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A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E A FORMAÇÃO ECONÔMICO- ECONÔMICO-SOCIAL BRASILEIRA

por estudiosos dos mesmos, é o livro Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (PERICÁS e SECCO, 2014), que dá a dimensão da vastidão e da diversidade de interpretações que já foram feitas sobre este tema. Nosso desafio aqui é resgatar alguns autores brasileiros, sobretudo de tradição marxista, que se dedicaram a fazer diferentes análises acerca da formação social brasileira, em especial para pensarmos o papel da educação para o desenvolvimento da sociedade brasileira, conservando ou superando as relações sociais historicamente estabelecidas.

2.2 A TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA E A FORMAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL BRASILEIRA

A partir de meados dos anos 1960 e do início da década de 1970, no contexto das ditaduras empresariais-militares na América Latina, alguns autores brasileiros começaram a produzir estudos sobre a formação econômico-social brasileira, sobretudo buscando compreender a forma de inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho (DIT), na economia capitalista mundial. Esses estudos buscavam explicar as novas características do desenvolvimento socioeconômico da América Latina, que começou de fato entre 1930 e 1945, sob o impacto da crise econômica mundial iniciada em 1929, orientando as economias latino-americanas na direção da industrialização, caracterizada pela substituição de produtos industriais importados das potências econômicas centrais por uma produção nacional (DOS SANTOS, 2015, p. 25). Com o fim deste longo ciclo depressivo, após a II Guerra Mundial, reestabeleceu-se a integração destas economias à economia mundial, por meio da hegemonia estadunidense, com a expansão do capital para o resto do mundo em busca de novas oportunidades de investimento que se orientavam para o setor industrial (ibidem). Conforme Dos Santos (2015, p. 25), no período da crise de 1929, a economia estadunidense incorporou o regime de produção fordista e circulação ao mesmo tempo em que a revolução científico-tecnológica se iniciava nos anos 1940. Assim,

A oportunidade de um novo ciclo expansivo da economia mundial exigia a expansão destas características econômicas ao nível planetário. Era esta a tarefa que o capital internacional assumia tendo como base de operação a enorme economia norte-americana e seu poderoso Estado Nacional, além de um sistema de instituições internacionais e multilaterais estabelecido em Bretton Woods. (ibidem)

64 Nessa conjuntura, as indústrias nos principais países dependentes, implantadas nos anos 1930 e 1940, serviram de base para o novo desenvolvimento industrial do pós-guerra e se articularam com o ciclo de expansão do capital internacional cujo núcleo eram as empresas multinacionais criadas nas décadas de 1940 e 1960 (ibidem, pp. 25-26).

Esta nova realidade subsidiou uma contestação à ideia de que o subdesenvolvimento significava a falta de desenvolvimento, permitindo que se compreendesse desenvolvimento e subdesenvolvimento como o resultado histórico do desenvolvimento do capitalismo enquanto sistema mundial que produz ambos (ibidem, p. 26).

Segundo Dos Santos (ibidem), foi neste contexto, de crítica a esta noção etapista de subdesenvolvimento e desenvolvimento, que surgiu a teoria da dependência:

Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado da superação do domínio colonial e do aparecimento de burguesias locais desejosas de encontrar o seu caminho de participação na expansão do capitalismo mundial; a teoria da dependência, surgida na segunda metade da década de 1960, representou um esforço crítico para compreender a limitações de um desenvolvimento iniciado num período histórico em que a economia mundial estava já constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos e poderosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte delas entrava em crise e abria oportunidade para o processo de descolonização.

Neste sentido, autores como Vânia Bambirra (2015), Theotonio dos Santos (2015), Ruy Mauro Marini (2011), André Gunder Frank e Florestan Fernandes (1973) cunharam o que se denominou por Teoria Marxista da Dependência (TMD). Os quatro primeiros, cada qual com formulações e análises particulares, elaboraram conjuntamente a TMD no período em que estiveram como exilados políticos do regime empresarial-militar brasileiro, no

âmbito do Centro de Estudos Socioeconômicos28 (CESO), da Universidad de Chile.

Florestan Fernandes, ainda que não tenha feito parte deste núcleo, ao seu modo, também contribuiu bastante para as reflexões sobre o conceito de capitalismo dependente, decisivo para a compreensão da realidade brasileira e latino-americana, de modo geral.

