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A política saneadora de Sales e Murtinho e as reações da lavoura cafeeira

CAPÍTULO 2 SISTEMA BANCÁRIO, POLÍTICA ECONÔMICA E PROPOSTAS DE

2.2 A política saneadora de Sales e Murtinho e as reações da lavoura cafeeira

Em março de 1898 Campos Sales foi eleito Presidente da República e partiu para a Europa pouco depois da eleição para negociar a dívida externa com credores. Da mesma forma, os credores também admitiam o acordo e, no mês de maio, um diretor do London and River Plate Bank veio ao Brasil e, junto do então ministro da Fazenda Bernardino de Campos, do ex-ministro Rodrigues Alves e de Campos Sales, o acordo foi celebrado, tendo como contratantes o governo brasileiro e os srs. N. M. Rothschild & Sons (PACHECO, 1979, p. 447).

Apesar da aceitação positiva, o projeto levantou desconfianças no Senado. Rodrigues Alves chegou a declarar que o próprio governo tinha consciência de que a medida era necessária para o momento, mas que não resolveria a crise financeira. Por este motivo, governo e Congresso deveriam se unir para encontrar uma saída mais efetiva.

Em pronunciamento na Câmara, o deputado Serzedello Corrêa ressaltou, entre outros aspectos, que: “A crise é de ordem econômica e financeira, a crise é vasta, profunda; já ganhou raízes, afetou a mais de um ponto do nosso organismo nacional, e o acordo é apenas armistício dentro do qual devemos executar as medidas que nos salvem” (PACHECO, 1979, p. 450).

Dessa forma, com o acordo, chamado de funding loan ou de funding scheme, a proposta era acumular reservas em ouro, fazer superávit orçamentário, reduzir o excesso de papel-moeda, possibilitar a entrada de recursos externos e, com isso, restaurar a confiança e o clima de ordem interna. Reconhecendo que a situação era de “crise permanente”, Campos Sales fez de seu objetivo supremo a restauração das finanças e a reconstrução das forças econômicas.

Para o presidente, a crise era resultado de erros acumulados, como o excesso de protecionismo, que onerava o contribuinte e o Tesouro; excesso de emissões; déficits orçamentários e despesas extra-orçamentárias; má arrecadação das rendas públicas; política financeira que gerava desconfiança; especulação e câmbio baixo. Campos Sales nomeou Joaquim Murtinho para o Ministério da Fazenda. Suas incumbências eram a austeridade e a deflação.

Ainda, para o presidente, a crise econômica, representada pelos baixos preços do café, e a crise financeira, em relação à moeda, guardavam muitas similaridades em sua configuração geral. As duas resultavam da “superabundância” e tinham origem nas “grandes emissões”, que desestimularam a prudência na produção e redundaram na ambição de se fazer vultuosos lucros em curto espaço de tempo.

Para o problema do café, a solução proposta pelo presidente era a “seleção natural”, que corrigiria o excesso de produção. Tal processo seria demasiadamente complexo para ser conduzido pelo governo. Com o abandono das antigas culturas do café, novas atividades agrícolas seriam empreendidas e a riqueza nacional se fortaleceria pela diversificação. Campos Sales acreditava que “[...] consumo e produção, valor e extensão da circulação, receita e despesa da União” deveriam ser harmônicas.

De acordo com a nova política econômica elaborada por Sales e Murtinho não se podia, em relação ao café, chegar a um “[...] resultado fantástico de corrigir em poucos meses efeitos de erros acumulados em muitos anos”, de forma que o regime não poderia “[...] ser um misto híbrido de liberdade política e de despotismo econômico” (PACHECO, 1979, p.451- 454).

Assim, diante das pressões por intervenções governamentais, principalmente por causa de desvalorização da moeda e do aumento do custo da mão-de-obra após a abolição da escravidão, o ministro Joaquim Murtinho, em 1899, colocava que o próprio mercado deveria eliminar os produtores marginais. Para Delfim Netto, tal posição demandava uma forte convicção do governo, mas que não seria feita sem reivindicações em contrário (DELFIM NETTO, 1959, p. 41).

Quando em 1895, os preços internos do café começaram a declinar, houve uma proposta de monopólio da comercialização do produto pelo Estado. Em 1898, aparecem sugestões de queima do produto. Em 1901, outra proposta de monopólio. Murtinho, no entanto, não declinou de sua postura. Para Delfim Netto, a partir do encilhamento, os cafeicultores passaram a acreditar que o câmbio baixo elevaria necessariamente os preços do café. Estes, então, consultavam constantemente as variações cambiais e temiam muito a valorização do mil-réis.

