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Faces da intervenção: crise e ação estatal na economia cafeeira na República Velha (1895-1906)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CAIO CÉSAR VIOTO DE ANDRADE

FACES DA INTERVENÇÃO: CRISE E AÇÃO ESTATAL NA

ECONOMIA CAFEEIRA NA REPÚBLICA VELHA (1895-1906)

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CAIO CÉSAR VIOTO DE ANDRADE

FACES DA INTERVENÇÃO: CRISE E AÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA CAFEEIRA NA REPÚBLICA VELHA (1895-1906)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho”, como pré- requisito para

a obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: História e Cultura Social.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Saadi Tosi

FRANCA

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Andrade, Caio César Vioto de.

Faces da intervenção : crise e ação estatal na economia cafeeira na República Velha (1895-1906) / Caio César Vioto de Andrade. – Franca : [s.n.], 2016.

130 f.

Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.

Orientador: Pedro Geraldo Saadi Tosi.

1. Brasil - Historia - Republica Velha - 1889-1930. 2. Café - Brasil – História. 3 Intervenção estatal I. Título.

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CAIO CÉSAR VIOTO DE ANDRADE

FACES DA INTERVENÇÃO: CRISE E AÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA CAFEEIRA NA REPÚBLICA VELHA (1895-1906)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré- requisito para a obtenção do título de Mestre em História.

Área de concentração: História e Cultura Social. Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Saadi Tosi

BANCA EXAMINADORA

PRESIDENTE: _____________________________________________________________ Prof. Dr. Pedro Geraldo Saadi Tosi (UNESP-Franca)

1º EXAMINADOR: __________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Velez Rodriguez (UFJF)

2º EXAMINADOR: __________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro (UNESP-Franca)

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RESUMO

A proposta deste trabalho é traçar o caminho de consolidação da intervenção do Estado na economia cafeeira a partir da segunda metade da década de 1890 até o Convênio de Taubaté, em 1906. Procuraremos analisar quais foram os fatores não estritamente econômicos que levaram às propostas intervencionistas, os conflitos em torno da questão e como a defesa da ação estatal no setor cafeeiro se tornou predominante. Será observado como uma estrutura social com características patrimonialistas possibilitou o domínio intervencionista. Serão analisados como fontes os discursos parlamentares da época, do qual sobrevieram legislação e ação pública e privada, relatórios ministeriais, algumas leis do período e documentos relativos às instituições bancárias, em especial o Banco da República, tendo como objetivo perceber como se justificavam as pressões para a ação do Estado na economia e como isto representava as características daquela sociedade, numa relação horizontal entre as esferas política, econômica e social, de forma a se afastar do determinismo, em especial, do econômico.

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ABSTRACT

The purpose of this work is to trace the path of consolidation of state intervention in the

coffee economy from the second half of the 1890s to the Convênio de Taubaté in 1906. We

will seek to analyze which were not strictly economic factors that led to the interventionist

proposals, conflicts around the issue and how the defense of state action in the coffee sector

became predominant. It will be observed as a social structure with patrimonial characteristics

allowed the interventional field. Will be analyzed as sources the parliamentary speeches of the

time, which befell legislation and public and private action, ministerial reports, some laws of

the period and documents relating to banking institutions, especially the Banco da República,

aiming to realize how justified pressures for action in the economy and how it represented the

characteristics of that society, in a horizontal relationship between the political, economic and

social spheres in order to move away from determinism, especially economic.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...6

CAPÍTULO 1 SOCIEDADE, POLÍTICA E ECONOMIA NA TRANSIÇÃO DO IMPÉRIO PARA A REPÚBLICA...18

1.1 As percepções sociais e políticas a partir da República...18

1.2 A Constituição de 1891, o federalismo e o presidencialismo...26

1.3 O redimensionamento do setor bancário e financeiro...33

CAPÍTULO 2 SISTEMA BANCÁRIO, POLÍTICA ECONÔMICA E PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO NA ECONOMIA CAFEEIRA NOS GOVERNOS DE PRUDENTE DE MORAIS E CAMPOS SALES...44

2.1 Instabilidade monetária e econômica no governo Prudente de Morais e as propostas de defesa do café no Congresso...44

2.2 A política saneadora de Sales e Murtinho e as reações da lavoura cafeeira...58

CAPÍTULO 3 O GOVERNO RODRIGUES ALVES, O ACIRRAMENTO DA CRISE CAFEEIRA E A PROPOSTA DO CONVÊNIO DE TAUBATÉ...79

3.1 Diversidade e radicalização nas propostas para a economia cafeeira...79

3.2 O governo Rodrigues Alves: entre a ortodoxia e a intervenção...89

3.3 O Convênio de Taubaté e a institucionalização da intervenção do Estado na economia cafeeira...99

CONSIDERAÇÕES FINAIS...122

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APRESENTAÇÃO

O objetivo desta dissertação é analisar o processo de consolidação da intervenção do Estado na economia cafeeira a partir da segunda metade da década de 1890 até o Convênio de Taubaté, em 1906. Levaremos em conta quais foram os fatores não estritamente econômicos que engendraram as propostas intervencionistas, os conflitos em torno do tema e como a defesa da ação estatal no setor cafeeiro se tornou predominante. Observaremos como uma estrutura social com características patrimonialistas possibilitou o domínio intervencionista. Como fontes, trabalharemos com os discursos parlamentares da época, do qual se originaram legislação e ação por parte dos atores envolvidos, relatórios ministeriais, algumas leis do período e documentos relativos às instituições bancárias, em especial o Banco da República, tendo como objetivo perceber as justificativas das pressões para a ação do Estado na economia e como isso se coadunava com as características daquela sociedade, numa relação horizontal entre as esferas política, econômica e social.

Entendemos o período em recorte como o mais conturbado da República Velha, no sentido das decisões sobre os rumos da política econômica, dando margem a rupturas e a discursos, pelo menos aparentemente, opostos. Contribuem para isso fatores como a saída da

crise do encilhamento, os reflexos da mudança da mão-de-obra escrava para o trabalho assalariado dos imigrantes, a consolidação de São Paulo como maior estado produtor de café, a adaptação ao funcionamento político e burocrático da República, tanto em relação à saída da monarquia quanto de um governo republicano militar para um civil, a consolidação das chamadas oligarquias como atores no cenário político e uma já pujante presença do Estado na economia política do período.

Dessa maneira, as constatações acima mitigam a idéia de um foco muito centrado na dinâmica de mercado, como referências ao câmbio, moeda e crédito, já longamente abordadas por outros trabalhos, alguns deles fazendo relação com um ou mais pontos citados acima, mas, talvez por preferência de abordagem, não abarcando os vários pontos.

Ressaltamos, porém, que nosso trabalho não pretende esgotar o tema, nem tratar todos os fatores citados acima em especificidade, nem retificar as outras interpretações e abordagens, mas estabelecer um diálogo entre os diversos fatores, no sentido de uma contribuição ao debate, numa tentativa de tratar o assunto de forma a buscar uma horizontalidade entre economia, política e sociedade.

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econômicos, e também não estritamente políticos do ponto de vista institucional, legal ou

burocrático, mas sim como uma expressão e reflexo da estrutura social do período e da construção histórica da concepção de Estado e do tratamento deste no Brasil, num processo de longa duração.

