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PERÍODOS E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO BRASIL AO LONGO DA HISTÓRIA

Recentemente, Reinaldo Gonçalves (2013) produziu um livro no qual busca identificar e analisar as perspectivas de desenvolvimento econômico do Brasil no longo prazo. Trago este autor como uma referência para essa tese por conta de alguns aspectos interessantes que ele apresenta em sua obra. Sobretudo, considero relevante a contribuição do mesmo para a compreensão das mudanças na economia brasileira nas mais recentes décadas, no caso, dos anos 1990 em diante. Entretanto, é importante sinalizar aqui que este autor não se coaduna com os autores da Teoria Marxista da Dependência, os quais privilegiei nos tópicos anteriores deste capítulo. Há, portanto, uma certa descontinuidade aqui com a discussão que vinha sendo travada a partir da caracterização da formação social brasileira como capitalista dependente.

O estudo de Gonçalves, reunindo uma vasta quantidade de dados históricos sobre a economia brasileira, tem como ênfase as mudanças estruturais da nossa economia. De modo didático, o autor divide a formação econômica do país em seis períodos, de modo a destacar e analisar o diferencial de desempenho e as mudanças estruturais ao longo do tempo. As fases utilizadas por Gonçalves são: (1) sistema colonial, de 1500 a 1822; (2) economia agroexportadora escravista, de 1822 a 1889; (3) expansão cafeeira e primórdios da industrialização, de 1889 a 1930; (4) desenvolvimentismo, substituição de importações e industrialização, de 1930 a 1979; (5) crise, instabilidade e transição, de 1980 a 1994; e, (6) Modelo Liberal Periférico, de 1995 em diante. Ele destaca que, entre uma grande fase e outra, há períodos de transição (como o período de 1980 a 1994) em que germinam as relações, os processos e as estruturas que são dominantes na fase seguinte (ibidem, p. 9). A atenção especial de Gonçalves está voltada para o período mais recente, a partir de 1995, que ele denominou de Modelo Liberal Periférico (MLP), a partir da identificação das características de liberalização, privatização, desregulação, subordinação e vulnerabilidade externa estrutural e dominância do capital financeiro. Segundo o mesmo,

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O modelo é liberal porque é estruturado a partir da liberalização das relações econômicas internacionais nas esferas comercial, produtiva, tecnológica e monetário-financeira; da implementação de reformas no âmbito do Estado (em especial na área da previdência social) e da privatização de empresas estatais, que implicam a reconfiguração da intervenção estatal na economia e na sociedade; e de um processo de desregulação do mercado de trabalho, que reforça a exploração da força de trabalho.

O modelo é periférico porque é uma forma específica de realização da doutrina neoliberal e da sua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no sistema econômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena internacional, ao mesmo tempo em que se caracteriza por significativa vulnerabilidade externa estrutural nas suas relações econômicas internacionais. E, por fim, o modelo tem o capital financeiro e a lógica financeira como dominantes em sua dinâmica macroeconômica

(FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, Quadro 3.1 apud GONÇALVES, 2013, pp.7-8)

Fazendo uma breve caracterização destas fases aqui, dentro do chamado período colonial, a economia primário-exportadora era sua base, assentada no trinômio grande propriedade privada-monocultura-trabalho escravo e orientada para o mercado externo com base no exclusivismo lusitano. O Brasil fazia parte do Antigo Regime, período de transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, tendo sido um longo período de transição que foi do século XV ao século XVIII, e que se caracterizou pela interação entre absolutismo, mercantilismo e expansão do capitalismo comercial. A formação do capitalismo esteve intrinsecamente associada à constituição dos Estados nacionais e à expansão dos mercados. Nesse sentido, até o início do século XIX, a expansão colonial do Brasil resultou do avanço do capitalismo europeu em escala mundial (GONÇALVES, 2013, p. 10) Os principais produtos primários que fizeram parte dessa economia primário-exportadora foram a cana-de-açúcar (1580-1650) e a mineração de ouro e diamantes (1700-1822), correspondendo a quase 90% do valor das exportações (SIMONSEN, 1937, p. 381 apud GONÇALVES, 2013, p. 12).

