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ESTADO, CLASSES, FRAÇÕES DE CLASSE E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA: O CONCEITO DE BLOCO NO PODER

Um conceito absolutamente central e polissêmico nas Ciências Sociais e no campo educacional é o de Estado. Compreender o fenômeno educativo, particularmente o escolar, as políticas públicas, os diferentes modos de organização social e as diversas formas de sociabilidade passa por pensar suas mediações com o Estado. A formação e a configuração do Estado são processos que têm se dado a partir do início do século XV, sendo este, portanto, fundado na Modernidade. Desde então, têm sido feitas diversas análises e tentativas de compreender a natureza desse Estado Moderno por autores como Maquiavel, Bodin, Hobbes, Locke, Russeau, Hegel, Engels e Marx. É importante compreendermos o Estado em sua dimensão histórica, como produto das relações sociais e da correlação de

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forças em uma determinada sociedade. Gruppi (1980)40 reúne uma síntese das concepções

de Estado destes e de outros autores clássicos que vale a pena ser lida. Outra excelente obra de síntese das principais correntes teóricas que se debruçaram a formular sobre a natureza do Estado, na teoria política clássica, é de Montaño e Duriguetto (2011). Nela, seguem-se sínteses sobre o jusnaturalismo e contratualismo de Hobbes e Russeau, chegando à concepção de Estado e sociedade civil em Hegel, passando-se pelo Estado racional moderno de Webber. A ênfase é nos autores de tradição marxista, como Marx e Engels, Lenin e Gramsci. A partir das formulações de Gramsci, sobretudo em relação ao conceito de hegemonia e à sua conceituação de Estado integral, outros autores marxistas dedicaram-se a elaborar suas próprias teorias sobre o Estado, incorporando elementos gramscianos ou fazendo críticas a tais constructos teóricos. Bob Jessop (2009) destaca as formulações de Louis Althusser, Nicos Poulantzas e Christine Buci-Glucksmann acerca dos desenvolvimentos posteriormente feitos por eles do conceito gramsciano de Estado integral.

Nicos Poulantzas (1936-1979), filósofo, sociólogo e membro do Partido Comunista da Grécia (KKE), foi um importante marxista que formulou uma teoria sobre o Estado capitalista, adotando uma perspectiva de Estado relacional. O artigo de Jessop (2009) destaca que ao longo da obra de Poulantzas, o conceito de Estado foi sendo revisto e modificado, inicialmente mais influenciado pela concepção althusseriana, e, posteriormente, incorporando mais elementos gramscianos, tais como sua abordagem da ideologia e da hegemonia como exercício de liderança política, intelectual e moral. Poulantzas sugeriu que a liderança hegemônica era o traço central que definia o poder de classe nas sociedades capitalistas avançadas, que, em sua opinião, eram baseadas economicamente em um individualismo possessivo e, politicamente, na cidadania individual em um Estado nacional. Chamou a atenção, também, para a ênfase de Gramsci no papel do Estado na mediação e na organização da hegemonia do bloco no poder, assim como na desorganização das classes subalternas. Tais ideias influenciaram teoricamente o terceiro estágio de seu

desenvolvimento, após Poder político e classes sociais, quando ele fez uma mudança

significativa em seu trabalho sobre o Estado capitalista, mas tiveram um papel bem menor em suas ideias sobre estratégias políticas revolucionárias (ibidem, pp. 105-106).

40 Vale a pena a leitura do trabalho produzido por Luciano Gruppi, cuja síntese (“A questão do Estado”) está disponível em:

https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=http://www.academus.pro.br/professor/ivanclementino/A% 20Quest%C3%A3o%20do%20Estado%20-%20Luciano%20Gruppi%20(Italia).doc Acesso em 05 de março de 2017.