Diante do exposto, a fim de reforçar o caráter horizontal do trabalho, ou seja, do tratamento das esferas social, política e econômica de forma com que uma não prepondera ou determina as outras, e de definir a problematização do assunto, cabe ressaltar quais não são os objetivos do trabalho nem problemas de pesquisa. Sendo assim, não procuraremos responder qual ou quais as reais causas da crise, visto que embora o objeto seja econômico, sua abordagem não o é estritamente, levando em conta que não é, ou pode perfeitamente não ser, próprio do trabalho do historiador que trata sobre a economia uma abordagem tão específica e conclusiva sobre o tema; da mesma forma, diante desta consideração, não pretendemos também definir se as intervenções do Estado na economia cafeeira foram exitosas ou não; por fim, também não é nosso objetivo classificar a República Velha, ao menos dentro do período abordado, como sendo ou não um período liberal, visto que as variadas definições do termo por vezes tornam inócuo o debate acerca do assunto.

Assim, nossa abordagem do tema e do problema parte de três constatações: a de que

existiu, de fato, um debate acerca da oportunidade das intervenções do Estado na economia cafeeira; que o período foi permeado pelo patrimonialismo, principalmente por três características, que serão especificadas ainda nesta apresentação e no primeiro capítulo: o Estado como pólo condutor da sociedade, o capitalismo politicamente orientado e a cooptação política; que o Convênio de Taubaté institucionalizou a intervenção do Estado na economia, redimensionando a ação estatal.

Diante disso, segue que dada a existência de um debate que configurou uma polarização entre dois projetos de política econômica distintos, apesar dos conflitos políticos não serem vistos como desejáveis naquela sociedade, cabe então analisar as gradações destes embates, sua evolução e seu desfecho. Ao mesmo tempo, é oportuno observar como as instituições ou ideias surgidas no período, inclusive o próprio regime republicano, pretensamente moderno e positivista, comandado por uma oligarquia simbioticamente ligada a uma determinada atividade econômica, a lavoura cafeeira, e o redimensionamento do setor bancário e financeiro no período, contribuíram para que a intervenção predominasse, visto que as características patrimonialistas já permeavam a sociedade.

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esclarecer um processo e por isso baseia-se em teorias que procuram regularidades de longa

duração, como o patrimonialismo e o intervencionismo.

Também partiremos da ideia de que não só na República Velha, mas de forma geral, existem duas linhas de política econômica, com várias gradações, que acabam predominando em um determinado período: uma de caráter expansionista, que visa estimular a economia através da ação do Estado e por meio de inovações legislativas, e outra de vertente saneadora, que prioriza a manutenção de um ambiente propício ao desenvolvimento econômico, através da estabilidade orçamentária e monetária e que preconiza um sistema jurídico e legal mais previsível.

Além disso, também é possível constatar de antemão que o problema do café no período não era tratado como uma questão individual, de parte de alguns produtores ou mesmo destes enquanto grupo ou, ainda, dos estados que produziam o café, mas sim como um problema da União e da própria República enquanto regime e tendo o café como um produto “especial” para a nação e também como um “monopólio natural”. Assim, esta “homogenização” do problema engendrava propostas centralizadas para sua resolução.

Conforme o exposto, ressaltaremos a seguir aspectos de nossa abordagem, isto é, os conceitos de patrimonialismo e intervencionismo que serão usados, além de outras

ponderações e, por fim, descreveremos brevemente o conteúdo dos capítulos que irão compor o trabalho.

Bendix (1986, p. 263) ressalta que, conforme Weber, o patrimonialismo é compatível com diversas estruturas econômicas, mas que o desenvolvimento de um governo patrimonial centralizado é dependente do comércio. O governo patrimonial se beneficiaria do comércio por meio de impostos, licenças de mercado, concessões de monopólio e medidas semelhantes.

Em relação à ideologia do patrimonialismo, o autor observa que o governante

patrimonial depende, significativamente, da “boa vontade de seus súditos” e da prevalência de

ideias como a do “bom rei” ou do “pai do povo”, de modo que a proteção do “bem-estar” dos súditos pelo governante é o fundamento que legitima sua autoridade, tanto em sua visão quanto na dos próprios súditos (BENDIX, 1986, p. 285).

No âmbito da lei, no patrimonialismo, as ordens do governante são feitas caso por caso, o que evita ou dificulta as noções de “direito” e de “justiça” e fornece diretrizes gerais aos funcionários, que guiam suas ações até o recebimento de outros planos. Assim, para o autor, do ponto de vista lógico, tal processo “[...] transforma todos os problemas de direito e de jurisdição em problemas de administração”. Este sistema caracteriza-se por uma espécie de

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ou política. Dessa forma, a linha divisória entre lei e ética é difusa, bem como a separação

entre a “coerção legal” e a “advertência paternal” (BENDIX, 1986, p. 287).

Ainda, de acordo com Bendix, Weber focava-se na “[...] orientação referente aos problemas e no esclarecimento conceitual de materiais históricos”. O autor também salienta que o sociólogo alemão não revelou como a combinação dos elementos patrimoniais e feudais se deu no Estado moderno. Weber acreditava que esta questão estava fora do escopo da pesquisa sociológica comparativa e que caberia aos historiadores, que deveriam utilizar os conceitos proporcionados por seu trabalho (BENDIX, 1986, p. 298).

Além disso, para Weber, diferentemente do que ocorre na natureza, a história não é formada de eventos cíclicos e repetitivos, ou seja, que “[...] não o que as pessoas fazem, mas o que elas pensam é o tema adequado para a análise [...]” e que toda ação humana é impregnada, ao mesmo tempo, de razão e “paixões”. Conforme Bendix, esta é uma maneira

de explicar a afirmação de Weber de que “[...] não são as ideias, mas os interesses materiais e

ideais que governam diretamente a conduta dos homens” (BENDIX, 1986, p. 302).

Weber (2004, p. 306-307) ressalta que o patrimonialismo é compatível com várias formas econômicas e também com a ausência e a existência da economia capitalista, porém, “excelentemente compatível” com o capitalismo politicamente orientado e com o grande

comércio capitalista. No entanto, “[...] para a questão formação patrimonial ou formação

feudal, é impossível encontrar uma fórmula geral de determinação econômica”, ainda que para o desenvolvimento de fortes burocracias patrimoniais o comércio tenha sido historicamente importante.

Além disso, tanto a vinculação à tradição quanto a arbitrariedade, marcas do patrimonialismo, influenciam nas “possibilidades evolucionárias” do capitalismo, através, por

exemplo, da apoderação pelo senhor ou por seus funcionários das “[...] novas oportunidades

aquisitivas, monopolizando-as e privando assim de sua fonte de capital por parte da economia privada”. Para Weber, a arbitrariedade senhorial favoreceu um “tipo de capitalismo

privilegiado”, no entanto, com a falta de calculabilidade do funcionamento da ordem estatal,

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Complementariamente, o condicionamento político da economia gerava insegurança de base jurídica, em função da “duração sempre incerta dos monopólios” e do surgimento

constante de novos privilégios, de forma que “[...] o caráter arbitrário da forma de dominação

patrimonial” opunha-se ao desenvolvimento do capitalismo industrial privado (WEBER,

2004, p. 313).

O patrimonialismo legitima-se diante de si e de seus súditos, como protetor do “bem

-estar” destes últimos. De acordo com Weber, o “[...]„Estado providente‟ é a lenda do

patrimonialismo”, e o “[...]„pai do povo‟ é o ideal dos Estados patrimoniais”. Assim, o

“espírito” da administração patrimonial, cujo interesse repousa na tranqüilidade e no

contentamento dos súditos, “opõe-se com repulsa e desconfiança” ao desenvolvimento

capitalista, que “revoluciona” as condições de vida existentes (WEBER, 2004, p. 321-322).