Na fase da independência e economia agroexportadora escravista, de 1822 a 1889, Gonçalves (ibidem, p. 12) sinaliza que não houve ruptura com o modelo agrário-exportador mesmo com o fim da dominação da metrópole portuguesa e da crescente influência britânica. Na primeira metade do século XIX, o desempenho da economia brasileira sofreu um declínio, passando por um crescimento econômico na segunda metade deste século. O autor indica que a Independência envolveu o endividamento externo, sendo a influência estrangeira tanto na esfera financeira, quanto nas relações econômicas internacionais do país, sendo o financiamento externo feito junto aos bancos de Londres. A partir da segunda metade do século XIX, um produto econômico ganhou destaque nas exportações brasileiras: o café. A expansão da lavoura cafeeira, juntamente com a proibição do tráfico de escravos

102 provocaram grandes mudanças na estrutura da população brasileira, com a chegada de imigrantes europeus para trabalhar nesta atividade econômica. O surgimento, o crescimento e o desempenho do setor industrial no Brasil esteve, em grande medida, associado pela

própria evolução da atividade agroexportadora (SUZIGAN, 2000, p. 124 apud

GONÇALVES, ibidem, p. 15), sobretudo, pela cafeicultura (SILVA, 1976).

Durante o período da República Velha e hegemonia da cafeicultura (1889-1930),

ficou marcada a hegemonia econômica e política das oligarquias estaduais, com um grande aumento da dívida externa brasileira em função dos empréstimos com o capital estrangeiro para financiar a infraestrutura que viabilizasse a expansão da atividade cafeeira para a exportação. Isso também implicou no aumento da vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira por conta da forte dependência em relação às exportações de uma única commoditie, o café (GONÇALVES, 2013, p. 23). Cabe destacar que a expansão cafeeira esteve na origem de mudanças relevantes como a imigração, a urbanização, a expansão do mercado interno, o avanço do processo de industrialização e uma menor dependência em relação ao mercado mundial (ibidem, pp. 24-25).

A era desenvolvimentista (1930-1979) resultou em significativas mudanças estruturais, sendo a mais destacada a formação de uma economia industrial moderna. Uma mudança expressiva foi o processo de industrialização substitutivo de importações, que se estendeu por cinco décadas (ibudem, p. 34), com um hiato no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). A industrialização brasileira era recente pelos padrões históricos mundiais e impactante no que se refere às mudanças na estrutura de produção e no padrão de comércio exterior, além de ter tido como efeito a ampliação do mercado interno. Nesse período, houve redução da vulnerabilidade externa estrutural, apesar de ter começado e terminado com graves crises nas contas externas. Uma das heranças nefastas da era desenvolvimentistas foi a crise da dívida externa, em 1982. Também nesta fase desenvolvimentista o país experimentou retrocessos com longos períodos sob regimes ditatoriais ou autoritários, destacadamente a Era Vargas (1930-1945) e a ditadura empresarial-militar (1964-1985). A ausência de reformas estruturais (educação, tributação, acesso à terra, etc.) manteve uma das maiores concentrações de riqueza e renda do mundo. A industrialização substitutiva de importações resultou em transferência de renda dos consumidores para os capitalistas, sendo a injustiça social outra herança marcante deste período (ibidem, pp. 60-61). O fato de não terem sido feitas reformas estruturais deixou o país com significativas deficiências na saúde, saneamento, educação, moradia, segurança,

103 meio ambiente, transporte e seguridade social. Nesse sentido, o desenvolvimento institucional não acompanhou o desenvolvimento da economia, indicando as fragilidades na arquitetura institucional inclusive em decorrência das restrições criadas durante décadas de regimes autoritários (ibidem, p. 61).

Após a era desenvolvimentista, veio um período de transição, de crise e instabilidade, entre 1980 e 1994, de fraco desempenho econômico da produção, endividamento externo, crise fiscal e aceleração do processo inflacionário. Este período coincidiu com uma grande crise econômica mundial, iniciada em1973 com a elevação extraordinária do preço do petróleo, tendo se estendido por quase uma década, mas cujos efeitos negativos sobre a economia brasileira durariam mais tempo, até os primeiros anos da década de 1990 (ibidem, p. 49). Foi um período de medidas liberalizantes por parte do Estado brasileiro, sendo o auge no governo Collor, atingindo as esfera econômica, comercial e financeira das relações econômicas internacionais, bem como o desmonte e a privatização de empresas estatais. Além disso, os indicadores apontam para um processo de desindustrialização.