Após ter sido produzida a partir do final da década de 1960, a Teoria Marxista da Dependência vem sendo retomada recentemente nos meios acadêmicos como uma forma de buscar compreender a conjuntura recente buscando referências nas formações sociais latino-americanas. Conforme Theotônio dos Santos,

28 O CESO foi fundado em 1965 na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidad de Chile, tendo sido fechado por ocasião do golpe empresarial-militar de Pinochet, em 11 de setembro de 1973. É conhecido por ter sido um dos centros de pesquisa onde, a partir de 1967, começou a ser sistematizada a Teoria Marxista da Dependência por um conjunto de intelectuais latino-americanos.

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a retomada da teoria da dependência em escala mundial estava em marcha na medida em que avançava a crise da última investida ideológica do grande capital em escala mundial que se chamou de neoliberalismo.

Nestes últimos 14 anos, vem se constituindo uma corrente de pensamento sob o título de Teoria Marxista da Dependência (TMD) que vem ampliando sua base acadêmica em várias partes do mundo e vem sendo assumida também como referência teórica por importantes setores dos movimentos sociais, com especial ênfase no Movimento dos Sem Terra no Brasil (MST) que publicou recentemente um vídeo em homenagem a Ruy Mauro Marini, nosso colega fraternal cuja contribuição central a esta corrente de pensamento é incorporada amplamente neste livro.

Ao mesmo tempo, o enfoque do sistema mundial que tanto valorizamos, vem alcançando novas fases de desenvolvimento teórico altamente significativo e são muitas as instituições acadêmicas que se consideram integradas neste enfoque que ganhou um enorme campo de seguidores não só na história e na sociologia, como também na Geografia, na Ciência Política e na Economia (particularmente as correntes que retomaram o sentido histórico da Economia Política)29.

Dos Santos cita dois economistas suecos, Magnus Blomstrom e Björn Hettne, que se tornaram "abalizados historiadores da teoria da dependência", tendo identificado dois antecedentes imediatos para o enfoque da dependência em seu conflito com o paradigma modernizante: (1) a crítica ao eurocentrismo implícito na teoria do desenvolvimento, especificamente as críticas nacionalistas ao imperialismo euro-norte-americano e a crítica à economia neoclássica de Raul Prebisch e da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe); (2) o debate entre o marxismo clássico e o neo-marxismo, no qual se ressaltam figuras como Paul Baran e Paul Sweezy. De forma sintética, Blomstrom e Hettne resumem em quatro pontos as ideias centrais defendidos pelos vários componentes da escola da dependência: (i) o subdesenvolvimento está conectado de maneira estreita com a expansão dos países industrializados; (ii) o desenvolvimento e o subdesenvolvimento são aspectos diferentes do mesmo processo universal; (iii) o subdesenvolvimento não pode ser considerado como a condição primeira para um processo evolucionista; (iv) a dependência não só é um fenômeno externo, mas ela se manifesta também sob diferentes formas na estrutura interna, nos aspectos sociais, ideológicos e políticos (DOS SANTOS, 2015, pp. 26-27).

Segundo Santos, Blomstrom e Hettne distinguem três ou quatro correntes na escola da dependência (ibidem, pp. 27-28) :

(a) a crítica ou autocrítica estruturalista dos cientistas sociais ligados à CEPAL que descobrem os limites de um projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Neste

29 No texto sobre a reedição ampliada e atualizada de sua obra Teoria da Dependência: balanços e perspectivas, em 2015, p. 7.

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grupo eles colocam inquestionavelmente Oswaldo Sunkel e uma grande parte dos trabalhos maduros de Celso Furtado e inclusive a obra final de Raul Prebisch reunida no seu livro O Capitalismo Periférico. Fernando Henrique Cardoso às vezes aparece como membro deste corrente e outras vezes se identifica com a seguinte (tese que os membros desta corrente claramente rechaçam e com boa razão).

b) A corrente neo-marxista que se baseia fundamentalmente nos trabalhos de Theotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra, assim como os demais pesquisadores do Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Universidade do Chile (CESO). André Gunder Frank aparece às vezes como baseia fundamentalmente nos trabalhos de Theotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra, assim como os demais pesquisadores do Centro de Estudos Sócio-Econômicos da Universidade do Chile (CESO). André Gunder Frank aparece às vezes como membro do mesmo grupo, mas sua clara posição de negar seu vínculo teórico estreito com o marxismo e sua proposição de um esquema de expropriação internacional mais ou menos estático o separam do enfoque dialético dos outros

neo-marxistas.

c) Cardoso e Faletto se colocariam numa corrente marxista mais ortodoxa pela sua aceitação do papel positivo do desenvolvimento capitalista e da impossibilidade ou não necessidade do socialismo para alcançar o desenvolvimento.

d) Neste caso, Frank representaria a cristalização da teoria de dependência fora das tradições marxista ortodoxa ou neo-marxista.