Para Faoro (2001, p. 875), “no curso dos anos sem conta”, o patrimonialismo estatal incentivou o setor especulativo da economia, “voltado ao lucro como jogo e aventura”, ao mesmo tempo em que tentou promover o desenvolvimento econômico sob o comando político. Também adotou “o mercantilismo como técnica de operação da economia”, gerando

um capitalismo politicamente orientado, “não calculável nas suas operações”.

Ao contrário do feudalismo, que se enrijece e parte-se diante do capitalismo, o

patrimonialismo adapta-se às transições, “[...] em caráter flexivelmente estabilizador do modelo externo, concentra no corpo estatal os mecanismos de intermediação”, através de “[...] manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade, de controle do crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da gestão direta à regulamentação material da economia”. O autor ainda observa que sociólogos e historiadores relutam em reconhecer tal “paradoxo”, em função de premissas teóricas. Além disso, o aparelhamento político, acima das classes, constitui-se em “[...] uma camada social, comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes”, que conduz esse processo, muda e se renova, mas imprimindo os seus valores aos “recém-vindos” (FAORO, 2001, p. 876).

Na esfera propriamente política, “[...] o quadro de comando se centraliza, aspirando,

senão à coesão monolítica, ao menos à homogeneidade de consciência, identificando-se às forças de sustentação do sistema”. Apesar disso, tal “estrutura” não é imune a tensões e conflitos. Assim, grupos, classes, elites, associações procuram fugir da “ordem imposta de cima”, através, por exemplo, do federalismo republicano, chegando a “arredar sem aniquilar”

brevemente o “estado-maior de domínio”, porém não sendo capazes de se institucionalizarem

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Em relação ao governo e ao governante central, o autor ressalta:

O conteúdo do Estado molda a fisionomia do chefe do governo, gerado e limitado pelo quadro que o cerca. O rei, o imperador, o presidente não desempenham apenas o papel do primeiro magistrado, comandante do estado-maior de domínio. O chefe governa o estamento e a máquina que regula as relações sociais, a ela vinculadas. A medida que o estamento se desaristocratiza e se burocratiza, apura-se o sistema monocrático, com o retraimento dos colégios de poder. Como realidade, e, em muitos momentos, mais como símbolo do que como realidade, o chefe provê, tutela os interesses particulares, concede benefícios e incentivos, distribui mercês e cargos, dele se espera que faça justiça sem atenção às normas objetivas e impessoais. No soberano concentram-se todas as esperanças, de pobres e ricos, porque o Estado reflete o pólo condutor da sociedade. O súdito quer a proteção, não participar da vontade coletiva, proteção aos desvalidos e aos produtores de riqueza, na ambigüidade essencial ao tipo de domínio (FAORO, 2001, p. 879-880).

No âmbito das leis, da atividade legislativa e seus motivos, Faoro afirma que “[...] a

vida social será antecipada pelas reformas legislativas, esteticamente sedutoras, assim como a atividade econômica será criada a partir do esquema, do papel para a realidade”, de forma antagônica ao pragmatismo político. Ao mesmo tempo, a “permanência da estrutura exige o movimento”. Com isso, influências vindas de fora, pelo contato ou intelectualmente, são

amoldadas pelas “camadas dirigentes”, que impregna valores peculiares, condizentes com o

esquema de domínio (FAORO, 2001, p. 887).

Para a análise das fontes, como discursos políticos e leis, bem como das produções acerca da historia, da sociabilidade e da economia cafeeira da época, usaremos duas principais vertentes interpretativas. Uma delas, do historiador econômico norte-americano Robert Higgs,

são as “flagwords” ou “palavras-bandeira”, que buscam compreender o discurso e a ideologia

a partir do uso e da significação dada a determinados termos. Por exemplo, a palavra

“democracia” aparece sempre positivamente, em quase a totalidade dos discursos políticos

das mais variadas linhas de pensamento, enquanto a palavra “estatização” aparece de forma positiva ou negativa, dependendo da perspectiva ideológica. Dessa forma, classificam-se as

“flagwords” como universais ou discriminantes.

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Assim, a ideologia é uma forma de entender a relação entre sociedade e Estado, pela

mediação dos atores sociais, permitindo a compreensão de como os grupos de interesse agem de modo a fazer valer seus objetivos por meio do uso do aparato estatal.

Nem é preciso salientar as discussões e contradições que o termo ideologia gerou nos debates em torno das ciências sociais. Assim, se faz necessário optar por uma linha de pensamento a fim de facilitar a abordagem de um determinado objeto de pesquisa a ser analisado.

De acordo com Higgs, a ideologia é uma crença mais ou menos coerente e bastante abrangente sobre as relações sociais. Por coerente, significa que determinados elementos de crença combinam entre si, de forma coesa, porém não necessariamente de maneira lógica do ponto de vista formal. A abrangência se refere a abarcar uma grande variedade de categorias e interrelações sociais. A despeito disso, tende a girar em torno de alguns valores centrais. Teria também, a ideologia, quatro aspectos estruturantes distintos: cognitivo, afetivo, pragmático e solidário, delineando a percepção e predeterminando o entendimento do mundo social com símbolos característicos, dizendo se o que o individuo vê é bom, ruim ou neutro, fazendo com que a ação, de acordo com estas cognições e avaliações, estejam comprometidas com um sistema de crenças que podem ser expressas no âmbito da ação política, buscando

determinados objetivos sociais.

Durante um período de crise, o papel da ideologia se torna mais importante ou simplesmente mais visível, tanto na tentativa de manter a ordem quanto de mudá-la. Pela identificação dos imperativos ideológicos dos atores políticos (antes disso, atores sociais), pode-se entender melhor suas ações. A identificação pode ser obtida por uma analise das palavras dos lideres e da elite dos grupos sociais, pelos fatos e pela ação política propriamente dita. Sendo assim, a ideologia é mais provável de ser decisiva em momentos de crise quando algumas situações de escolha social se mostram mais claramente. Da mesma forma, a linguagem e os discursos nunca são neutros, porém, a ideologia não tem um compromisso estrito com a lógica e os fatos, mas com a justificativa e o convencimento.

Expostas estas características, o autor pretende dar um caráter empírico à ideologia, que, por sua vez, permite uma análise mais rigorosa dos discursos políticos, principalmente no que se refere àqueles que procurar propor e justificar um aumento da intervenção do Estado na sociedade (HIGGS, 1987, p. 49-54).

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sobre o tema no âmbito político e por qual razão a ideia de mais intervenção do Estado

triunfou diante dos problemas do período.

Como complemento teórico ao método acima descrito, usaremos o conceito de intervencionismo como sistema econômico, tal como definido por Ludwig von Mises e pela Escola Austríaca, no sentido de que uma economia com forte intervenção estatal acaba se constituindo num sistema autônomo, diferente do capitalismo liberal, com regularidades que podem ser observadas, como, por exemplo, as consequências não intencionais das intervenções. O autor define intervenção da seguinte forma:

Intervenção é uma norma restritiva imposta por um órgão governamental, que força os donos dos meios de produção e empresários a empregarem estes

meios de uma forma diferente da que empregariam. Uma “norma restritiva”

é uma regra que não faz parte de um esquema socialista de regras, ou seja, de um esquema de regras que regulamenta toda a produção e distribuição, substituindo, desta forma, a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade pública desses meios. As regras da economia privada podem ser muito numerosas, mas, como não visam direcionar toda a economia e substituir a motivação para o lucro dos indivíduos pela obediência, enquanto força geradora de atividade humana, devem ser consideradas como normas

limitadas. Por “meios de produção” entendemos todos os bens classificáveis em categorias mais elevadas, inclusive os estoques de produtos acabados que, estando na posse dos comerciantes, ainda não chegaram aos consumidores (MISES, 2010, p. 21).

