilidade social”, de escolas com baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), instrumento avaliativo da educação básica, consagrado pelo PDE. Além dessas premissas, o programa prioriza atuação em regiões metropolitanas, e cidades com mais de 100 mil habitantes (COSTA, 2011, p. 57).

Os projetos de educação integral alinhados com a concepção implementada no Programa Mais Educação vão atribuir à “sociedade civil”, assim, homogênea e harmonizada, proeminência na construção de uma “nova” proposta de tempo integral. Conforme autores que pesquisam a temática da educação integral referenciados na perspectiva crítica, essa corrente de pensamento que orienta tais projetos, não obstante variações aqui e ali,

estabelece uma agenda calcada em certas “repetições”, identificáveis a partir de uma análise dos cadernos do PME: (a) um “deslocamento” da posição da escola em relação aos saberes, no sentido de que esta instituição não é mais capaz, sozinha, de lidar com a “demanda ampliada” por educação de jovens na “sociedade do conhecimento”; (b) valorização da presença responsável da família no processo educativo escolar, associada ao voluntariado, o que estabelece uma complexa simbiose entre as esferas pública e privada da educação; (c)

200

reorganização da oferta educacional, com a participação mais significativa de outros setores governamentais públicos e privados (secretarias de esporte, cultura e saúde; empresas, Igrejas, ONG’s), definidas por alguns teóricos do Estado como “governo em rede” (BRASIL, 2009); (d) busca de “novos espaços nas cidades e nos bairros” para a educação em tempo integral, em consonância com as definições da Carta das Cidades Educadoras (publicadas em Barcelona, no ano de 1992); (e) reverência à tradição do pensamento e das práticas de EI que, ao mesmo tempo, sinaliza veementemente a urgência em “renová-las”, em prol de uma “nova cidadania”, de uma “consciência ambiental”, etc.; 40 e, (f) uma preocupação com a focalização da política entre os mais pobres, numa EI que elimine as fronteiras entre educação escolar e proteção à vulnerabilidade social, em sintonia com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (COSTA, 2011, pp. 57-58).

Neste sentido, entendemos que a política federal de escolas sustentáveis, dentro desta perspectiva de educação integral do Programa Mais Educação, reforça esta lógica de deslocamento da posição da escola e dos conhecimentos escolares em relação a outros saberes, toma como premissa de implementação as parcerias público-privadas e o voluntariado, coadunando-se com a proposta de Cidades Educadoras. Há elementos no bojo desta política que nos permitem tais inferências.

Por exemplo, no que diz respeito ao lugar e ao papel da escola, Trajber (2012, pp. 172-173) considera que "o contexto atual reforça o reconhecimento do papel transformador da educação, exigindo a revisão da referência superficial da transversalidade contida na normatização da educação ambiental no ensino formal, que em geral se apresenta desconexa, reducionista, desarticulada e insuficiente". Nesse sentido, defende que "a escola precisa se reinventar a cada dia, perpetuando-se por meio de suas relações com o meio ambiente, acompanhando os processos de mudanças socioambientais", para que seja capaz, assim, de desenvolver uma "educação de qualidade, integral e transformadora", no sentido de "estimular os processos investigativos, a pesquisa, a interpretação da paisagem, a compreensão da realidade local e global e a construção de identidades próprias, individuais e coletivas, orientadas pedagogicamente" (ibidem, p. 176). Além de um caráter prescritivo e idealizado, tal discurso sobre a escola e sobre a comunidade escolar traduz-se em um "discurso da falta", que formulado a partir de um viés abstracionista, concebe escolas e professores em termos negativos, desconsiderando-nos em suas relações concretas que constituem as práticas pedagógicas, abrindo espaço para propostas de preenchimento através de um conjunto de novidades, sempre postas como positivas (BARRETO, 2012, p. 994).

Relembrando, suscintamente, as políticas públicas e iniciativas do MEC voltadas a temas e questões ambientais, Trajber (2012) cita a inserção do tema meio ambiente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1997, acompanhados dos Parâmetros em Ação - Meio Ambiente na Escola. A partir de 2004, com a criação da então Secretaria de