122 Feita essa introdução das diferentes concepções de Estado dentro da tradição marxista, cabe agora aprofundar a leitura que temos feito, em diálogo com elas. Especialmente, tal diálogo se dará com as formulações de Nicos Poulantzas, sobretudo, pois penso que nos auxiliam a compreender como as disputas entre classes e frações de classes projetam seus interesses para dentro do Estado e o tensionam para implemetar determinados projetos e políticas, de modo contraditório, embora mantendo certa unidade enquanto classe dominante. No caso desta pesquisa, a teoria de Estado poulantziana auxilia a entender melhor a conjuntura que permitiu a instalação do projeto da TKCSA na Baía de Sepetiba, enquanto representante de um projeto de desenvolvimento da fração da grande burguesia industrial (com forte orientação para o mercado externo) do setor da indústria de commodities intensiva em capital, fortemente apoiada e subsidiada pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, o conceito poulantizano de bloco no poder torna-se imprescindível para uma melhor compreensão das relações entre as frações da classe dominante e o Estado. Conforme Pinto et al (2016, p. 6), o categoria bloco no poder auxilia na "mediação entre os diferentes níveis de abstração entre o capital em geral e as frações de classe (pluralidade de capitais) e a integração entre os planos da luta econômica (acumulação) e política das classes (Estado)". Pinto e Balanco (2014, pp. 39-40) problematizam que estudos contemporâneos de diversos matizes teóricos têm concebido o Estado, quase sempre como um criador autônomo e idealizado que determina a sociedade e suas estruturas (alçando-o à condição de fonte primária do processo reprodutivo) ou, então, como uma criatura passiva que é o reflexo da sociedade (reduzindo-o à condição de um comitê da burguesia ou de uma arena neutra que apenas reflete o mercado eleitoral). Contrapondo-se a estas concepções, estes dois autores buscam formular uma compreensão do Estado em duas dimensões, dialeticamente relacionadas: abstrato-formal e concreto-real. No plano abstrato-formal, em um maior nível de abstração, o Estado funciona como o grande organizador tanto da acumulação como da ordem capitalista na medida em que atua na construção de elementos institucionais e econômicos favoráveis à acumulação do capital (p. ibidem, 41). Assim, de modo geral, os principais instrumentos de atuação do Estado estão assentados:

no (i) monopólio do uso da violência para garantir e proteger a propriedade privada; na (ii) formulação e imposição das leis (destacadamente as referentes à gestão estatal da força de trabalho) que criam os instrumentos legais para o cumprimento dos contratos e regulam a forma de trabalho por meio da disciplina do trabalho e da insegurança do emprego; e na (iii) gestão da moeda, da tributação e da dívida pública (políticas monetárias e fiscais) que garantam a estabilidade do valor real da moeda, a regulação do conflito distributivo e assegure a previsibilidade para a rentabilidade (ou cálculo empresarial privado etc.)

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(BRUNHOFF, 1985; PANITCH & GINDIN, 2005; CARDOSO JR., PINTO & TARSO, 2010 apud PINTO e BALANCO, 2014, pp. 41-42)

Por sua vez, no plano concreto-real, nível mais baixo de abstração, são tomados elementos da conjuntura, ou seja, os condicionantes internos ao Estado (sua ossatura e as

suas disputas internas - locus político onde se travam os embates entre os segmentos

dominantes e os populares) que são fundamentais para compreender a construção e a adoção de medidas estatais, em especial a política econômica (PINTO e BALANCO, 2014, p. 40).

Pinto e Balanco (2014, p. 43) levantam que o debate a respeito do papel do Estado foi realizado por boa parte do marxismo assumindo duas tendências: uma ótica instrumentalista (funcionalista) e outra estruturalista, ambas derivadas de uma ampla gama de posições. Segundo a perspectiva instrumentalista, o Estado funciona como um "instrumento nas mãos das classes dominantes, ou, mais concretamente, de suas variadas frações burguesas"; por sua vez, na ótica estruturalista, o Estado é concebido "como nada mais do que algo postado acima dos conflitos de classes, ou como instância dotada de total

autonomia diante deles" (OLIVEIRA, 2004, P. 216 apud PINTO e BALANCO, op. cit.).

Com uma visão crítica a ambas posições, tais autores colocam-se em defesa da perspectiva relacional, desenvolvida nos últimos trabalhos de Poulantzas, a qual compreende o Estado como um campo e um processo estratégicos onde se entercruzam núcleos e redes de poder das frações de classe no bloco no poder (PINTO e BALANCO, 2014, p. 40).

Tendo em vista estes diferentes níveis de abstração e apreensão da realidade, é importante apresentar alguns elementos teóricos, no sentido de compreender as mediações entre o capital em geral e a pluralidade de capitais, a classe capitalista ou burguesa e as frações da classe burguesa. Não é objetivo aqui aprofundar o debate acerca dos diferentes entendimentos do conceito de classe social. Tal debate foi brilhantemente sintetizado em Montaño e Duriguetto (2010, pp. 77-132) e em Pinto (2010, pp. 32-54).