Por fim, Gonçalves (2013) caracteriza uma última fase histórica do processo de desenvolvimento econômico brasileiro, a partir de 1995 até os dias atuais, o chamado Modelo Liberal Periférico (MLP). Este modelo iniciou-se ainda de forma truncada no governo Collor, em 1990, mas só deslancharia efetivamente com o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e se consolidaria com os governos Lula e Dilma. Segundo Pinto e Gonçalves (2016, p. 10) o MLP representa um novo padrão de acumulação e produção capitalista em que se configuram profundas modificações tanto nas relações capital-trabalho quanto nas relações capitalistas, verificando-se a redução do poder das forças sociais atreladas ao trabalho, ampliando-se a superexploração do trabalho, característica marcante do capitalismo periférico (apud CARCANHOLO, FILGUEIRAS e PINTO, 2009). O MLP envolveu mudanças estruturais que permitem diferenciá-lo da era desenvolvimentista. Por um lado, o nacional-desenvolvimentismo assentava-se no trinômio industrialização substitutiva de importações-planejamento e intervenção estatal-preferência revelada pelo capital nacional. Por outro, o MLP tem como pilares o liberalismo econômico, a vulnerabilidade externa estrutural e a dominação do capital financeiro (GONÇALVES, 2013, pp. 61-62). Pinto e Gonçalves (op. cit.) indicam como eixos estratégicos do MLP: (i) liberalização comercial, produtiva e financeira; (ii) mudanças na forma de intervenção estatal por meio da privatização, reformas da previdência social e desregulamentação dos mercados (notadamente o mercado financeiro e o mercado de trabalho); (iii) dominância da

104 fração bancária-financeira na dinâmica macroeconômica tanto no que diz respeito às formulações/regime e resultados da política macroeconômica como no que se refere à acumulação e distribuição do excedente econômico entre capital e trabalho e entre frações capitalistas; e (iv) aumento da dependência e, consequentemente, da vulnerabilidade externa estrutural que reduz o potencial de crescimento, amplia a instabilidade macroeconômica e tem graves efeitos sobre questões estruturais (emprego, qualificação da mão de obra, educação, etc).

Assim, no MLP, o liberalismo econômico tem como marcos principais a liberalização comercial, financeira e produtiva, desregulamentação e privatização. A política macroeconômica tem se mantido desde o segundo governo FHC e vem se pautando no tripé câmbio flexível, juros altos e foco na geração de superávit primário (GONÇALVES, 2013, p. 54). A forma de inserção da economia brasileira no mercado internacional tem sido passiva, segundo Gonçalves (2013), a partir das chamadas "vantagens comparativas" da exportação de produtos primários, por exemplo. Este tipo de inserção na economia mundial

do chamado MLP significa, segundo Pinto e Gonçalves (2016, p. 11 apud GONÇALVES,

2013), transformações fragilizantes que impõem restrições ao desempenho econômico de longo prazo, implicando tanto instabilidade quanto fraco desempenho macroeconômico. Os autores indicam também que este modelo caracteriza-se por desequilíbrios estruturais fragilizantes, sendo os principais: (1) estrutura de produção: deslocamento na direção do setor primário, desindustrialização e dessubstituição de importações; (2) padrão de comércio exterior: reprimarização das exportações (especialização regressiva); (3) progresso técnico:

dependência tecnológica e aumento do gap tecnológico; (4) origem da propriedade

(desnacionalização); produtividade e competitividade internacional: ganhos no setor primário e perdas nos setores secundário e terciário; (6) vulnerabilidade externa estrutural: passivo externo crescente; (7) concentração de capital; e (8) política econômica (dominação financeira). Conforme os mesmos autores, tais desequilíbrios determinam tendências na estrutura econômica que produzem efeitos diretos e indiretos sobre o mercado de trabalho (desemprego estrutural, precarização, informalização, trabalho autônomo e baixos salários) e sobre a educação (sobre a quantidade, a qualidade e a estabilidade dos investimentos).

Pinto e Gonçalves (op. cit.) indicam dois momentos no ciclo das commodities: uma fase ascendente e uma fase descendente da economia mundial, marcadas pelo aumento e pela queda no seu preço. O deslocamento da estrutura de produção na direção do setor primário (commodities), provoca, na fase ascendente do ciclo internacional dos preços das