Fábio Barbieri, um dos economistas brasileiros adeptos da teoria austríaca, e com especial interesse sobre a questão do intervencionismo, coloca que a análise deste como sistema econômico pelos austríacos retoma uma tradição da economia clássica, de Adam Smith, que lida com a comparação do desempenho econômico entre os conjuntos de

instituições em um “sistema de liberdades naturais” e no “mercantilismo”. Com a ortodoxia

ricardiana, porém, essa foi abordagem foi mitigada, devido à tendência para uma orientação mais macroeconômica e agregada.

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Murray Rothbard, expandindo a teoria de Mises, categoriza três tipos de intervenção

do Estado na economia: intervenção autistas, quando o Estado intervém diretamente na escolha no individuo, como no caso de restrições à liberdade de expressão ou de consumo de algum tipo de produto; intervenção binária, quando o Estado força uma relação com o individuo, por exemplo, na tributação; intervenção triangular, quando o Estado interfere nas relações entre indivíduos ou grupos de indivíduos, como no caso de controle de preços e regulação de contratos

A partir de Hayek e Kirzner, as intervenções são interpretadas no que se refere à diminuição da capacidade de adaptação dos mercados às mudanças que ocorrem continuamente nas economias, assim, os equívocos e conseqüências não intencionais bloqueiam a atividade empresarial e o processo de descoberta, que caracterizam o mercado.

Ainda, conforme o autor, Sanford Ikeda redimensiona a análise de Mises e coloca que existem ciclos intervencionistas. Diante do acúmulo de intervenções e de resultados não pretendidos, os governos adotam medidas “liberalizantes”, mas após um período de estabilidade acabam surgindo novas demandas por intervenções, retroalimentando o sistema (BARBIERI, 2013, p. 101-106).

Cabe salientar que Hayek (1985) coloca que o conhecimento humano é limitado,

disperso e assimétrico na sociedade e que as leis, o mercado e a própria linguagem se formaram num processo de “ordem espontânea”, ou seja, através da interação dos indivíduos ao longo do tempo, mas não de seu planejamento racional. Dessa forma, apesar de existirem também “ordens dirigidas” na sociedade, isto é, organizações criadas deliberada e racionalmente pelos indivíduos, o autor aponta a impossibilidade de se planejar toda a sociedade a partir da razão articulada.

Tal conceito não pode ser descartado ao se analisar um período histórico marcado por crises e por consequentes intervenções do Estado na economia. Ainda que a abordagem econômica seja de certa forma um aspecto secundário a ser tratado no trabalho, é indispensável analisar a dinâmica do acúmulo de intervenções e do escopo de ação do Estado, bem como do aumento da burocracia e do condicionamento da sociedade a um contexto econômico cada vez mais marcado por ações estatais.

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significado de determinada ilocução em um contexto específico. Dessa forma, a história do

discurso político busca analisar quais ferramentas, conceitos e artifícios linguísticos estavam disponíveis para o autor-ator em um determinado contexto linguístico, afastando assim a

noção de “ideias perenes” e buscando referenciais disponíveis no âmbito de convenções

linguísticas e normativas de um dado período, fazendo com o que os objetos em análise se inserissem em um processo de legitimação.

Do mesmo modo, como toda atividade humana, a atividade discursiva acontece num contexto que, ao mesmo tempo, a limita e a capacita, de modo que as palavras também são atos e o significado dos atos linguísticos depende de seus usos em determinados jogos de linguagem, demonstrando o “caráter publicamente apreensível” das intenções autorais, que não somente reforçam as convenções existentes, mas também podem criticá-las ou subverte-las.

No que se refere à ideologia, Skinner observa que o fato de determinadas ideias serem verdadeiras ou falsas não teria relevância para defini-las como expressões ideológicas, pois o que importa é a forma pela qual as ideias se vinculam às posições práticas em disputa nos conflitos políticos de determinado período, não importando a ideia de “verdade” para a explicação das crenças. Assim, os problemas que devem ser observados referem-se ao que tais

ideias significaram no tempo em que foram concebidas, por que foram concebidas, de que maneiras foram usadas e que tipo de resultado efetivo pretendiam alcançar.

Para Pocock, a intenção de um ator remete ao que este “estava fazendo”. O autor ressalta que, em inglês coloquial, esta pergunta pode significar o mesmo que “o que ele pretendia”, “o que estava tramando”, “o que pretendia obter”. Ainda, deve ser levado em conta o conjunto de intenções e ações possíveis numa linguagem determinada, as continuidades e transformações na linguagem, as convenções e regularidades que indicam o que poderia e o que não poderia ser dito, demonstrando o que a linguagem favorece, impõe ou proíbe numa comunidade de debates e diante de programas de ações referentes a situações práticas que permitem elucidar as pressões, restrições e encorajamentos a que um autor-ator estava ou acreditava estar sujeito.

Em relação aos documentos a serem utilizados, a fonte de maior relevância é uma

coletânea de discursos parlamentares, intitulada “Política econômica: valorização do café

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utilizados os relatórios de Joaquim Murtinho, que ocupou a pasta da Fazenda durante todo o

governo Campos Sales, tendo sido o ministro que permaneceu por mais tempo no cargo durante a República até então, e se colocou como um dos maiores opositores da intervenção na economia cafeeira durante o período.

Usaremos também um dos volumes da obra “História do Banco do Brasil”,

organizada por Afonso Arinos de Melo Franco e Cláudio Pacheco, que trata sobre o sistema bancário e financeiro no final do Império e durante o período proposto pelo trabalho. Entendemos que a obra pode ser utilizada como uma fonte documental por se tratar de uma compilação descritiva e cronológica de documentos que permitem observar a trajetória das instituições bancárias e suas relações econômicas, políticas e sociais com o período. Embora possua algumas ponderações dos autores, a obra não pode ser propriamente classificada como historiográfica, por não partir de uma problamatização, nem explicitar uma determinada abordagem teórico-metodológica.

Outra fonte a ser analisada é a representação do Senado paulista junto ao Congresso Nacional, pedindo a aprovação do Convênio de Taubaté, em 1906. Seu conteúdo permite observar as diretrizes da política econômica pretendida, os grupos de interesse envolvidos e a visão que os paulistas tinham do regime monárquico e de sua política econômica geral e em

relação ao café. Outro aspecto relevante é que, através da análise de determinados termos usados como forma de persuasão ao longo do documento ficam claras as influências positivistas do pensamento republicano, bem como faz perceber aspectos muito concretos do patrimonialismo.

Em relação à organização da dissertação, o primeiro capítulo, predominantemente bibliográfico, tratará de aspectos de permanências e rupturas da República em relação ao Império nos âmbitos social, político e econômico, alongando um pouco o recorte temporal, porém com o intuito de demonstrar o processo de constituição da República, bem como de fornecer subsídios teóricos e analíticos para a sequencia do trabalho.