No plano de abstração mais elevada do modo de produção capitalista, Marx identificou, sobretudo n'O Manifesto do Partido Comunista (2002), duas classes fundamentais, a burguesia e o proletariado, conforme as relações de compra e venda da força de trabalho entre exploradores e explorados. Para Marx, as classes fundamentais, ao longo da história, constituem-se principalmente a partir da polarização entre os produtores diretos da riqueza (os escravos, os servos, os trabalhadores) e os proprietários dos meios de

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produção41 (amos ou patrícios, senhores feudais, burgueses), entre os criadores e os

usurpadores de riqueza que caracteriza um determinado tipo de sociedade, um modo de produção (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2011, p. 85). Já n'O Capital, ele caracteriza as classes a partir dos fundamentos do modo de produção capitalista, em três classes fundamentais, os trabalhadores (proprietários de mera força de trabalho), os capitalistas (proprietários de capital) e os proprietários de terras, cujas respectivas fontes de rendimento são os salários, o lucro e a renda fundiária.

Em obras como n'O 18 Brumário de Luis Bonaparte (2008) e n'A luta de classes na França, a partir de análises das formações sociais específicas, das situações concretas dos indivíduos, e das classes em processo de oposição e lutas, Marx apresenta uma variedade

mais ampla e heterogênea de classes (MONTAÑO e DURIGUETTO, op. cit., p. 84):

burguesia industrial, aristocracia financeira, alta burguesia, pequena burguesia, camponeses, operariado, proletariado, lumpem proletariado (ibidem, p. 90). Tomando-se as classes, frações e camadas sociais identificadas n'O 18 Brumário, outra caracterização similar, agrupando-se conforme suas posições políticas naquela formação social específica seria: proletariado; pequena burguesia; burguesia republicana; grande burguesia financeira, industrial e comercial; burguesia agrária e proprietários de terra em geral; campesinato conservador, lumpem proletariado e exército. A cada uma destas corresponderam partidos e tendências políticas, respectivamente: Blanqui, Cabet, Raspail, Barbés, a ala esquerda da socialdemocracia; o restante da socialdemocracia; os republicanos puros; os monarquistas orleanistas (Conde de Paris, Luis Felipe de Orleans); os monarquistas legitimistas (Conde de Chambord, o pretenso Henrique V); os bonapartistas, sociedade 10 de Dezembro.

Concordando com Pinto (2010, pp. 47-48), apoiando-se em Marx, Gramsci e Poulantzas, tanto os aspectos da luta econômica quanto os decorrentes das dimensões políticas e ideológicas são fundamentais na identificação das classes. Segundo este autor,

No plano do modo de produção capitalista, como um objeto formal-abstrato, podem-se identificar as duas classes centrais: os capitalistas e os operários; no entanto, quando se analisam as formações sociais (objetos real-concreto) a identificação das classes não pode ficar restrita apenas ao processo de reprodução do capital em geral em sua dinâmica de extração de mais-valia dos operários (posições que ocupam no processo de produção), já que, em determinadas conjunturas históricas, as dimensões políticas e ideológicas podem ser fundamentais para identificar como algumas classes se tornam fundamentais, pelo menos temporariamente, para sustentar a lógica de dominação dos capitalistas/burgueses como classe

41 A saber, no mundo de produção capitalista, a terra, a indústria, a ferramenta, as máquinas, os recursos materiais.

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social.

A identificação das classes (frações) na dimensão das relações de produção, nas formações sociais (objeto real-concreto), é direta (proprietários e não proprietários), no entanto, algumas classes (frações), em determinadas formações, assumem um caráter autônomo. É que necessariamente não se consegue identificá-las apenas pelo nível econômico, mas também tem que se levar em conta as dimensões políticas e ideológicas.