105 commodities, os processos de desindustrialização e dessubstituição de importações, implicando uma "volta ao passado" via reprimarização produtiva, uma "repaginada" no capitalismo dependente (PINTO e GONÇALVES, 2016, p. 11), uma verdadeira regressão

social. O locus de acumulação de capital e inovação no Brasil, no século XXI, é o

agronegócio, a pecuária e a mineração (inclusive, petróleo). Há uma heterogeneidade estrutural no setor primário visto que há, de um lado, um setor atrasado com baixa produtividade (por exemplo, a produção agrícola na pequena e média propriedade) e, de outro, um setor moderno com alta produtividade (agronegócio), combinando elementos arcaicos, já que conta com várias denúncias de trabalho escravo. O primeiro atende, principalmente, o mercado interno enquanto o segundo tem forte orientação exportadora. A alta produtividade do agronegócio e da mineração permite maior remuneração dos fatores de produção. Em relação ao trabalho, o setor primário-exportador exerce "força centrípeta" já que paga salários mais elevados para a mão de obra de maior qualificação, tendo um "efeito absorção" da mão de obra qualificada (ibidem, p. 12).

Nestas fases ascendentes da economia mundial, marcadas pelo aumento dos preços

das commodities, as empresas exportadoras do setor primário "sugam" fatores de produção

da indústria e do setor de serviços mais avançados tecnologicamente. O maior custo da mão de obra qualificada e dos insumos aumenta o custo de produção dos segmentos da indústria de transformação que têm potencial para competir internacionalmente, seja via exportação, seja pela competição com produtos importados. Como resultado disto, há perda de competitividade da indústria de transformação e dos serviços tecnologicamente avançados e comercializados internacionalmente. Esta perda de competitividade internacional, no contexto da globalização comercial (liberalização), leva à desindustrialização e à dessubstituição de importações que, por sua vez, implicam menor crescimento econômico e, por sua vez, dentro desta lógica, menor investimento em educação (ibidem). Como a produtividade do setor primário-exportador é elevada, sua capacidade de absorção de mão de obra qualificada é limitada. A desindustrialização reduz as oportunidades de emprego da mão de obra qualificada. Segundo Pinto e Gonçalves (ibidem, pp. 12-13), em decorrência disto, países em desenvolvimento enfrentam o problema da má alocação de recursos humanos: o setor primário absorve trabalhadores qualificados em atividades que não exigem o nível de qualificação que eles obtiveram na sua formação técnica e educacional. Isso gera, no nível individual, um "efeito frustração" e, no nível social, um "efeito desperdício". No primeiro caso, há a compensação de remuneração mais elevada; mas, no segundo, resta o

106 custo social. Adicionalmente, há o fenômeno da "fuga de cérebros", isto é, sem a prometida empregabilidade no setor primário-exportador e frente à ausência de oportunidades de ocupação adequada ao seu nível de proficiência em outros setores, profissionais altamente qualificados optam por emigrar (ibidem, p. 13).

Por sua vez, na fase descendente do ciclo internacional dos preços das commodities,

a reprimarização do padrão de comércio exterior repercute no padrão de crescimento econômico, na alocação da mão de obra e na educação. A questão da deterioração dos termos de troca, nesta fase, implica perda de renda. É o que os autores chamam de modelo

de crescimento empobrecedor (BHAGWATI, 1958 apud PINTO e GONÇALVES, 2016, p.

13), segundo o qual o deslocamento da estrutura de produção na direção do setor

primário-exportador aumenta a quantidade produzida de commodities. Quando se trata de um país

grande produtor internacional, o aumento de sua oferta implica queda do preço no mercado internacional; quando se trata de um pequeno produtor e, simulteamente, outros países aumentam a produção, há elevação da oferta internacional. A concorrência no mercado internacional se dá via preço e não pela qualidade. O menor preço causa o aumento menos do que proporcional da quantidade exportada e, portanto, há queda da renda decorrente da exportação. Nesta situação, há deterioração dos termos de troca, quando os preços de produtos manufaturados e serviços importados não se alteram. Assim, a maior abertura da economia via exportação de commodities gera menor renda, apesar de haver crescimento da quantidade produzida, em decorrência da queda dos preços internacionais das commodities exportadas. O ganho de produtividade é transferido para o consumidor no exterior na forma de redução de preço. Internamente, o resultado é a crise econômica ou o menor crescimento econômico do país exportador de commodities. Tanto a instabilidade quanto a crise afetam investimentos em capital fixo e em educação (ibidem, p. 14).