Conforme observado anteriormente, a relação entre câmbio baixo e preços elevados não é necessária, bem como outros fatores além da taxa cambial influenciam as flutuações de preço. No entanto, tal constatação sobre a crença dos produtores nos diz muito sobre o tipo de pressão que o governo lidava e sobre como se davam as articulações para as propostas de intervenção na economia cafeeira.

A posição de Murtinho, no entanto, baseava-se na ideia de que o problema central era o desequilíbrio entre oferta e procura do café, e que nenhuma intervenção governamental mudaria este fato. Porém, o ministro também acreditava que o problema poderia ser mitigado pelo estímulo à procura. Assim, o governo federal promoveu propagandas no exterior e conseguiu reduções tarifárias. Entretanto, o desequilíbrio entre oferta e procura chegava a níveis sem precedentes, com os estoques mundiais passando de 5 para 11 milhões entre 1900 e 1902.

Em 1902, a ideia de que o governo deveria intervir no mercado cafeeiro passou a se consolidar, com o decreto da proibição do plantio em São Paulo nos próximos cinco anos. No mesmo ano, Quintino Bocayuva, então presidente do Estado do Rio de Janeiro apresentou a Minas, São Paulo e Espírito Santo um projeto de valorização do café que fixaria um preço mínimo a ser sustentado pelos governos estaduais envolvidos. No entanto, não se tinha a percepção de que a origem da crise era devida ao crescimento exacerbado da oferta, resultado da inflação do início da República e agravada pela expansão de crédito pelo Estado. Os empresários, porém, almejando por altos lucros, não queriam assumir os riscos em contrapartida. O autor coloca que o clima de pessimismo era exagerado e que os temores da desaparição da atividade cafeeira eram infundados. Como já havia um capital instalado no setor, com fazendas, benfeitorias e mão-de-obra, o que poderia acontecer era, em último grau, a substituição de uma classe empresária, até então imprevidente, por outra.

Notamos que esta constatação demonstra outro traço da estrutura patrimonialista. As pressões para a intervenção estatal não repousavam numa necessidade da formação de capital a partir de investimentos, uma vez que tal aparato já existia e estava consolidado. O objetivo era manter uma posição, com a concessão de privilégios a determinados cafeicultores que, para isso, buscavam estabelecer relações simbióticas com o Estado, que viria a “orientar” a prática econômica.

Ainda em 1902, outra proposta de Bocayuva reivindicava uma emissão de 200 mil contos de réis para auxiliar a lavoura cafeeira. Tal sugestão era absurda de acordo com Delfim Netto, já que, num momento de saneamento monetário, em que a circulação total do país era por volta de 600 mil contos de réis, a emissão sugerida importaria no aumento em um terço da circulação monetária.

Para o autor, a adoção de uma proposta nesse sentido simplesmente repetiria todo o processo que engendrou a crise, o que não era entendido pelos atores envolvidos na questão. Como já ressaltado, a causa principal foi a queda brusca da taxa cambial, gerada pelo aumento acentuado das emissões logo depois da proclamação da República. Assim, caso o governo

permitisse mais emissões, ainda que o rendimento aumentasse no curto prazo, poderia se agravar num prazo um pouco mais longo, já que os lucros iniciais tenderiam a estimular ainda mais a produção, visto que toda poupança obtida era direcionada diretamente ao setor cafeeiro, não se vislumbrando qualquer possibilidade de uma real diversificação econômica no país (DELFIM NETTO, 1959, p. 41-47).

Seguiu-se a isso que, conforme os cafezais cultivados a partir do estímulo do encilhamento começavam a produzir, a situação piorava. Os estoques respondiam a três quartos do consumo no início das safras. Em 1906-7, o problema se agravaria quando uma antecipação da safra, até então sem precedentes, fez com o que Brasil tomasse consciência de que “[...] colheria, num só ano, mais que café do que o mundo todo poderia beber” (DELFIM NETTO, 1959, p. 50).