Theotônio dos Santos afirma que a caracterização feita por Blomstrom e Hettne, "apesar do brilhantismo e do esforço de fidelidade expresso no seu esquema teórico, podem ser contestados no que respeita à sua apresentação do debate entre o pensamento ortodoxo marxista e a corrente que ele chama de neo-marxista". O autor não chega a aprofundar essa crítica, mas indica que "esta última corrente tem muitos matizes que eles parecem não reconhecer". Apesar disso, Dos Santos reconhece que esta é a proposta que mais se aproxima de uma descrição correta das principais tendências teóricas que conformaram a teoria da dependência (ibidem, p. 28).

Outra análise das correntes da teoria da dependência apresentada por Santos (ibidem,

pp. 28-29) foi a realizada por André Gunder Frank, em seu estudo O desenvolvimento do

subdesenvolvimento. Dentre os estruturalistas, ele cita Raul Prebisch, Celso Furtado, Osvaldo Sunkel, Pedro Paz, Aníbal Pinto, Maria da Conceição Tavares, Hélio Jaguaribe, Aldo Ferrer, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto. Em relação à teoria da dependência, além de Cardoso e Faletto, ligados a ambas as escolas, os demais autores que ele menciona são Paul Baran, André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Aníbal Quijano, Franz Hinkelammert, Oscar Braun, Samir Amin, Arghiri Emmanuel e Warren. Gunder Frank ainda diferencia, no debate sobre a teoria da

67 dependência, os reformistas, os não-marxistas, os marxistas e os neo-marxistas. a) Theotônio dos Santos

Theotônio dos Santos, nascido em 1936, é mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasilia (UnB) e doutor em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, é pesquisador nacional sênior da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Cátedra e Rede da Unesco sobre "Economia Global e Desenvolvimento

Sustentável" (REGGEN)30. É um dos formuladores da teoria da dependência e,

posteriormente, migrou suas atenções para a teoria do sistema-mundo, da qual foi um dos principais elaboradores, juntamente com Immanuel Wallerstein, Samir Amin, Giovanni Arrighi e André Gunder Frank. Essa mudança de enfoque fica nítida, sobretudo em suas obras mais recentes. Segundo o próprio, desde 1974, no seu segundo exílio no México, passou a dedicar-se "às questões mais globais da revolução técnico-científica e da economia mundial evoluindo junto com Imanuel Wallerstein, André Gunder Frank e Samir Amin,

entre outros, para a teoria do sistema mundial, sobre a qual prossigo meus estudos atuais"31

(DOS SANTOS, 2015, p. 131). Devido à dificuldade de identificar mais a fundo as mudanças no pensamento deste autor ao longo das décadas, concentrei-me aqui no capítulo

"A Teoria da Dependência: um balanço", do livro Teoria da Dependência: balanço e

perspectivas, publicado originalmente no Brasil em 2000 pela Editora Civilização Brasileira, reeditado, ampliado e atualizado, em que ele busca fazer um balanço histórico da mesma.

O autor destaca a grandiosidade dos pensadores sociais latino-americanos, indicando a originalidade do peruano marxista José Carlos Mariátegui, na década de 1920, e de outros tantos, nas décadas de 1930, 1940 e 1950: Gilberto Freire, Josué de Castro, Caio Prado

Júnior, Guerreiro Ramos, Raul Prebisch, Sérgio Bagú, Florestan Fernandes32 e Gino

Germani (ibidem, pp. 30-31). Dos Santos destaca a crescente densidade do pensamento

30 Informações retiradas de seu site oficial http://theotoniodossantos.blogspot.com.br/p/sobre-o-autor_3835.html Acesso em 01 de dezembro de 2016.