O segundo capítulo tratará dos governos de Prudente de Morais e Campos Sales, atentando para as mudanças de orientação na política econômica, para o redimensionamento do setor bancário e financeiro e para as propostas de intervenção na economia cafeeira que surgem como reação a isso, com o intuito de demonstrar o acúmulo de intervenções, bem como as justificativas e tentativas de legitimação das propostas intervencionistas e sua interação com as políticas adotadas pelo governo central.

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projeto do Convênio de Taubaté e, a partir disso, observar as variações de propostas para sua

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CAPÍTULO 1 SOCIEDADE, POLÍTICA E ECONONIA NA TRANSIÇÃO DO IMPÉRIO PARA A REPÚBLICA

Neste capítulo, iremos analisar o final do período imperial e o advento da República, com o intuito de destacar permanências e rupturas entre os dois períodos no âmbito social, político e econômico, buscando ressaltar aspectos não só institucionais, mas também as práticas dos atores envolvidos, principalmente em relação às pressões e ao processo de tomada de decisões na condução do Estado.

Além disso, algumas considerações feitas neste início do trabalho servirão como referencial teórico e analítico para os próximos capítulos, elucidando a aplicação do conceito de patrimonialismo usado e reforçando o caráter horizontal do trabalho.

1.1As percepções sociais e políticas a partir da República

De acordo com a autora Maria Tereza Chaves de Mello (2008, p. 15-16), no final do Império a ideia de República passou a ser divulgada e propagandeada como uma alusão ao progresso, à soberania popular e à racionalidade, numa oposição à monarquia, vista como anacrônica, personalista, centralizadora e atrasada, conforme um par antônimo assimétrico, definido por Koselleck1, em que há a confrontação de dois conceitos, apresentando-se um deles de uma forma em que este não se reconheça, com o intuito de criar um conceito binário universal, incluindo ou pretendendo incluir a totalidade das pessoas e dos casos. Trata-se de um recurso argumentativo que busca confrontar conceitos com a criação de uma dicotomia. Dessa forma, difundiu-se uma visão de oposição ao passado e expectativa social de futuro,

fazendo com que os contemporâneos experimentassem o processo histórico, a partir de uma “disponibilidade mental e afetiva à ideia de república”.

Ao mesmo tempo, a ideia de estabilidade e ordem da monarquia, em contraponto ao que acontecia em outros países do continente, passa a ser percebida como parte da inércia e da infantilização social e política do povo pelo Império personalista e centralizado. Somou-se a isso uma expectativa crescentemente frustrada a respeito da possibilidade de reformas a serem empreendidas pela monarquia.

Dessa forma, o conceito de República vai ganhando penetração social, ao mesmo tempo em que a visão de mundo da direção imperial é progressivamente mitigada. Maria

1

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Tereza de Mello considera, ao longo do seu artigo, o conceito de hegemonia, de Gramsci, especialmente em relação à ideia de “crise de direção”, conceito chave para se entender a queda do Império. A direção significaria o exercício do poder com base no controle sobre a rede simbólica de um conjunto social. De acordo com a autora:

A direção entra em crise quando mudanças de grande significado social vão afrouxando a relação entre os símbolos e os seus referentes. Nessas circunstâncias, vai-se produzindo na sociedade uma disposição mental e afetiva de consentimento à outra rede simbólica através de novos arranjos discursivos (MELLO, 2008, p. 18).

Tal constatação nos mostra que, antes de tudo, houve uma mudança significativa no

campo das ideias para que se colocassem em prática novas instituições políticas e modelos produtivos. Desta forma, as visões a respeito da “modernidade”, da “nação”, do “progresso” e a “República” em si foram mais fundamentais para a mudança dos rumos econômicos e institucionais do que as contingências do mercado e da política.

A noção de progresso, de acordo com Mello, ultrapassava o campo material e significava uma concepção civilizacional e teleológica. Essa ideia passou a permear as percepções de mundo e de Brasil. A partir dela, os debates ganharam uma nova semântica em relação à linguagem política e social.

A autora também destaca que, apesar de não ter sido objeto de debates ou de adesões ortodoxas, tais ideias serviram como base para se pensar os novos problemas, que deveriam ser resolvidos a partir de uma pretensa cientificidade. Outro aspecto é que tanto monarquistas quanto republicanos, liberais e conservadores assimilaram, ainda que de forma assimétrica, estas ideias, o que, mais uma vez, representava a não adequação da antiga rede simbólica para tratar das novas questões. Ao mesmo tempo jornais, panfletos e livros passaram a ser mais extensamente produzidos, expressando as “novas ideias”. Neste ambiente, de defesa entusiástica da democracia e da ciência, a República aparecia como uma “culminância

política” (MELLO, 2008, p. 20).

De acordo com a autora, a eficiência dos pares antônimos assimétricos se dá porque estes canalizam expectativas já difusas na sociedade, permitem aos contemporâneos a experimentação do processo histórico e indicam a consciência histórica de uma época. Em relação à dicotomia assimétrica entre monarquia e República, houve a formação de um grupo autorreferente que ultrapassou os limites dos partidos republicanos. A renovação da linguagem construiu uma nova cultura política no fim do Império. Desta forma, conclui

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Assim, podemos observar que a monarquia atingiu um nível de “saturação” política e simbólica, sendo incapaz de assumir o comando, a direção das mudanças impostas pelas circunstâncias. Com isso, apesar do fato de as ideias republicanas serem diluídas e fragmentadas, a República aparece como um fim a ser perseguido, ainda que não houvesse grandes conciliações acerca dos meios a serem empregados.

Meira Penna (1988, p. 109-114), sobre as ideias e formas políticas, ressalta que, tanto no Império, quanto na República, o que houve foram mimetizações de modelos, em especial o parlamentarismo liberal britânico, na monarquia, e o presidencialismo federalista norte-americano, a partir do período republicano. No entanto, segundo o autor, o “espírito” que animou estas instituições, a despeito da letra de suas leis e constituições, foi essencialmente francês, sendo permeado pelo romantismo, jacobinismo e bonapartismo, com especial foco no primeiro. Tal identificação não teria sido casual, mas consequência de nossa formação latino-católica, de natureza intuitiva e afetiva. Conforme o autor, o mito da revolução como solução de todos os problemas existenciais foi mais forte do que uma concepção serena de justiça, característica dos modelos anglo-saxônicos.

Entre as formas com que o romantismo político se expressa no Brasil, de acordo com o autor, estão a influência dos “slogans” e das “concepções conspiratórias” de mundo, a partir de maquinações internacionais e a pressuposição do brasileiro como “homem bom”, projetando na sociedade a responsabilidade pelos nossos males e imperfeições. Outro aspecto fundamental seria a confiança na letra ao invés do “espírito da lei abstrata”, a “[...] convicção de que as instituições funcionam por cartas, decretos, leis, regulamentos”, sem muita preocupação com os meios de sua aplicabilidade. Além disso, buscava-se resolver os

problemas complexos políticos e sociais da nação através da “penada”, com “[...] a

superstição de que o plano arquitetônico ergue o edifício por si mesmo” (MEIRA PENNA, 1988, p. 115).

Além do romantismo, também o racionalismo francês nos imprimiu sua característica. Conforme Meira Penna apesar de não sermos influenciados pelos métodos mentais do cartesianismo, sofremos as influências indiretas do racionalismo nas várias esferas (econômica, militar, política etc.), o que tornou o método um fator fundamental de qualquer projeto de desenvolvimento.

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José Murilo de Carvalho (1990, p. 9-10), ao observar a formação da República questiona as limitações da ideia de que esta seria mero resultado de um “arranjo oligárquico”, ressaltando que este usava de tentativas de legitimidade e justificação, assimetricamente, diante dos diversos grupos.