Outro agravante foi a forte rigidez dos preços do café no varejo, na Europa e nos EUA. Este fator levou a uma pressão maior dos produtores por um monopólio em detrimento dos preços constituídos livremente pelo mercado. No entanto, as propostas para mitigar os efeitos da rigidez não se davam com relação a tentativas de tornar o mercado varejista mais suscetível à variação dos preços do café verde, mas sim com relação a formas de se repartir os lucros oriundos dela.

As oscilações da exportação sem grandes flutuações do consumo no mercado internacional levam a observar a ação dos operadores de mercado, que procuravam formar seus estoques quando da baixa dos preços e reduziam com a alta. Dessa forma, os exportadores brasileiros não conseguiam obter vantagens nos anos de safras pouco produtivas.

Tal fenômeno, no entanto, não impedia o funcionamento do sistema de preços, mas diminuía a amplitude das oscilações. O sistema foi funcional até a ocorrência de grandes excessos de produção, impossíveis de serem absorvidos pelos intermediários, tanto pelos altos riscos, quanto pela inexistência de recursos para isso (DELFIM NETTO, 1959, p. 53-54).

Devemos observar, então, que a atividade dos chamados “atravessadores”, a partir de sua influência no sistema de preços, dava sinais ao mercado sobre a relação entre oferta e demanda. Além disso, tal ação sempre permeou o mercado exportador, não só de café e não somente na época em questão. Dessa forma, pode-se ao menos questionar o papel negativo e prejudicial da chamada “especulação”, já que, apesar de tudo, o sistema de preços se manteve até que os excessos de produção o inviabilizasse.

Ao tratar do que classifica como “defesa episódica” do café, Delfim Netto lista uma série de medidas e propostas de ação do governo para mitigar os efeitos da crise. Para o autor, o marco inicial de tais ações seria a proibição do plantio de café pelo governo de São Paulo,

em 1902. Além desta, outras propostas recorrentes eram o monopólio da exportação, fixação de impostos, eliminação de tipos mais baixos, acordos internacionais, entre outros. O objetivo do autor ao tratar destas propostas seria “[...] esclarecer a mecânica dos processos de intervenção e destacar-lhes virtudes e defeitos” para, com isso, “[...] julgá-los a luz dos acontecimentos posteriores, como solução do problema a longo prazo” (DELFIM NETTO, 1959, p. 61).

Apesar da análise feita pelo autor ser de grande valia para nosso intento, pretendemos outro tipo de abordagem. Não nos importa tanto esclarecer eventuais “virtudes e defeitos” dos projetos de intervenção, mas tentar perceber os efeitos do acúmulo de intervenções, bem como observar como os atores envolvidos em tais projetos procuravam justificá-los e, ainda, qual a reação daqueles contrários a estas propostas, inclusive, em alguns momentos, o governo federal.

Em outubro de 1899, Alfredo Ellis, um dos maiores entusiastas da intervenção no Estado na lavoura cafeeira, discursou na Câmara. O deputado, de descendência inglesa, nascido em 1850, estudou medicina nos EUA durante a década de 1860, quando acompanhou de perto os desdobramentos da Guerra de Secessão, e foi influenciando por políticos como Washington e Lincoln. Produtor de café, Ellis atuou como propagandista republicano, foi deputado constituinte, membro da Câmara e senador por São Paulo (TORELLI, 2004, p. 10).

Para o deputado, “a chave do problema” estaria na resolução do problema cafeeiro, que se resumia em “valorizar o café”. Segundo ele, a desvalorização do café, principal produto de exportação, produzira “[...] a baixa do câmbio e, consequentemente, o empobrecimento de todos os brasileiros” (POLÍTICA..., 1915, p. 36).

Além disso, questionava a superprodução como causa da crise. Para ele, a prova de que não seria este o motivo do problema era o fato de que os preços comerciais no estrangeiro não variavam muito e também que os intermediários continuavam a comprar, o que demonstra que esperavam auferir lucro.

Citou também uma baixa de preços em 1882, em que a produção era muito menor. De acordo com o deputado, porém, o fator de “resistência” daquele momento foi o trabalho escravo. Em seguida, discorre sobre “o principal fator da baixa”, a especulação. Diz:

O mercado de café está em poucas mãos, que para auferir lucros fabulosos precisam obter pelo seu ouro a maior porção possível de papel-moeda e, assim procedendo, concorrem para a baixa do câmbio, e de posse do papel- moeda, precisam fazer baixar o café para comprar a maior porção possível desse gênero com esse papel depreciado e desvalorizado por eles próprios. Ganham, pois, duplamente: no câmbio do seu ouro, na compra do nosso

café. A máxima é certa – quem compra do pobre marca o preço (POLÍTICA..., 1915, p. 38).