31 Em uma nota no capítulo 5 (Dívida externa e interna, as políticas econômicas e a questão democrática), no texto "Os fundamentos teóricos do governo Fernando Henrique Cardoso: uma etapa de polêmica sobre a Teoria da Dependência", presente no livro Teoria da Dependência: balanço e perspectivas, Editora Insular, 2015.

32 A quem ele se refere como "cujo esforço metodológico de integrar o funcionalismo de origem durkheimniano, o tipo-ideal weberiano e a dialética materialista marxista talvez não tenha tido os resultados esperados, mas impulsionou um projeto filosófico-metodológico que vai se desdobrar na evolução do pensamento latino-americano como contribuição específica às Ciências Sociais Contemporâneas". Isso ajuda a compreender um pouco das diferenças entre Theotônio dos Santos para com Florestan Fernandes, ainda que reconheça sua importância.

68 social latino-americano, resultando na acumulação de variadas propostas metodológicas na região.

Neste sentido, a teoria da dependência tentou ser uma síntese deste desenvolvimento intelectual e histórico, partindo da crítica de Bagú, Vitale e Caio Prado Júnior ao conceito de feudalismo aplicado à América Latina (ibidem, p 31). Ele retoma também a crítica de Frank à definição do caráter das economias coloniais como feudais, reconhecendo que esta servia de base às propostas políticas que apontavam para a necessidade de uma revolução burguesa na região. Tomando como exemplo a Revolução Cubana, que se declarou socialista em 1962, Frank abriu fogo contra as tentativas de limitar as revoluções latino-americanas ao contexto da revolução burguesa, já que vai declarar o caráter capitalista da América Latina desde seu berço.

Enquanto produto da expansão do capitalismo comercial europeu no século XVI, a América Latina surgiu para atender as demandas da Europa e se insere no mundo do mercado mundial capitalista (ibidem). Dos Santos tece uma critica à análise de Frank devido ao seu caráter estático de seu modelo e ao seu desprezo pelas relações de produção assalariadas como o fundamento mais importante do capitalismo industrial, mas reconhece que Frank acertou na essência de sua crítica. Assim,

A América Latina surge como economia mercantil, voltada para o comércio mundial e não pode ser, de nenhuma forma, identificada com modo de produção feudal. As relações servis e escravistas desenvolvidas na região foram parte pois de um projeto colonial e da ação das forças sociais e econômicas comandadas pelo capital mercantil financeiro em pleno processo de acumulação - que Marx considera primária ou primitiva essencial para explicar a origem do moderno modo de produção capitalista. Estas formações sociais de transição são de difícil caracterização. Já lançamos, na época deste debate, a tese de que há uma semelhança entre as formações sociais de transição ao socialismo e estas formações socioeconômicas que serviram de transição ao capitalismo.

(DOS SANTOS, ibidem, p. 32)

Por esta concepção, Dos Santos sustenta que não se poderia esperar que a revolução democrático-burguesa fosse o fator mobilizador da região. Neste sentido, a posição defendida por Frank nega o caráter nacional das burguesias latino-americanas. Por serem formadas nos interesses do comércio internacional, elas se identificavam com os interesses do capital imperialista e abdicavam completamente de qualquer aspiração nacional e democrática (ibidem). Por sua vez, Santos postula que as figuras dos anos 1930 como Roberto Simonsen, Euvaldo Lodi e outros, bem como entidades da classe burguesa como a Federação Nacional da Indústria formulavam um projeto de desenvolvimento com alto conteúdo nacionalista e apoiavam o projeto de Estado Nacional Democrático dirigido por

69 Getúlio Vargas (ibidem, p. 33). Apesar disso, Dos Santos mostra os limites estruturais deste projeto diante de uma expansão das empresas multinacionais para o setor industrial, com vantagens tecnológicas definitivas, só podendo ser detidas na sua expansão por Estados Nacionais muito fortes que necessitavam de um amplo apoio na classe operária e na classe média, sobretudo entre os estudantes que aspiravam o desenvolvimento econômico como única possibilidade de incorporá-los ao mercado de trabalho (ibidem). Por isso, não se tratava de uma questão de ausência de conhecimento ou disposição de luta ou determinação por parte das burguesias nacionais, mas, sim, sérios limites de classe no projeto nacional democrático que chegou a ser desenvolvido intelectualmente pelo IBESP e, posteriormente, pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), nos anos 1950. Tal projeto tinha uma base material na Federação Nacional das Indústrias e em vários órgãos da administração pública que apoiaram o segundo governo Vargas, quando este projeto alcançou seu auge. Essas forças políticas, no entanto, demonstraram-se exitantes ao se depararem com a força e a profundidade da oposição dos centros de poder mundial a este projeto. No governo de Juscelino Kubistchek, o Brasil abria suas portas ao capital internacional, "garantindo, contudo, suas pretensões estratégicas exigindo um alto grau de integração do seu parque industrial que deveria expandir-se até a montagem de uma indústria de base" (ibidem, pp. 33-34).