Ainda, o autor coloca que o instrumento de legitimação, a partir da modernidade,

como é óbvio, é a ideologia, “a justificação racional da organização do poder”. No processo

que levou à República, havia três linhas de visão: os liberais à americana, o jacobinismo à francesa e os positivistas. No entanto, a preocupação manifesta do autor é como as visões de

República extravasaram para o mundo “extraelite”, algo que não poderia ocorrer apenas pelo

discurso, mas por outros sinais como imagens, mitos e símbolos. A grande “batalha política”, consistiu em criar um “imaginário popular republicano”, que buscava a legitimação do regime expressando-se figurativamente, com o intuído de forjar visões e moldar as práticas coletivas.

Outro aspecto relevante, segundo o autor, é que “[...] a manipulação do imaginário

social é particularmente importante em momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de identidades coletivas”. Assim, podemos notar que o papel da “ideologia” surge em momentos de crise, ou seja, quando existe um problema que exige uma decisão imediata a ser tomada diante de incertezas. Nesse contexto, o processo decisório é guiado

mais por símbolos e racionalizações do que por conciliações ou construções de acordos políticos entre os diversos grupos.

Carvalho ressalta que a maior inspiração para os republicanos brasileiros era a França. Apesar da influência institucional e formal dos EUA, sua simbologia não era tão rica quanto a francesa. O autor atribui isso ao fato de que talvez a população norte-americana já estivesse

“convertida” aos valores de sua revolução, portanto a necessidade de símbolos se tornava

menor (CARVALHO, 1990, p. 11-12).

Principalmente a Terceira República francesa foi de grande inspiração para a República no Brasil, para os positivistas. Para José Murilo de Carvalho, a ideia de “ordem e progresso” se coadunava com o intuito de tornar o novo regime um sistema viável de governo. Outro aspecto de influência francesa que perdurou desde o Império, com sua política centralizadora e estatista, foi o direito administrativo francês. Assim, o novo regime combinava vários elementos importados em sua organização política, administrativa e jurídica.

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escravidão, que abria poucos espaços ocupacionais, fazia com que muitas pessoas recorressem

ao serviço público enquanto carreira. Somavam-se a isso o “bacharelismo” e a migração urbana, entre outros aspectos, todos tendo em vista a salvação pelo Estado. A preocupação com a inserção política e econômica se dava mais pelo Estado e menos pela afirmação dos direitos de cidadania, substituída pela “estadania” (CARVALHO, 1990, p. 20-23).

Dessa forma, a partir das análises acima, vemos que a política e a sociedade brasileira, de forma geral, já contavam com características construtivistas e estatistas. A ideia de conceber uma “nova sociedade”, um novo sistema, a partir da razão articulada, não era algo totalmente estranho ao pensamento político do Império. Com os movimentos republicanos e a partir da proclamação do novo regime, a questão que se colocava era a de como legitimá-lo e justificá-lo. Mais uma vez, tal processo aconteceu com assimetrias, variando conforme o período, a região, e de acordo com as diversas linhas políticas que surgiram em torno do ideal republicano.

Sobre o “arranjo oligárquico”, associado à República e sobre os grupos regionais e suas articulações, podemos dizer que existiram, eram a forma, a “estrutura”, mas não algo que existia por si e em si. Apresentavam um conteúdo e relações, digamos, internas, eram compostos de grupos, de indivíduos, de visões que se transformaram conforme as

circunstâncias e contingências e que foram postas em prática de acordo com as articulações possíveis, ou seja, se deram historicamente.

Faoro, ao abordar a relação entre Estado e sociedade a partir da herança portuguesa, ressalta, ao tratar do patrimonialismo, que este segue uma “racionalidade material”, ligada a valores, que gera como consequência uma ordem superior que regula a economia e a sociedade, diferentemente da dominação de tipo racional, na qual o âmbito econômico está calcado na equidade jurídica, na defesa contra o arbítrio e na autonomia.

O poder burocrático baseia-se, então, não na sociedade civil, mas numa ordem dicotômica entre governantes e governados, na qual pode existir, e existe com frequência, uma ordem racional burocrática “de fachada”.

Com isso, o capitalismo numa sociedade patrimonial adquire um caráter político, segundo o termo usado por Faoro, um “capitalismo politicamente orientado”, que “faz da economia um apêndice do poder público” (FAORO, 1993, p. 17).

Neste ambiente, o liberalismo econômico (ou uma tentativa de algo semelhante a este), que o autor sempre ressalta como diferente do liberalismo político, penetra no Estado

patrimonial com a “direção do estamento”, significando que não poderia comprometer seu

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Segundo Faoro, esta estrutura perduraria e se repetiria durante várias fases da história

do Brasil, e também durante a República, impregnada de alguns elementos de positivismo. Isso teria impacto direto nas relações da política econômica, o que não poderia ser diferente no caso da produção cafeeira.

Em relação à economia cafeeira, o autor diz: “O café, principal produto de riqueza do país, em alguns momentos quase o único produto de exportação, vivia com o valor das valorizações, do câmbio controlado, do sistema fiscal que o protegia”. Continuando a descrever momentos posteriores da economia, que seguem sempre a mesma lógica, conclui:

“Este é o pré-capitalismo, o „capitalismo politicamente orientado‟, o mercantilismo, o único

que concebemos fora da teoria e dos livros” (FAORO, 1993, p. 26).

Sendo assim, em um contexto de ruptura política numa sociedade patrimonialista, o processo de modernização, de desenvolvimento, segundo o autor, seria mais imitador do que criativo, de forma que a própria permanência da estrutura forçaria a assimilação de padrões de fora. É o estamento que vincula e incorpora as novas forças sociais vindas de influências externas e, ao fazer isso, amortece seu impacto transformador, numa conciliação entre o anacronismo e a vanguarda. Por este motivo, é tão comum a tentativa de antecipação da vida cotidiana por meio da legislação, com conteúdo estético atraente, assim como a economia é

antes teorizada para depois ser implantada na realidade (FAORO, 2001, p. 886-888).

Para o autor, a pressão liberal e democrática não rompeu com o patronato político. Ainda que tenha ocorrido uma aparente passagem da aristocracia para o elitismo moderno, “[...] o patriciado, despido de brasões, de vestimentas ornamentais, de casacas ostensivas, governa e impera,tutela e curatela” (FAORO, 2001, p. 890).

O patrimonialismo, em nossa análise, talvez seja a grande constante política brasileira por ser um condicionante de todos os processos de transformação. Ainda que se coloquem novos horizontes e ideais, que o sistema simbólico da política passe por mudanças, a prática cotidiana acaba se dando pelo excesso de dirigismo estatal, pela crença, talvez mais consciente em alguns momentos do que em outros, de que é possível uma construção, um direcionamento da sociedade a partir de decretos, que se pode legislar sobre tudo e obter plenamente as intenções iniciais. Trata-se do controle da sociedade “de cima para baixo”, com a onipresença e pretensão de onisciência e onipotência do Estado.

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De acordo com ele, em resposta às críticas marxistas de que o conceito weberiano de

patrimonialismo e sua aplicação à realidade brasileira postulavam um “Estado desencarnado”, sem base no social, os críticos nunca obtiveram êxito em estabelecer correlações nítidas entre políticas públicas e seu conteúdo de classe. Segundo o autor, não haveria conexões precisas e definidas entre governantes e decisões governamentais de um lado, e classes sociais e grupos de interesses específicos de outro. Para ele, o patrimonialismo possui sólida base social, de natureza regional.