Em seguida, a respeito dos custos de produção, continua:

Em suma, senhor presidente, o lavrador engorda a rés durante um ano, mata- a e pendura-a para a divisão. Chega o colono e leva metade ou mais, vem a estrada de ferro e arrecada para si um dos quartos e chega afinal o fisco e leva o resto. O comissário tira o couro (POLÍTICA..., 1915, p. 38).

Diante disso, as soluções seriam de ordem interna e externa: dar possibilidades aos produtores de arcar com os custos sem altos juros e sem forçá-los a vender por preços muito baixos. Assim, sugere a revisão das tarifas de estradas de ferro, revisão do sistema tributário, segundo ele “irracional e antieconômico”, a organização de sociedades cooperativas para promover a venda do café no exterior e conseguir junto aos países importadores a redução das tarifas alfandegárias (POLÍTICA..., 1915, p. 39).

O ministro Joaquim Murtinho, em contrapartida, colocou, em seu relatório do mesmo ano, que a crise se relacionava com a aplicação de trabalho na produção de “um gênero excessivo no país”, o café, o que exigiria uma redução da massa de meio circulante, sem valor real. Para ele, as emissões excessivas e os canais de circulação monetária estimularam os produtores de café de maneira que estaria “[...] destruindo a calma, a prudência e a sabedoria no espírito dos agricultores, infiltrando-lhes a ambição de grandes fortunas realizadas com grande rapidez” (MURTINHO, 1980, p. 176).

Além disso, a emissão de curso forçado teria também estimulado a especulação que, pelo excesso de otimismo, fez com que os investimentos passassem a ser feitos com menos prudência e sem critérios (MURTINHO, 1980, p. 179).

Uma das soluções apontadas pelo ministro era a diversificação da produção agrícola. Com isso, o café permaneceria somente nas zonas mais adequadas para o plantio e “nas mãos dos lavradores mais hábeis e de maiores recursos”, o que valorizaria o café e desenvolveria a riqueza nacional, a partir de novos gêneros produzidos (MURTINHO, 1980, p. 196).

Sobre a questão da especulação, o ministro era enfático. Para ele, a origem seria a superabundância de café e de papel-moeda e, com a supressão deste excesso, a especulação desapareceria. Ressalta: “[...] antes disso, não creio na eficácia de nenhum outro meio” (MURTINHO, 1980, p. 206).

Outro aspecto relevante de relatório ministerial de 1899 foi a ênfase de Murtinho ao tratar da questão, já muito reivindicada, da ação do governo no sentido de facilitar a

circulação do café e de outros produtos no exterior e de fazer a propaganda cafeeira entre os importadores. De acordo com o ministro, esta última deveria ser feita pelos próprios lavradores.

Diante das excessivas pressões ao governo federal e ao seu Ministério para a resolução da crise, Murtinho afirmou que “[...] vivemos em uma República em que os republicanos emprestam aos que governam o poder sobrenatural que os antigos povos atribuíam aos monarcas de origem divina”. Não negando seu republicanismo, no entanto, continua: “[...] republicano por índole, por educação e por princípio, eu tenho a fé absoluta que todas as nossas dificuldades só podem ter solução na prática leal e sincera dos princípios da liberdade” (MURTINHO, 1980, p. 215).

Assim, o embate entre duas concepções econômicas significativamente diferentes acerca da crise começava a se delinear. Por um lado, Ellis via a especulação no centro do problema e enfatizava a posição desfavorável dos produtores de café que, onerados, sentiam- se lesados pela ação dos intermediários. A visão de Ellis se mostra mais “pragmática” e refere-se a um período mais curto, bem como observa o cotidiano do mercado de café. É neste ponto que reside a tentativa de legitimação da intervenção pretendida pelo deputado.

Por seu lado, Murtinho procurava se valer de uma interpretação mais sistêmica do problema, considerando que as expansões de crédito teriam inexoravelmente gerado a superprodução e que o governo nada poderia fazer para sanar o problema de maneira imediata. Para legitimar sua posição, Murtinho evoca a “racionalidade” e a “liberdade” como características republicanas, que não poderiam ceder diante de pressões emergenciais.