Portanto, em síntese, é possível caracterizar as classes e as frações de classe em dois níveis indissociáveis: (1) o nível estrutural do modo de produção; e (2) o nível conjuntural da formação social (MONTAÑO e DURIGUETTO, 2010, p. 91). No nível do modo de produção, o da estrutura social, o fundamento é a separação do produtor direto dos meios de produção, e sua necessidade de vender sua força de trabalho aos donos daqueles, o capitalista, em troca de um salário, estabelecendo uma relação de emprego, na qual parte da mais-valia produzida pelo trabalhador será explorada pelo capitalista. Nesse nível de concretização e de análise das classes sociais, constituem-se as duas classes sociais fundamentais, capital e trabalho, enfrentadas como classe dominante e dominada, exploradora e explorada, em uma relação de antagonismo. Por sua vez, no nível da formação econômica e social, a análise da estrutura cede lugar ao estudo da dinâmica social concreta, e satura-se de determinantes concretos, conjunturais. Nas palavras de Montaño e Duriguetto (2010, p. 92, grifos dos autores),

Aqui devem ser considerados os estágios históricos e contextos geográficos específicos (o capitalismo concorrencial ou monopolista, a fase de expansão ou a de crise, o capitalismo central ou periférico, o país ou região específicos). As classes subdividem-se não só pela sua participação no processo produtivo, mas também pela sua concorrência e diferenciação no mercado, assim pelas suas diversas condições de vida. Os indivíduos deixam de ser meras "personificações de categorias sociais" e econômicas, são aqui indivíduos e grupos concretos.

Se no primeiro nível de concretização e de análise das classes, o do MPC, estrutural, tende-se a um modelo dicotômico, no nível das formações econômicas e sociais, o da dinâmica social, o modelo tende a expressar toda a sua pluralidade, heterogeneidade e mobilidade.

Levando-se em conta as formas "concretas" do capital, a pluralidade de capitais, as relações da burguesia com o exterior e as dimensões políticas ideológicas associadas, Pinto et al (2016, p. 8) sustentam ser possível identificar as seguintes frações da classe burguesa, válidas também para a formação social brasileira: burguesia comercial, burguesia industrial e burguesia portadora de juros (bancário-financeira) - que não pode ser confundida com o processo de financeirização. Isto porque, cotemporaneamente, essas frações estão, em boa medida, financeirizadas (inseridas na lógica do capital fictício), apesar de não estarem

126 necessariamente ligadas organicamente às frações da grande burguesia bancário-financeira (ibidem, p.9). Tais frações são também potencialmente divididas pelo seu tamanho (de seus respectivos capitais) e por suas relações com o exterior. A fração da grande burguesia bancário-financeira é o núcleo central do processo de financeirização (acumulação fictícia), já que a maior parte de seus lucros é originária da acumulação por meio da posse de títulos da dívida, de ações, derivativos financeiros e bônus corporativos.

Neste sentido, buscando identificar os principais grupos econômicos, seus respectivos setores na economia e as frações de classe correspondentes, Pinto (2010) aponta algumas frações da classe burguesa integrantes do bloco no poder no Estado brasileiro: grande burguesia nacional e internacional do agronegócio; grande burguesia nacional; grande burguesia industrial interna (nacional) e internacional; setor produtivo estatal; grande burguesia comercial nacional; grande burguesia bancário-financeira nacional e internacional. Cabe frisar que a existência das frações burguesas em uma dada formação histórico-social, constituída por determinadas instituições, não implica na fragmentação do poder econômico e político do capital, mas sim em constantes movimentos de unidade/cooperação e conflito entre essas frações capitalistas (corporificadas na dinâmica do bloco no poder) no

plano das formações sociais (PINTO et al, 2016, p. 9). Os autores, apropriando-se do

conceito poulantziano de bloco no poder, o trazem, então, para a compreensão das relações entre as frações de classe entre si e com o Estado capitalista:

Nesse sentido, o bloco no poder é uma unidade contraditória entre distintas classes e/ou frações de classes, sob a hegemonia, no seu interior, de uma dessas frações, em suas relações com o Estado capitalista. Essa cateogoria mediadora pode ser utilizada tanto no plano econômico da concorrência capitalista (luta econômica de classes) como no plano político das práticas políticas de classe (luta política de classes), refletindo o conjunto das instâncias, das mediações e dos níveis da luta de classes (POULANTZAS, 1977; PINTO, 2010 apud PINTO et al, 2016, p. 9).