Neste sentido, para assegurar o modelo de crescimento econômico adotado, Theotônio dos Santos (1987) aponta para a dependência progressiva do progresso da ciência, da pesquisa e do desenvolvimento, e da educação da classe trabalhadora, com o aumento da parte da força de trabalho global dedicada a tarefas de produção do conhecimento, serviços ligados à produção de bens, bem como o aumento da parte de investimento global destinado a essas atividades que têm efeito no crescimento econômico. A lógica da escola dualista e o tipo de formação em nível médio técnico guardam profunda relação com este projeto de desenvolvimento. No capítulo 4, abordo esta problemática ao tratar do Programa Dupla

107 Escola enquanto proposta de ensino médio integrado da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc).

Conforme Pinto e Gonçalves (ibidem), outra consequência da crise do setor primário exportador é o desemprego de mão de obra qualificada que não encontra oportunidades nos outros setores da economia que usam intensivamente esse tipo de mão de obra. Isso ocorre,

pois na fase ascendente dos preços internacionais das commodities, houve

desindustrialização e fragilização do setor de serviços comercializados internacionalmente. Há, portanto, nos países em desenvolvimento, o desemprego estrutural da mão de obra qualificada (fator escasso). Por sua vez, em relação à mão de obra de baixa qualificação, tendo em vista a capacidade restrita de absorção do setor primário moderno, há o deslocamento (força centrífuga) desse tipo de mão de obra para o setor terciário atrasado ou pouco dinâmico tecnologicamente. Como resultados, baixos salários, precarização, trabalho autônomo e autoexploração, além de informalização (ibidem). Embora esta tendência fosse mais acentuada no momento em que a TMD foi formulada, cabe ressaltar que, atualmente, inclusive nos países centrais do capitalismo, como os europeus, temos observado um grau bastante elevado de desemprego estrutural de mão de obra qualificada. Isto indica que, mais do que uma questão deste ou daquele polo, é um problema do capitalismo, isto é, é parte da dinâmica do capital, não sendo, portanto, resolvida pelo mesmo.

Gonçalves (2013) reconhece a queda na desigualdade de renda no Brasil, durante o governo Lula, indicando ser este um fenômeno praticamente generalizado na América Latina (ibidem, p. 162), mas as evidências empíricas são de que não houve alterações notáveis na distribuição funcional da renda (salários, juros e lucros) (ibidem). Além disto, o autor não vê contradição entre queda na desigualdade de renda com o MLP:

(...) o tema da justiça social não está na agenda liberal nem nos elementos constitutivos do MLP. Esse é um não tema em agendas e modelos configurados, em grande medida, por diretrizes como liberalização, desregulamentação, privatização e livre funcionamento das forças de mercado. Naturalmente, a agenda liberal não implica ausência de efeitos positivos sobre a distribuição de renda (Baer; Maloney, 1997). Segundo a agenda liberal, as melhoras distributivas decorrem fundamentalmente do processo de acumulação de capital, progresso técnico e qualificação da mão de obra. A concorrência implica lucros normais, e a crescente incorporação de capital humano pelos trabalhadores resulta na elevação dos salários. A educação desempenha papel central na queda da desigualdade. Investimento em educação permite que os trabalhadores de baixa qualificação acumulem capital humano e, em consequência, ocorra redução do diferencial entre os rendimentos dos trabalhadores qualificados e os de baixa qualificação.

108 2.4 EDUCAÇÃO, ESCOLA E A FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA: ADAPTAÇÃO PSICOFÍSICA DO TRABALHADOR E A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

Os nexos entre os projetos educativos, as relações sociais, modos de produção e formações sociais, ainda que sejam reconhecidos, não são consensuais ou óbvios. Há muitas formas de se pensar tais vínculos. Para Frigotto (2010, p. 27),

A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe.

Neste sentido, este autor elege como foco de preocupação questões no âmbito das relações entre sociedade, processo produtivo, processo de trabalho e educação ou qualificação humana que tem sido tratadas por diferentes campos do conhecimento. Retomaremos suas contribuições sobre tais relações posteriormente.

Muitos autores do campo educacional têm se dedicado à compreender a educação ao longo da história da humanidade (CAMBI, 1999; MANACORDA, 2010). Nesse sentido, as relações entre os diferentes modos de produção, os modelos educacionais e as classes sociais têm perpassado tais estudos. Ponce (2015) faz uma importante síntese da história da educação, focando nas lutas de classes mediadas pelas formas pelas quais os processos educacionais foram sendo organizados, historicamente, dentro das diferentes sociedades. Desde a educação na comunidade primitiva, passando por Grécia e Roma da Antiguidade, pela educação do homem feudal, chegando à educação do homem burguês durante o Renascimento e na Revolução Francesa, até os séculos XIX e início do XX (o livro original foi escrito em 1937). Outra obra fundamental para compreendermos historicamente a