Em relação ao Banco da República, até 1898 a aparência era de segurança e otimismo, sem expectativa de crise. O banco entrava em fase de consolidação. Em 1900, o ministro da Fazenda fez ao governo uma proposta para que o banco saldasse suas dívidas com o Tesouro, dando fim a todos os problemas anteriores, envolvendo especulação, emissões exacerbadas e maus investimentos. Com a quitação dos débitos, o banco estaria livre de maiores pressões e poderia alargar suas operações em relação à indústria, comércio e com o próprio governo. O objetivo era que o Estado entregasse ao setor privado o que este realizava de melhor maneira do que o aparato estatal. Este era um dos pontos centrais da reforma financeira de Sales.

Em sessão de abril de 1900, a assembléia dos acionistas aprovou o projeto e o banco passou para o regime comum das sociedades anônimas e também deixaria de ter diretores nomeados pelo governo. O acordo, no entanto, foi alvo de críticas, já que o governo receberia 50 mil contos por uma dívida de mais de 180 mil.

Na Câmara, o deputado Fausto Cardoso alegou que a medida era ilegal, imoral e lesiva ao Estado. A acusação era de que o acordo foi feito por um “conluio” entre o governo e o banco (PACHECO, 1979, p. 483-484).

Fausto Cardoso, um dos principais opositores da política econômica de Campos Sales, discursou, em março de 1900, atacando ferrenhamente o ministro Joaquim Murtinho, ao discorrer sobre o projeto que orçava a receita geral da República.

Afonso Arinos de Melo Franco (2001a, p. 295) coloca que deputado sergipano era “talentoso e eloqüente, mas algo desequilibrado”, e que se identificava com as linhas republicanas mais radicais, preconizando até mesmo uma ditadura republicana.

Cardoso questionou sobre “o perigo dos princípios, dos processos e dos atos defendidos, empregados e praticados” pelo então ministro da Fazenda. Para o deputado, doutrinas excessivamente “abstratas” haviam “saturado o espírito” do ministro, gerando “[...] esse pudor irresistível pelo princípio da não intervenção do Estado na sociedade”.

O parlamentar complementou alegando que o acordo com o Banco da República demonstrou o “[...] quanto foram despóticas e contrárias à lei, ao direito, à moral e aos interesses nacionais” as ações do ministro, bem como criticou os “erros”, principalmente de “causa e efeito”, das doutrinas que mais influenciavam o ministro, especificamente, as de Spencer, que o fizeram criar uma ideia geral sobre as causas da crise econômica e financeira (POLÍTICA..., 1915, p. 40).

Para o deputado, recorrendo ao relatório do ministro ao presidente, as causas apontadas por Murtinho giravam em torno da “discordância” entre produção e consumo de café, riqueza anual em ouro e massa de papel-moeda e entre receita e despesa federal. Cardoso alegava que as “discordâncias” mencionadas pelo ministro só poderiam ser “efeito”, mas não “causa” da crise. Seriam, sim, “a própria crise revelada” (POLÍTICA..., 1915, p. 41- 42).

De acordo com o deputado, o primeiro ponto apontado por Murtinho era falso, já que “[...] a produção do café no mundo é inferior ao seu consumo”. Cita, em seguida, estatísticas mundiais sobre a demanda e observa que a produção aumentou entre 1895 e 1899, mas também cresceu, em maior escala, o consumo (POLÍTICA..., 1915, p. 45).

Cardoso cita que entre 1893 e 1898 o Brasil seguiu uma “linha crescente” de produção, enquanto os outros países seguiram uma “linha decrescente”, no entanto, “[...] esse excesso de produção nacional não influiu, nem podia influir, na baixa do preço, porque este excesso ficou, como se viu, aquém do consumo” (POLÍTICA..., 1915, p. 46).

Além disso, de acordo com o deputado, o excesso de otimismo pela prosperidade do café levou a uma expansão do cultivo, mas sem “crítica” e “qualidade”, fazendo com que os diversos tipos de café fossem vendidos pelos intermediários como “uma só feição típica e qualitativa”, por um só preço, de maneira uniforme, mas os fazendeiros de cafés superiores investiram mais capital, ao passo que, quando da venda na Europa, os cafés eram separados e vendidos por preços diferentes (POLÍTICA..., 1915, p. 52-54).

Interessante notar que, pela construção do discurso do deputado, ainda que a superprodução fosse verdadeira, isso teria sido um efeito do otimismo dos lavradores com a