Ainda segundo Dos Santos, esse crescimento do setor industrial entre 1955 e 1960 fez aumentar as contradições socioeconômicas e ideológicas no país. O golpe de Estado de 1964 fechou as portas ao avanço nacional-democrático e colocou o país no caminho do desenvolvimento dependente, apoiado no capital internacional e em um ajuste estratégico com o sistema de poder mundial. Para Theotônio, se, por um lado, o projeto democrático nacional ganhou força com o avanço da industrialização nos anos 1930, tendo sido apoiado por camadas da tecnocracia civil e militar, setores de trabalhadores e da própria burguesia, o mesmo perdeu seu caráter hegemônico apesar de ter alguns momentos de irrupção no poder central durante a ditadura.

Tal projeto teria reaparecido pós-regime empresarial-militar, no movimento pelas "Diretas Já", influenciando as eleições locais e tendo marcado a formação do chamado "centrão" durante a fase final da Constituinte de 1988. Contudo, a reorganização dos setores hegemônicos da classe dominante fez com que retomassem o controle em 1989, com a vitória eleitoral de Fernando Collor, encontrando um caminho ainda mais sólido com a aliança de centro-direita que venceu as eleições de 1994, com Fernando Henrique Cardoso

70 (FHC) na presidência (ibidem, pp. 34-35). Coincidentemente, FHC fora um dos intelectuais que demonstraram, ainda nos anos 1960, a debilidade da burguesia nacional e sua disposição em converter-se em uma associada menor do capital internacional. Ele também foi um dos que observou o limite histórico deste projeto nacional-democrático e do populismo que o conduzia. Desde 1974, FHC aceitou a irreversibilidade do desenvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a democracia representativa. A tarefa democrática, segundo o mesmo, então, convertia-se em objetivo central na luta contra um Estado autoritário, apoiado sobretudo em uma "burguesia de Estado", que sustentava o caráter corporativo e autoritário do mesmo. Para ele, os inimigos da democracia não seriam, portanto, o capital internacional e sua política monopolista, captadora e expropriadora dos recursos gerados nos nossos países, mas o corporativismo e uma burguesia burocrática e conservadora que limitou a capacidade de negociação internacional do país dentro do novo patamar de dependência gerado pelo avanço tecnológico e pela nova divisão internacional do trabalho que se esboçou nos anos 1970, resultado da realocação da indústria mundial (ibidem, p. 35).

Estas teses de Cardoso ganharam força internacional na América Latina nos anos 1980, criando um ambiente ideológico de alianças de centro-direita, no México, na Argentina, no Peru, na Bolívia e no Brasil. Uma ala da esquerda populista ou liberal aderiu ao programa de ajuste econômico imposto pelo Consenso de Washington, em 1989, e assegurou a estabilidade monetária e o bastante precário equilíbrio macroeconômico dela derivado (ibidem). Em troca da adesão a este programa, estes governos garantiram um amplo período no poder por meio do apoio internacional do qual desfrutaram sobretudo sob a forma de vastos movimentos de capital financeiro e a sua articulação incondicional com a imprensa internacional. Tal submissão estratégica crescente das burguesias latino-americanas confirmaria, segundo Santos, seu caráter "entreguista" e "comprador".

Além disso, a crise da dívida externa e as políticas de ajuste para assegurar o pagamento da mesma, nos anos 1980, confirmou o caráter dependente das economias latino-americanas, não sem resistências a este projeto neoliberal. Tais resistências ao projeto neoliberal contribuíram para mantê-lo dentro de um regime liberal democrático, o que, também segundo Dos Santos (ibidem, p. 36) parece dar razão à tese de que o