Em uma nota, eles destacam que o conceito de hegemonia que estão adotando é o gramsciano, quando a classe dominante, ou uma de suas frações, ocupa um lugar decisivo no padrão de acumulação, em um determinado momento histórico e, a partir de seus interesses econômicos, políticos e ideológicos, consegue uma unidade orgânica, isto é, um "bloco histórico", entre as demais frações das classes dominantes, de forma consentida, articulando, ao mesmo tempo, seus interesses aos das classes dominadas (ibidem). Em nota posterior, os autores lembram que existe uma luta econômica e política entre as frações da classe dominante que, por um lado, materializa-se por meio da concorrência nos mercados e, por

127 outro, corporifica-se na disputa das frações dominantes na arena política (Estado) pela hegemonia no bloco no poder. Apesar destas disputas, existe uma consciência de classe (luta econômica e política) que articula os dominantes no bloco no poder mediante o controle sobre a força de trabalho (os dominados), o que garante a acumulação de riqueza e de poder por meio da manutenção da extração de mais-valia no âmbito da luta econômica de classes (PINTO, 2010 apud PINTO, 2016, p. 9).

Considerando-se o plano político, o bloco no poder é formado pelas classes (e frações) que atuam nas áreas de poder (centro de poder = poder real) no seio do Estado, isto

é, ocupam o locus da dominação da luta política de classes. Entende-se como centros de

poder os lugares institucionais onde as decisões fundamentais são efetivamente tomadas, inclusive sem nenhuma subordinação hierárquica a outra agência burocrática do sistema estatal. Estes são os locais institucionais do Estado para onde são direcionadas as principais demandas das classes ou frações de classes dominantes (CODATTO, 1997; PINTO, 2010 apud PINTO et al, 2016, p. 10).

Além disso, o bloco no poder, bem como sua dinâmica e periodização interna, é conformado na dimensão das práticas políticas de classe, sendo esta diferente da dimensão da cena política. Esta última situa-se no âmbito das disputas eleitorais e dos partidos políticos (espaços de representação e disputas políticas dos interesses dos dominantes e dominados mediados por agentes políticos individuais e/ou por partidos). Apesar das diferenças entre cena e prática política, esses elementos podem se interpenetrar, em determinadas conjunturas históricas e espaciais, dando a falsa impressão de que prática e cena política constituem uma unidade indissociável. Essa falsa ideia gera uma dupla confusão quando "reduz as relações de classe às relações entre partidos, e as relações entre partidos às relações de classe" (POULANTZAS, 1977, p. 246 apud PINTO, op. cit.).

Assim, é a partir da análise do bloco no poder e de suas relações internas que é possível decifrar a significação real das práticas políticas de classe, suas relações com os partidos que operam na cena política e suas relações com a fração política detentora do aparelho do Estado. Detentora no sentido de recrutar os políticos, os burocratas e os militares das diversas frações de classe, inclusive em algumas situações nos segmentos dominados, com vistas a ocupar os diversos órgãos do Estado, bem como seu "núcleo de poder" (ibidem, p. 10). As práticas políticas, portanto, só conseguem ser concebidas por meio da análise da dinâmica do bloco no poder em seus espaços concretos de atuação

128 (acumulação, no campo da luta econômica de classe, e Estado, no campo da luta política de classe).

Adotar tal referencial teórico-metodológico implica em não conceber o Estado por meio de ideias pré-concebidas a respeito de seu papel ativo ou passivo, mas, por sua vez, assumir uma perspectiva relacional que considera o Estado como a combinação (em maior ou menor grau) da autonomia relativa e da subordinação de determinados interesses de classe, conforme a conjuntura espacial e temporal; e como um elemento intrínseco/endógeno ao processo de acumulação do capital (OLIVEIRA, 2004; PINTO e BALANCO, 2014 apud PINTO, op. cit., pp. 10-11).

Cabe resgatar aqui os dois níveis de abstração do Estado capitalista, qual seja abstrato-formal e concreto-real, para compreender que, em certas situações históricas específicas, o Estado pode assumir, por um certo período determinado, uma autonomia relativa, isto é, a capacidade de decisão e de iniciativa relativas diante das frações do bloco no poder, podendo inclusive vir a ser mais influenciado, em certo grau, por segmentos dos dominados. Nem por isso, o Estado deixa de ser o espaço de dominação do bloco no poder e do capital em geral, já que ele atua como o grande organizador da acumulação e da ordem capitalista (ibidem, p. 11). No entanto, só é possível perceber o conflito entre capital e Estado no modo de produção capitalista quando se considera os capitalistas individualmente (frações de classe), em suas disputas e em suas relações com o Estado em um determinado contexto histórico e espacial (plano concreto/nível conjuntural), já que, no plano abstrato-formal, o Estado "é a forma política da sociedade burguesa", em que