Paim procura identificar os valores pelos quais os principais grupos da elite nacional norteavam seu modo de agir. Assim, buscava fazer uma história social da economia, procurando compreender o “contexto cultural” da atividade econômica, o que demandaria a observância dos costumes, mentalidades, tipos sociais, novas classes, instituições representativas etc. Em suma, buscava uma investigação sobre as “ideias e sentimentos” que

influenciavam o desenvolvimento das instituições econômicas e que “[...] se cristalizam em

tradições e usos da nova coletividade nacional”. Dessa análise, enfim, constatou-se a

predominância de “valores pré-capitalistas” na sociedade brasileira.

Ainda, não havia no Brasil “valores morais básicos”, como surgiram na Era Moderna, portanto o autor procurou identificar os “valores morais dos grupos sociais” dominantes e, por fim, aproximar elementos em comum entre eles. Inexistindo “moral social de tipo moderno” (desencadeada na Europa a partir dos conflitos entre protestantismo e catolicismo) ou “moral

consensual”, predominou a moral de um ou outro grupo, de acordo com as circunstâncias,

com destaque para três tipos de grupos: dos grandes senhores rurais; da elite estatal; da elite urbana (PAIM, 1978, p. 29-30).

De acordo com o autor:

No terceiro século, a mudança do sistema de administração, com a designação de capitães-gerais para áreas territoriais relativamente limitadas, assegura à Coroa a possibilidade de derrotar a caudilhagem local e o exercício de ação disciplinadora. Em sua ação, tais elementos iriam revelar ausência da noção do que seria privado, isto é, da existência de esferas de vida colocadas a salvo da ingerência estatal. A tendência ao enfraquecimento do Poder e, ao mesmo tempo, uma tendência contraposta que aspira esmagá-la de todo, aparecem no Primeiro Reinado, vitoriosa a primeira com o ato adicional (PAIM, 1978, p. 31).

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fazer face ao Rei e à burocracia, mas, ao contrário, tornou-se “caudatária” desta última (PAIM, 1978, p. 32).

Ainda no âmbito das relações entre Estado, direito, economia, intervenção e oligarquias, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha (1995, p. 207-209), em artigo, ressalta um primeiro aspecto, fundamental para o entendimento do problema e sua articulação. De acordo com ela, o processo de intervenção do Estado na economia culmina, em quase todos os países após a Segundo Guerra Mundial, com suas Constituições prevendo esta prerrogativa do poder político, superando totalmente a visão liberal em que o direito público e privado estão totalmente separados e a economia se dá apenas na esfera privada. A intervenção estatal, portanto, seria um fenômeno historicamente permanente desde fins do século XIX. Neste período, segundo a autora, os novos problemas trazidos pela Revolução Industrial exigiriam maior intervenção do Estado na vida econômica, que se justificava jurídica e ideologicamente pela realização da justiça social.

No caso do Brasil, em todo o período anterior a 1930, a base da economia foi o setor agrário. Este construiu alianças entre suas diferentes frações e o poder central, consolidando um “Estado nacional colaboracionista”. Desta forma, de acordo com Rocha, o “pacto

oligárquico” teve “etapas distintas”, de acordo com os “níveis de articulação”. No primeiro

Reinado, há uma indefinição inicial a respeito das alianças entre o Estado e as oligarquias regionais em formação, já no segundo Reinado, o Estado passa a ser um “avalista” e

“mediador” das relações entre as oligarquias tradicionais e as emergentes, com seus interesses

em comum. A partir da abolição da escravidão, longe de romper com o modelo agrário e oligárquico, há a consolidação dos cafeicultores paulistas. Com a República Velha, então, aconteceram transformações conjunturais do Estado, propiciando novas recomposições de força e com a reformulação do “pacto de dominação da classe agrária”.

Diante destas exposições de diversos pensamentos acerca da relação entre Estado e sociedade na República Velha, observamos que não é nossa intenção estabelecer uma “dicotomia” metodológica, apenas constatar aspectos históricos desta relação, em que os conflitos e suas soluções (algumas mais eficientes que outras) formam o conteúdo cumulativo das interações entre os grupos de interesse e o poder coercitivo estatal.

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estas tendências explicativas como reflexos de um processo simultâneo de desenvolvimento

contraditório.

Ao citar as tentativas de se colocar os “atores políticos do Império”, como o Partido Liberal enquanto representante da oligarquia latifundiária, e o Partido Conservador alinhado aos interesses burocráticos, ou em torno do debate entre centralismo ou federalismo como questão política fundamental, tais visões não consideraram o ponto central: a escravidão e a ordem econômica nela baseada, como elementos condicionantes das articulações políticas.

Acerca do movimento republicano, o autor considera que aconteceram alianças e oposições simultâneas (do ponto de vista interpretativo) entre o estamento burocrático, os militares e os fazendeiros. Assim, o período não pode ser entendido sem relacionar o Estado

aos interesses “civis” dos fazendeiros e comerciantes. Com isso, pode-se notar que havia as

lutas entre facções, mas “o Regime as absorvia”. O autoritarismo era dado tradicionalmente,

numa relação entre o poder da União e dos grupos regionais. Conforme Cardoso, “[...] os

interesses „civis‟ não se opunham aos „políticos‟, nem os „locais‟ ao „central‟; uns eram a continuação dos outros. Estado e sociedade entrelaçavam-se” (CARDOSO, 1975, p. 171-174). Os elementos institucionais e políticos que se colocaram na República foram a nova Constituição e o federalismo, descentralizando o poder em relação ao Império. Tais inovações

são consideradas características do liberalismo, corrente de pensamento então em voga na maior parte do Ocidente. No entanto, algumas considerações devem ser feitas a respeito do que estas novas configurações institucionais significaram nas práticas políticas dos condutores do novo regime.

1.2 A Constituição de 1891, o federalismo e o presidencialismo

Antônio Paim (1978, p. 61) observa que, além de não ser hegemônica, a nova elite republicana contava com políticos que participaram do regime imperial e eram conscientes das complexidades sociais. No entanto, muito em função do cientificismo e do positivismo da época, prevaleceu a visão que contrapunha o Partido Republicano ao Partido Monarquista. Dessa forma, a República condenou o conjunto das instituições imperiais, não procurando preservar nenhum de seus aspectos, como o regime representativo, o que privou o novo regime da experiência criadora do período anterior.

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oligarquia estaria mais relacionada ao processo de apropriação do poder nos estados, pela

burocracia, que articulava os próprios interesses de forma mais autônoma do que no Império. Ainda na relação entre burocracia e interesses, Faoro observa que o estamento constitui um grupo fechado, em que não existe mobilidade, diferente das classes. Nos sistemas elitários, com a mudança, a escolha e os movimentos circulatórios que os

caracterizam, a pressão ocorre “de baixo para cima”. Já a burocracia estamental possui caráter

autoritário, ou seja, não permite a participação real na formulação da vontade estatal por parte de seus destinatários. As classes, assim, são sistemas abertos, com predominância do fator econômico, já o estamento é a camada de indivíduos que organizam e que são definidos pelas suas relações com o Estado.

Para o autor, portanto, a organização social dos grupos de indivíduos, historicamente, constitui o formato político, no caso do Brasil, o patrimonialismo, via estamento burocrático. Assim, somente num sistema de classes, como citado anteriormente, seria possível o liberalismo político, pois só numa sociedade com uma economia predominantemente livre é possível uma clara separação entre o público e o privado. Dessa forma, a cooptação do Estado por interesses econômicos não constitui o caráter liberal. Tal caráter não se dá pelos objetivos e intenções, mas pelos processos. É uma questão de meios, não de fins. De acordo com Faoro, somente a racionalidade do liberalismo econômico possibilitaria “os elementos previsíveis e

calculáveis do Estado de direito” (FAORO, 1993, p. 27).

De acordo com Paim, na nascente república, três correntes de opinião se destacavam: liberais, positivistas e militares, dentre os quais os mais exaltados possuíam traços de jacobinismo. Os liberais tinham como referência Rui Barbosa e viam-se progressivamente confrontados com práticas autoritárias. No entanto, os positivistas eram hegemônicos, apesar dos conflitos em relação a quais características deveriam impor ao novo regime.

A Constituição, cuja assembleia que a promulgou teve como grande articulador Rui Barbosa, com apoio de Benjamin Constant, permitiu aos liberais a elaboração do “pensamento

político oficial”. Apesar disso, a prática da recém-instaurada República era notoriamente

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Com o regime republicano, os conflitos entre os grupos se dariam com o intuito de

tomar posse do patrimônio constituído pelo Estado. Isso se acirraria à medida que o domínio do poder local se tornava insuficiente. Cada vez mais, se buscava a posse do Executivo central. Para mitigar o conflito, criou-se a “política dos governadores”.

Economicamente, com exceção de São Paulo, as atividades produtivas nos estados não se mantiveram rentáveis por longo período. O ideal de progresso, assim, se restringia à cafeicultura paulista.

A ordem republicana era mantida através de constantes decretos de estado de sítio e com a intervenção nos estados fracos politicamente. Dessa maneira, conforme o autoritarismo se consolidava os liberais passavam a restringir sua pauta à doutrina da representação. A diversificação partidária era nula e a influência positivista minava a pauta já restrita dos liberais. Na República Velha, então, ocorre o ocaso do liberalismo, influente na doutrina oficial, mas mitigado pelo cotidiano autoritário.

A nova Constituição ao mesmo tempo em que optou pelo presidencialismo, instituiu a descentralização do poder através da maior autonomia dos estados. Os dois elementos, no entanto, eram contraditórios em sua execução. O presidencialismo tinha como intuito se contrapor ao arremedo de parlamentarismo vigente no Império. Havia também uma

inclinação, principalmente por parte dos positivistas, a mitigar a importância do poder legislativo, aproximando-se de um ideal de “ditadura republicana”.

O federalismo, por sua vez, gerou uma série de complexidades e impasses na prática política e nas relações entre estados e União. O sistema era uma cópia dos EUA, no entanto, ao contrário do que lá ocorreu, os estados aqui não possuíam um passado efetivamente autônomo. Os poderes de autonomia foram recebidos, não eram originalmente dos estados e, assim, voltariam a ser absorvidos pela União ao longo do tempo.

A grande novidade institucional, portanto, foi o presidencialismo, já que o federalismo e a própria República haviam sido longamente reivindicadas no passado recente. Aos poucos, o presidencialismo, por natureza um regime que concentra poderes no executivo central, se tornou na República uma forma característica de personalismo político (PAIM, 1998, p. 88-91).

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situação paradoxal: ao mesmo tempo em que deveria conciliar os grupos regionais para

manter o apoio, precisava neutralizar as oligarquias e evitar que estas se fortalecessem. Tal processo gerava desgastes e instabilidades constantes no governo, além de um clima de desconfiança e imprevisibilidade.

Ainda, sobre o processo de consolidação institucional da República, Marco Villa, em obra sobre as Constituições brasileiras, ressalta que o republicanismo foi uma vertente fraca na política brasileira até o final do Império, que teve em sua última eleição parlamentar, dos 125 eleitos, somente dois republicanos. No entanto, a perda do apoio dos escravocratas, a não adesão dos novos setores da economia cafeeira e o temor das reformas econômico-sociais a serem empreendidas pelo Império, minaram suas bases sociais. Além disso, a transferência dos poderes centrais para as oligarquias, propagandeada pelos republicanos, fez com que os

antigos monarquistas aderissem. Conforme o autor, “[...] no dia 16 de novembro de 1889

todos eram republicanos”.

O autor salienta que o governo provisório foi responsável por uma grande quantidade de decretos. Muitos até receberam o mesmo número, sendo diferenciados por uma letra após a numeração. Outro aspecto relevante é que todos tinham a mesma justificativa oficial:

“constituído pelo Exército e pela Armada, em nome da nação” (VILLA, 2011, p. 16).

Villa observa também a importância dada às Forças Armadas na Constituição: pela primeira vez foram declaradas permanentes. Um quarto dos constituintes era militar e no final do Império, entre 1886 e 1889, aconteceram desavenças entre militares e governo, com ameaça de extinção do Exército. Os militares também criticavam o excesso de civilismo do Império: dois terços dos ministros de pastas militares foram civis.

Sobre as concepções doutrinárias presentes na Constituição, o autor ressalta que o artigo 72 era de clara influência francesa. O tratamento oficial passa a ser de “cidadão” e os documentos, em seu final, saudavam “saúde e fraternidade”. Ainda, observa que o novo

regime “[...] não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e de todas as

prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de Conselho”. De acordo com Villa, no entanto, nossa nobreza não era hereditária, nem possuía privilégios ou propriedades territoriais. Muitas vezes somente havia o nome relativo ao título nobiliárquico. Mesmo com a determinação constitucional, políticos influentes continuaram a ser tratados como “Barão”,

“Conselheiro” etc. (VILLA, 2011, p. 26).

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interesses e imprime seu caráter às modernizações e a forma com que determinados

acontecimentos são vistos como “novos” e em oposição a quê. Assim, torna-se perceptível a

forma com que, apesar de uma negação, expressa constitucional e legalmente, do “passado”, a despeito do liberalismo formal, tanto as práticas do Estado em relação à sociedade e à economia, bem como as próprias relações entre os grupos políticos, com menor ou maior poder de influência, mantiveram-se praticamente inalteradas. Tal fato demonstra que mais do que uma mudança nas ações políticas, pretendia-se uma transformação das justificativas para tais ações.

Em relação às práticas autoritárias da República Velha, Schwartzman (1982, p. 53) observa que a característica do Estado patrimonial é que a busca do acesso ao poder não é meramente um meio para fazer valer interesses específicos. Antes, é um fim em si, que tem como objetivo o controle de recursos que o poder estatal permite.

O autor ainda ressalta a questão da “cooptação política”, em que o Estado traz para sua tutela as formas autônomas de participação. Tal fenômeno é possível devido ao fato de que, historicamente, estruturas governamentais fortes e consolidadas antecedem a formação de grupos sociais e sua mobilização política.

Dado isto, a respeito da dinâmica de transformação engendrada pela República, das

províncias em estados, o autor coloca que as regiões passaram a ter papel mais ativo, representado pela “política dos governadores”. Na monarquia, o “espírito” das regiões era pouco influente, os presidentes de província se caracterizavam pela lealdade hierárquica ao poder centralizado nacional. Além disso, havia uma alta rotatividade, bem como não havia políticas regionais específicas, tornando o sistema administrativo ineficiente.

O objetivo do poder central era neutralizar as demandas regionais e resguardar o sistema bipartidário, funcional em seus objetivos. Dessa forma, os poderes autônomos regionais existiam, mas dificilmente se articulavam efetivamente.

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